O FUNDAMENTO TEOLÓGICO DE UMA CONSAGRAÇÃO AOS ANJOS

O FUNDAMENTO TEOLÓGICO DE UMA CONSAGRAÇÃO AOS ANJOS
A pedido do Rev.mo Delegado da Santa Sé, a Congregação para a Doutrina da Fé autorizou para a Opus Angelorum (Obra dos Santos Anjos) uma Consagração aos Santos Anjos. A Congregação declarou que a fórmula apresentada da Consagração aos Anjos "não é contrária à tradição teológico-espiritual" da Igreja. Esta consagração deve ser entendida no sentido da "Tradição patrística, tomista e da Reforma católica", como também no espírito do Concílio Vaticano II, "pois só por uma inserção positiva na Tradição esta espiritualidade poderá encontrar um lugar próprio na variedade da devoção católica". Por isso vamos refletir sobre o sentido e a finalidade de santas consagrações, especialmente da Consagração aos Anjos.

O depósito da fé: o fundamento da espiritualidade
Qual foi propriamente a razão por que no decreto da Congregação para a Doutrina da Fé, de 6 de junho de 1992, foram "proibidas as diversas formas das Consagrações aos Anjos ('Engelweihen')"?
A Congregação para a Doutrina da Fé estava preocupada com o enraizamento correto e o são crescimento da O. A. (Obra dos Santos Anjos) na Igreja. Por isso, com o decreto, os princípios teológicos foram expressos por diretrizes correspondentes: para qualquer espiritualidade na Igreja Católica somente o Depositum Fidei (o depósito da fé católica) pode ser fundamento. Um carisma profético pode dar um novo impulso espiritual, pode projetar uma nova luz sobre verdades da fé que, do contrário, poderiam facilmente cair no esquecimento. Porém, um carisma nunca deve pôr um outro fundamento. Portanto, consagrações aos Santos Anjos como tais não foram condenadas, apenas foram proibidas as Consagrações aos Anjos, assim como até então tinham sido entendidas e praticadas na Opus Angelorum.
Antes de apresentarmos o texto da Consagração aos Anjos agora autorizada, vamos, em seguida, expor como uma Consagração aos Santos Anjos está enraizada na tradição da Igreja Católica.
A. ESSÊNCIA E HISTÓRIA DA CONSAGRAÇÃO
No sentido geral, uma 'consagração' significa uma dedicação de pessoas ou objetos ao culto divino. O consagrado é tirado do uso profano e posto ao serviço sagrado de Deus. Esta santa separação realiza-se por uma intervenção direta de Deus ou por meio de um rito, de um ato de bênção. Toda consagração na história da salvação provém de Deus: é Ele que escolhe o homem para Seu serviço e para a comunhão consigo. Uma vez que Deus tenciona estabelecer uma aliança de amor, esta consagração requer a resposta livre da criatura. Por isso também a resposta do homem a Deus pode ser chamada de ‘consagração’. Este mistério da consagração perpassa toda a história da salvação e foi por Jesus Cristo levado à plenitude e consumação.
1. Consagração e Aliança no Antigo Testamento
Na Antiga Aliança, Deus escolheu para Si todo o povo de Israel e o 'santificou', isto é, o 'separou' e o 'pôs a Seu serviço sacerdotal' (cf. Catecismo da Igreja Católica = Cat., n. 1539; cf. Ex 19,6); instituiu a aliança com o povo de Deus, para a glorificação do Seu nome. Dentro deste povo sacerdotal Deus escolheu expressamente a tribo de Levi, "reservando-a para o serviço litúrgico" (Cat., n. 1539; cf. Nm 1,48ss). Os sacerdotes foram designados "para servir a Deus em favor dos homens, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados" (Hb 5,1). A meta da consagração, tanto do povo como do sacerdote, é a glorificação de Deus. Esta, porém, exige a santificação das pessoas que são chamadas à união com Deus.
2. A Nova Aliança em Jesus Cristo
A consagração original e principal é aquela da natureza humana de Cristo, do Verbo feito carne, a Quem se ordenam todas as outras consagrações. Ele, o Messias, o Ungido ('consagrado'), é o mediador entre Deus e os homens, o verdadeiro Sumo Sacerdote, a Cabeça da Igreja.
A consagração, separação e santificação do povo de Deus da Antiga Aliança, com seu culto e sacerdócio, foi uma prefigura, uma 'sombra' da Nova Aliança que Cristo instituiu em virtude do Seu sacrifício, em virtude da Sua consagração de Si mesmo: "Por eles Me consagro a Mim mesmo, para que eles também sejam consagrados na verdade" (Jo 17,19). Só em e por Jesus Cristo a consagração realizada por Deus recebe um sinete eficaz no Espírito Santo (cf. Ef 1,13).
 
3. Sacramentos da Igreja
Através do serviço da Igreja Cristo realiza, sobretudo nos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem, a consagração dos homens, fazendo-os participar no Seu sacerdócio e na Sua própria santidade. "Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de anunciardes as virtudes d’Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz admirável" (1 Pd 2,9). Esta participação é impressa na alma pelo caráter sacramental, que é um sinal de aliança, inextinguível e espiritual, da consagração a Deus e o fundamento da santidade na Igreja. Por meio desses sacramentos os fiéis recebem tanto uma participação no múnus sacerdotal de Cristo como também a graça santificante. Assim, não são mais do mundo (cf. Jo 17,14) e, por sua ligação com Cristo, são consagrados ao serviço de Deus.
B. A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS COMO CONSAGRAÇÃO
1. Nos Sacramentos
Uma vez que nos sacramentos mencionados se trata de uma aliança entre Deus e o homem, este deve aceitar estas consagrações sacramentais com liberdade e fé e, em virtude delas, levar uma vida que agrade e honre a Deus. Como participante no sacerdócio de Cristo, o cristão é capacitado para o culto sobrenatural a Deus (a virtude sobrenatural da "religião") e para a participação na liturgia. As virtudes teologais da fé, da esperança e do amor unem-nos diretamente a Deus, enquanto a "religião" é a virtude pela qual o homem se submete perfeitamente a Deus e Lhe presta a devida honra no culto e serviço (cf. Summa Theol. II-II,81,3,2um).Com relação ao amor, Santo Tomás sublinha essa diferença ao escrever: "A (virtude) da caridade pertence diretamente à entrega que o homem faz de si mesmo a Deus, aderindo-Lhe por alguma união do espírito. A entrega de si mesmo a Deus para a realização de obras de culto divino pertence diretamente à virtude da religião, indiretamente, porém, à caridade, que é o princípio da religião" (Summa Theol. II-II,82,2,1um). A religião encontra seu ápice na celebração da liturgia.A liturgia, "pela renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia, aquece os fiéis na caridade urgente de Cristo. Da liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja" (Conc. Vat. II, Sacrosanctum Concilium, n. 10).O primeiro e principal ato da religião é a dedicação (entrega; em latim: 'devotio’, daí, em português: 'devoção'). Santo Tomás de Aquino explica: "A palavra 'devotio' (dedicação) provém de 'devovere’ (dedicar). Daí se chamam 'devotos' (dedicados) aqueles que, de alguma maneira, se dedicam a Deus, para se entregar totalmente a Ele" (Summa Theol. II-II,82,1c). Por isso pode-se traduzir acertadamente a 'devotio' por 'espírito de dedicação' ou 'consagração'.
2. Na Vida Consagrada
Em geral, "todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade" (Conc. Vat. II, Lumen Gentium, n. 40). Isto significa em primeiro lugar uma aspiração à perfeição conforme a consagração batismal e crismal e as correspondentes obrigações fundamentais de observar os mandamentos de Deus, como também de participar na liturgia da Igreja. Contudo, há, além disso, uma maneira ainda mais perfeita de viver esta consagração:
"Desde os primórdios da Igreja, existiram homens e mulheres que se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir a Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, e levaram, cada qual a seu modo, vida consagrada a Deus" (Conc. Vat.II, Perfectae caritatis, n. 1). Quem quer ser perfeito, pode doar-se a Deus de um modo novo, a saber, pela renúncia completa aos bens terrenos, à união matrimonial e à livre autodeterminação, para seguir a Cristo mais de perto e pertencer-Lhe totalmente. A Igreja acolhe em nome do Senhor os votos da vida consagrada (cf., ibid., n. 5). Os votos, como meios de serviço e da glorificação de Deus, são atos da virtude da religião e da dedicação-entrega ('devotio’). Daí decorre um significado duplo da 'devotio', segundo a resposta do homem a Deus: de um lado, na receção dos sacramentos, do outro lado, na profissão dos conselhos evangélicos. Em ambos os casos o homem é, de um modo próprio, separado do mundo e capacitado para uma vida agradável a Deus. Uma vez que a aliança entre Deus e o homem é concluída por uma aceitação mútua, a mesma palavra 'consagração' designa tanto a ação de Deus como também a resposta do homem.
3. Nas práticas de devoção
Além das consagrações sacramentais e da vida consagrada houve na vida da Igreja ainda outros atos da 'devotio', da dedicação-entrega. Nestes, os fiéis ou se entregam à proteção especial do Senhor ou se obrigam a realizar atos da religião e boas obras, esperando receber assim especiais graças e frutos. Neste sentido fala-se também de 'consagrações de proteção' ou 'consagrações de serviço'. Embora estas consagrações, quanto ao grau e à essência, sejam inferiores à profissão religiosa, elas pertencem à mesma virtude da 'devotio' (cf. Cat., n. 2102). São igualmente chamadas de 'consagrações', porque contêm uma dedicação (entrega) de caráter permanente, aprovada pela Igreja. A consagração ao Sagrado Coração de Jesus é o exemplo clássico a este respeito. "Entre todos os exercícios próprios da devoção ao Sagrado Coração de Jesus sobressai, aos olhos e ao coração, a nossa consagração piedosa e crente da nossa própria pessoa e da nossa posse ao Divino Coração de Jesus...". "Portanto, é o ato de consagração que manifesta e confirma a união com Cristo" (Papa Pio XI, Encíclica Miserentissimus Redemptor, nn. 124 e 134). A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é "um exercício muito valioso da religião, enquanto exige de nós uma vontade completa e plenamente incondicional de entrega e consagração ao amor do divino Redentor" (Papa Pio XII, Encíclica Haurietis Aquas). Na devoção ao Sagrado Coração de Jesus trata-se de "uma entrega a Deus, que ajuda poderosamente a alcançar a perfeição cristã" (Ibidem).
C. CONSAGRAÇÃO A MARIA E AOS SANTOS ANJOS
A meta da 'devotio' é sempre a glorificação de Deus. Ora, surge a questão se também criaturas santas podem ser veneradas. De fato, a Mãe de Deus, os Anjos e Santos são venerados na liturgia. Santo Tomás explica o porquê: "A veneração (devotio) prestada aos Santos de Deus... não para neles mesmos, mas passa para Deus, enquanto nos servos de Deus veneramos o próprio Deus" (Summa Theol., II-II,82,2,3um).
Ao longo da história várias devoções levaram, de fato, a 'consagrações' que não se dirigem exclusivamente a Deus, mas também às criaturas, a Maria, aos Santos Anjos e aos Santos. Tais consagrações representam o pleno desenvolvimento da correspondente 'devoção' ou 'veneração'. O fim último de tal consagração sempre fica sendo a glorificação de Deus. Uma consagração a uma criatura santa constitui uma certa comunhão no amor, pela qual os fiéis esperam poder ainda mais amar a Deus e servir-Lhe melhor. Este é, em primeiro lugar, o caso da criatura mais santa, a Mãe de Deus.
1. A Consagração a Nossa Senhora
A raiz histórica da consagração a Maria encontra-se nos primeiros tempos do cristianismo. Uma das orações mais antigas a Nossa Senhora, a oração 'À vossa proteção', contém já um ato de entrega à Mãe de Deus, cuja proteção a pessoa se confia. Segundo S. Luis Maria Grignion de Montfort († 1716), a consagração a Maria consiste em "entregar-se inteiramente à Santíssima Virgem, a fim de, por Ela, pertencer inteiramente à Pessoa de Jesus Cristo" (Tratado da verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 121). A entrega de si mesmo a Maria comporta, como obrigação, uma perfeita renovação das promessas batismais e, como fruto, uma correspondente dedicação maternal da parte de Maria. São Luís Maria funda, portanto, a consagração a Maria na consagração batismal, que ele reconhece como uma 'aliança', e na mediação de Maria com relação a Cristo. A obrigação a mais consiste em "fazer todas as suas ações por Maria, com Maria, em Maria e para Maria, a fim de fazê-las mais perfeitamente por Jesus, com Jesus, em Jesus e para Jesus" (Ibid., n. 257).Numa alocução aos membros da Congregação Mariana, o Papa Pio XII disse: "A consagração à Mãe de Deus ... é uma entrega completa de si mesmo, por toda a vida e para a eternidade; ela é uma doação não meramente exterior ou sentimental, mas eficaz, que se realiza numa fervorosa vida cristã e mariana, numa vida apostólica, na qual o membro da Congregação se torna um servo de Maria como que representando na terra suas mãos visíveis, cheio do entusiasmo de uma vida interior viva que se difunde em todas as obras exteriores de uma piedade sólida, do culto divino, do amor ao próximo e do zelo" (Alocução de 21 de janeiro de 1945).O Papa Paulo VI exortou a todos os filhos e filhas da Igreja a "consagrarem-se pessoalmente e de novo, com sinceridade, ao Imaculado Coração da Mãe da Igreja. E este sinal de amor filial total, a imitação do exemplo da Mãe, deve ser traduzido na vida, em obras! Sempre mais cada um há de orientar a sua vida em conformidade com a vontade de Deus, com o modelo de vida da Rainha celeste e, assim, servi-la como um autêntico filho" (Signum Magnum, no fim).Quando o Papa João Paulo II, no ano de 1984, juntamente com os bispos, realizou a consagração à Mãe de Deus, ele ligou a consagração a Cristo por meio de Maria com a consagração que Jesus fez de Si mesmo ao Pai por causa da nossa salvação: "Encontrando-nos hoje diante de Vós, Mãe de Cristo, diante do vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez de Si mesmo ao Pai: 'Eu consagro-Me por eles' - foram as Suas palavras - para eles serem também consagrados na verdade' (Jo 17,19)" (extraído do texto da Congregação para a Doutrina da Fé: A Mensagem de Fátima, junho de 2000).Nesta oração de consagração trata-se, no fundo, de uma participação, aprofundada com o auxílio de Maria, na consagração de Jesus, o divino Redentor, a Seu Pai (Jo 17,19), para a salvação do mundo. A consagração a Maria tem, portanto, a Cristo como o fim próprio: por ela o homem vem a ser não somente recetor das graças redentoras de Cristo, mas, com Maria, toma parte ativa na obra redentora de Cristo.
2. Consagrações aos Santos Anjos
Sobre o sentido de uma consagração aos Santos Anjos
A possibilidade de uma consagração aos Santos Anjos resulta também da natureza da virtude da devotio. "A Igreja venera os Anjos" (
Cat., n. 352) e recomenda esta veneração para a glorificação de Deus:
"Senhor, Pai Santo, ... é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, ... Proclamamos a Vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a Vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da Vossa incomparável grandeza sobre todas as criaturas" (Missal Romano,
Prefácio dos Anjos).
São Bernardo faz ver o amor que deveríamos cultivar para com os Santos Anjos: "A teu respeito, ordenou a Seus Anjos que te guardem em todos os teus caminhos. Esta palavra, quanta reverência deve despertar em ti, aumentar a gratidão, dar confiança. Reverência pela presença, gratidão pela benevolência, confiança pela proteção. ... Sejamos-lhes fiéis, sejamos gratos a tão grandes protetores; paguemos-lhes com amor; honremo-los tanto quanto pudermos, quanto devemos. Prestemos, no entanto, todo o nosso amor e nossa honra Àquele que é tudo para nós e para eles; de quem recebemos poder amar e honrar, de quem merecemos ser amados e honrados" (
Sermo 12 in Ps 90). Em tal afeto, veneração, dedicação, gratidão e firmeza expressa-se a essência de uma consagração aos Anjos, que, indo além dos Anjos, tende ao Senhor como fim.
Sobre a história da Consagração aos Anjos
Na Antiga Aliança, Deus mesmo confiou o povo de Deus aos cuidados dos Santos Anjos (cf. Ex 23,20s; Dn 10,13.21; 12,1). Como Príncipe dos exércitos celestes, o Arcanjo São Miguel foi reconhecido como protetor especial do povo de Deus (cf. Dn 10,21; Ap 12,7s).Na Igreja, a veneração ao Arcanjo São Miguel remonta até o primeiro século. Desde os primeiros tempos também os outros Santos Anjos foram venerados. Em breve foram-lhes dedicadas igrejas e o povo de Deus foi colocado sob a sua proteção e patrocínio. Quando, depois do Concílio de Trento (1545-1563), prosperaram as consagrações ao Coração de Jesus e a Maria, houve, em muitos lugares, também consagrações aos Santos Anjos.No século XIX, esta consagração veio a ser uma prática de devoção largamente difundida e reconhecida. Várias associações ligaram a receção dos seus membros a tais consagrações. A Igreja promoveu tais confrarias em honra dos Santos Anjos e reconheceu suas orações de consagração. Na consagração aos Santos Anjos exprime-se a unidade da Igreja peregrinante e triunfante. Santo Agostinho escreve: "Estas duas partes um dia também serão unidas no gozo comum da eternidade, até, já estão unidas pelo laço do amor, uma união que não tem outra finalidade a não ser o culto de Deus" (Enchiridion, cap. XV). E no Catecismo lemos: "Ainda aqui na terra, a vida cristã participa na fé da sociedade bem-aventurada dos Anjos e dos homens, unidos em Deus" (Cat., n. 336).
Relação ao Batismo e à Profissão religiosa
Como a consagração a Nossa Senhora, assim também a consagração aos Santos Anjos é uma aliança que está fundada na consagração a Cristo no sacramento do Batismo. No Batismo renunciamos aos anjos caídos e dizemos "sim" a Cristo.
Este "sim" a Cristo e a união com Ele não apenas trazem consigo a união com os outros membros humanos da Igreja, mas também a comunhão com os Santos Anjos (cf. Hb 12,22s), já que Cristo não é apenas a Cabeça dos homens, mas também dos Anjos (cf. Summa Theol. III,8,4 sc; Cl 2,10).
Vários Padres da Igreja indicam esta relação do Batismo para com o mundo dos Santos Anjos. São Cirilo de Jerusalém escreve: "Irmãos, cada um de vós [batizados] deve ser apresentado a Deus na presença de miríades de exércitos de Anjos. O Espírito Santo assinalará as vossas almas. Entrareis no serviço do grande Rei" (Catequ., III 3).
O Papa Leão Magno descreve a confissão cristã e a graça da redenção por Cristo como um juramento de bandeira, que nos constitui combatentes no exército celeste: "Assim, tu, nascido de carne corruptível, nasces do Espírito de Deus e recebes pela graça o que não tiveste pela natureza: assim podes chamar a Deus teu Pai. ... Ajudado pelo auxílio do alto, procede segundo a vontade de Deus! Enquanto estiveres na terra, toma os Anjos por modelo! Deleita-te com a força da sua natureza imortal e combate, cheio de confiança, contra as tentações inimigas, para proteção de uma vida agradável a Deus. E se cumpriste o teu juramento de bandeira, como combatente no exército celeste, não há razão para duvidar que no acampamento triunfal do eterno Rei hás de receber, por tua vitória, a coroa" (Sermo XXII, 2).
Especialmente na tradição do Oriente cristão, essa comunhão com os Santos Anjos é realizada mais intensamente pela profissão dos conselhos evangélicos: "O Oriente cristão sublinha essa dimensão, ao considerar os monges como anjos de Deus sobre a terra, que anunciam a renovação do mundo em Cristo" (João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata sobre a Vida Consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo, n. 27).
Não é somente dentro do estado de vida consagrada que se pode notar a aspiração a uma vida em comunhão com os Santos Anjos. "Inúmeras páginas de literatura cristã poderiam ser aduzidas como testemunhos esplêndidos e fidedignos deste anseio pela cidade dos Anjos, por aquela 'cidade celeste, grande e ampla', cujos cidadãos 'gozam da visão de Deus', já que o próprio Deus é o espetáculo sempre novo, que os bem-aventurados contemplam" (Garcia Colombás, Paraíso y Vida Angélica, Montserrat 1958, p. 88; cf. Agostinho, In Psalm 147,4).
Sobre a essência de uma Consagração aos Santos Anjos
A consagração aos Santos Anjos é uma aliança. Aquela comunhão com os Santos Anjos que é realizada implicitamente no Batismo, é confirmada pela consagração, de modo consciente e explícito.O homem confia-se, em amor fraterno, aos Santos Anjos quais irmãos inteiramente santos, já definitivamente unidos a Deus, e cosservos diante de Deus (cf. Ap 19,10; 22,9). Com isso abre-se voluntariamente à sua ação auxiliadora. Ao mesmo tempo, o homem compromete-se a ouvir e obedecer suas advertências (cf. Ex 23,21), que sempre têm como fim a glorificação de Deus e o cumprimento da Sua vontade. Ele aspira a uma íntima colaboração com eles, para a extensão e defesa do Reino de Deus na terra, e a uma vida o quanto possível perfeita como membro vivo da Santa Igreja.Uma consagração aos Santos Anjos leva a sério a sua missão salvífica para com os homens, como servos de Cristo (cf. Cat., n. 331). Ela significa uma ligação voluntária aos Santos Anjos, para, com seu auxílio e imitando-lhes as virtudes, aspirar à perfeição que corresponde ao próprio estado, e, em comunhão com eles, cooperar na missão apostólica da Igreja para a salvação das almas.Pela consagração a Maria o homem realiza todas as ações por, com e em Maria, para realizá-las mais perfeitamente com e em Cristo. Algo semelhante pode valer também para a consagração aos Anjos: o homem aspira a fazer tudo o possível, como e com os Santos Anjos, para ser unido mais perfeitamente com Cristo e ser transformado n’Ele.