O FUNDAMENTO
TEOLÓGICO DE UMA CONSAGRAÇÃO AOS ANJOS
A pedido do Rev.mo Delegado da Santa Sé, a Congregação para a
Doutrina da Fé autorizou para a Opus Angelorum (Obra dos Santos Anjos) uma
Consagração aos Santos Anjos.
A Congregação declarou que a fórmula apresentada da Consagração aos Anjos "não é
contrária à tradição teológico-espiritual" da Igreja. Esta consagração deve ser
entendida no sentido da "Tradição patrística, tomista e da Reforma católica",
como também no espírito do Concílio Vaticano II, "pois só por uma inserção
positiva na Tradição esta espiritualidade poderá encontrar um lugar próprio na
variedade da devoção católica". Por isso vamos refletir sobre o sentido e a
finalidade de santas consagrações, especialmente da Consagração aos Anjos.
O depósito da fé: o fundamento da espiritualidade
Qual foi propriamente a razão por que no decreto da Congregação
para a Doutrina da Fé, de 6 de junho de 1992, foram "proibidas as diversas
formas das Consagrações aos Anjos ('Engelweihen')"?
A Congregação para a Doutrina da Fé estava preocupada com o
enraizamento correto e o são crescimento da O. A. (Obra
dos Santos Anjos)
na Igreja. Por isso, com o decreto, os princípios teológicos foram expressos por
diretrizes correspondentes: para qualquer espiritualidade na Igreja Católica
somente o Depositum Fidei (o depósito da fé católica) pode ser fundamento. Um
carisma profético pode dar um novo impulso espiritual, pode projetar uma nova
luz sobre verdades da fé que, do contrário, poderiam facilmente cair no
esquecimento. Porém, um carisma nunca deve pôr um outro fundamento. Portanto,
consagrações aos Santos Anjos como tais não foram condenadas, apenas foram
proibidas as Consagrações aos Anjos, assim como até então tinham sido entendidas
e praticadas na Opus Angelorum.
Antes de apresentarmos o texto da Consagração aos Anjos agora
autorizada, vamos, em seguida, expor
como
uma Consagração aos Santos Anjos está enraizada na tradição da Igreja Católica.
A. ESSÊNCIA E
HISTÓRIA DA CONSAGRAÇÃO
No sentido
geral, uma 'consagração' significa uma dedicação de pessoas ou objetos ao culto
divino. O consagrado é tirado do uso profano e posto ao serviço sagrado de Deus.
Esta santa separação realiza-se por uma intervenção direta de Deus ou por meio
de um rito, de um ato de bênção. Toda consagração na história da salvação provém
de Deus: é Ele que escolhe o homem para Seu serviço e para a comunhão consigo.
Uma vez que Deus tenciona estabelecer uma aliança de amor, esta consagração
requer a resposta livre da criatura. Por isso também a resposta do homem a Deus
pode ser chamada de ‘consagração’. Este mistério da consagração perpassa toda a
história da salvação e foi por Jesus Cristo levado à plenitude e consumação.
1. Consagração e
Aliança no Antigo Testamento
Na
Antiga Aliança,
Deus escolheu para Si todo o povo de Israel e o 'santificou', isto é, o
'separou' e o 'pôs a Seu serviço sacerdotal' (cf.
Catecismo da
Igreja Católica = Cat.,
n. 1539; cf. Ex 19,6); instituiu a aliança com o povo de Deus, para a
glorificação do Seu nome. Dentro deste povo sacerdotal Deus escolheu
expressamente a tribo de Levi, "reservando-a para o serviço litúrgico" (Cat.,
n. 1539; cf. Nm 1,48ss). Os sacerdotes foram designados "para servir a Deus em
favor dos homens, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados" (Hb 5,1). A
meta da consagração, tanto do povo como do sacerdote, é a glorificação de Deus.
Esta, porém, exige a santificação das pessoas que são chamadas à união com Deus.
2. A Nova Aliança em Jesus Cristo
A consagração original e principal é aquela da natureza humana de
Cristo, do Verbo feito carne, a Quem se ordenam todas as outras consagrações.
Ele, o Messias, o Ungido ('consagrado'), é o mediador entre Deus e os homens, o
verdadeiro Sumo Sacerdote, a Cabeça da Igreja.
A consagração, separação e santificação do povo de Deus da Antiga
Aliança, com seu culto e sacerdócio, foi uma prefigura, uma 'sombra' da
Nova
Aliança
que Cristo instituiu em virtude do Seu sacrifício, em virtude da Sua consagração
de Si mesmo:
"Por eles Me
consagro a Mim mesmo, para que eles também sejam consagrados na verdade"
(Jo
17,19). Só em e por Jesus Cristo a consagração realizada por Deus recebe um
sinete eficaz no Espírito Santo (cf. Ef 1,13).
3. Sacramentos da Igreja
Através do serviço da Igreja Cristo realiza, sobretudo nos
sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem, a consagração dos homens,
fazendo-os participar no Seu sacerdócio e na Sua própria santidade.
"Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a
fim de anunciardes as virtudes d’Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz
admirável"
(1 Pd 2,9). Esta participação é impressa na alma pelo caráter
sacramental, que é um sinal de aliança, inextinguível e espiritual, da
consagração a Deus e o fundamento da santidade na Igreja. Por meio desses
sacramentos os fiéis recebem tanto uma participação no múnus sacerdotal de
Cristo como também a graça santificante. Assim, não são mais do mundo (cf. Jo
17,14) e, por sua ligação com Cristo, são consagrados ao serviço de Deus.
B. A RESPOSTA DO
HOMEM A DEUS COMO CONSAGRAÇÃO
1. Nos Sacramentos
Uma vez que
nos sacramentos mencionados se trata de uma aliança entre Deus e o homem, este
deve aceitar estas consagrações sacramentais com liberdade e fé e, em virtude
delas, levar uma vida que agrade e honre a Deus. Como participante no sacerdócio
de Cristo, o cristão é capacitado para o culto sobrenatural a Deus (a virtude
sobrenatural da "religião") e para a participação na liturgia. As virtudes
teologais da fé, da esperança e do amor unem-nos diretamente a Deus, enquanto a
"religião" é a virtude pela qual o homem se submete perfeitamente a Deus e Lhe
presta a devida honra no culto e serviço (cf.
Summa Theol.
II-II,81,3,2um).Com relação ao amor, Santo Tomás sublinha essa
diferença ao escrever: "A (virtude) da caridade pertence diretamente à entrega
que o homem faz de si mesmo a Deus, aderindo-Lhe por alguma união do espírito. A
entrega de si mesmo a Deus para a realização de obras de culto divino pertence
diretamente à virtude da religião, indiretamente, porém, à caridade, que é o
princípio da religião" (Summa
Theol.
II-II,82,2,1um). A religião encontra seu ápice na celebração da
liturgia.A liturgia, "pela renovação da aliança do Senhor com os homens na
Eucaristia, aquece os fiéis na caridade urgente de Cristo. Da liturgia, pois, em
especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio
dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a
glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da
Igreja" (Conc. Vat. II,
Sacrosanctum
Concilium,
n. 10).O primeiro e principal ato da religião é a dedicação (entrega; em latim:
'devotio’, daí, em português: 'devoção'). Santo Tomás de Aquino explica: "A
palavra 'devotio' (dedicação) provém de 'devovere’ (dedicar). Daí se chamam
'devotos' (dedicados) aqueles que, de alguma maneira, se dedicam a Deus, para se
entregar totalmente a Ele" (Summa
Theol.
II-II,82,1c). Por isso pode-se traduzir acertadamente a 'devotio' por 'espírito
de dedicação'
ou 'consagração'.
2. Na Vida Consagrada
Em geral, "todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem,
são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade" (Conc. Vat.
II,
Lumen Gentium,
n. 40). Isto significa em primeiro lugar uma aspiração à perfeição conforme a
consagração batismal e crismal e as correspondentes obrigações fundamentais de
observar os mandamentos de Deus, como também de participar na liturgia da
Igreja. Contudo, há, além disso, uma maneira ainda mais perfeita de viver esta
consagração:
"Desde os primórdios da Igreja, existiram homens e mulheres que
se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir a Cristo com maior
liberdade e imitá-lo mais de perto, e levaram, cada qual a seu modo, vida
consagrada a Deus" (Conc. Vat.II,
Perfectae
caritatis,
n. 1). Quem quer ser perfeito, pode doar-se a Deus de um modo novo, a saber,
pela renúncia completa aos bens terrenos, à união matrimonial e à livre
autodeterminação, para seguir a Cristo mais de perto e pertencer-Lhe totalmente.
A Igreja acolhe em nome do Senhor os votos da vida consagrada (cf.,
ibid.,
n. 5). Os votos, como meios de serviço e da glorificação de Deus, são atos da
virtude da religião e da dedicação-entrega ('devotio’). Daí decorre um
significado duplo da 'devotio', segundo a resposta do homem a Deus: de um lado,
na receção dos sacramentos, do outro lado, na profissão dos conselhos
evangélicos. Em ambos os casos o homem é, de um modo próprio, separado do mundo
e capacitado para uma vida agradável a Deus. Uma vez que a aliança entre Deus e
o homem é concluída por uma aceitação mútua, a mesma palavra 'consagração'
designa tanto a ação de Deus como também a resposta do homem.
3. Nas práticas de
devoção
Além das
consagrações sacramentais e da vida consagrada houve na vida da Igreja ainda
outros atos da 'devotio', da dedicação-entrega. Nestes, os fiéis ou se entregam
à proteção especial do Senhor ou se obrigam a realizar atos da religião e boas
obras, esperando receber assim especiais graças e frutos. Neste sentido fala-se
também de 'consagrações de proteção' ou 'consagrações de serviço'. Embora estas
consagrações, quanto ao grau e à essência, sejam inferiores à profissão
religiosa, elas pertencem à mesma virtude da 'devotio' (cf.
Cat.,
n. 2102). São igualmente chamadas de 'consagrações', porque contêm uma dedicação
(entrega) de caráter permanente, aprovada pela Igreja. A consagração ao Sagrado
Coração de Jesus é o exemplo clássico a este respeito. "Entre todos os
exercícios próprios da devoção ao Sagrado Coração de Jesus sobressai, aos olhos
e ao coração, a nossa consagração piedosa e crente da nossa própria pessoa e da
nossa posse ao Divino Coração de Jesus...". "Portanto, é o ato de consagração
que manifesta e confirma a união com Cristo" (Papa Pio XI, Encíclica
Miserentissimus Redemptor,
nn. 124 e 134). A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é "um exercício muito
valioso da religião, enquanto exige de nós uma vontade completa e plenamente
incondicional de entrega e consagração ao amor do divino Redentor" (Papa Pio
XII, Encíclica
Haurietis
Aquas).
Na devoção ao Sagrado Coração de Jesus trata-se de "uma entrega a Deus, que
ajuda poderosamente a alcançar a perfeição cristã" (Ibidem).
C. CONSAGRAÇÃO A MARIA E AOS SANTOS ANJOS
A meta da
'devotio' é sempre
a glorificação
de Deus.
Ora, surge a questão se também criaturas santas podem ser veneradas. De fato, a
Mãe de Deus, os Anjos e Santos são venerados na liturgia. Santo Tomás explica o
porquê: "A veneração (devotio) prestada aos Santos de Deus... não para neles
mesmos, mas passa para Deus, enquanto nos servos de Deus veneramos o próprio
Deus" (Summa
Theol.,
II-II,82,2,3um).
Ao longo da história várias devoções levaram, de fato, a 'consagrações' que não se dirigem exclusivamente a Deus, mas também às criaturas, a Maria, aos Santos Anjos e aos Santos. Tais consagrações representam o pleno desenvolvimento da correspondente 'devoção' ou 'veneração'. O fim último de tal consagração sempre fica sendo a glorificação de Deus. Uma consagração a uma criatura santa constitui uma certa comunhão no amor, pela qual os fiéis esperam poder ainda mais amar a Deus e servir-Lhe melhor. Este é, em primeiro lugar, o caso da criatura mais santa, a Mãe de Deus.
Ao longo da história várias devoções levaram, de fato, a 'consagrações' que não se dirigem exclusivamente a Deus, mas também às criaturas, a Maria, aos Santos Anjos e aos Santos. Tais consagrações representam o pleno desenvolvimento da correspondente 'devoção' ou 'veneração'. O fim último de tal consagração sempre fica sendo a glorificação de Deus. Uma consagração a uma criatura santa constitui uma certa comunhão no amor, pela qual os fiéis esperam poder ainda mais amar a Deus e servir-Lhe melhor. Este é, em primeiro lugar, o caso da criatura mais santa, a Mãe de Deus.
1. A Consagração a
Nossa Senhora
A raiz
histórica da consagração a Maria encontra-se nos
primeiros
tempos
do cristianismo. Uma das orações mais antigas a Nossa Senhora, a oração 'À
vossa proteção',
contém já um ato de entrega à Mãe de Deus, cuja proteção a pessoa se confia.
Segundo S. Luis Maria Grignion de Montfort († 1716), a consagração a Maria
consiste em "entregar-se inteiramente à Santíssima Virgem, a fim de, por Ela,
pertencer inteiramente à Pessoa de Jesus Cristo" (Tratado
da verdadeira Devoção à Santíssima Virgem,
n. 121). A entrega de si mesmo a Maria comporta, como obrigação, uma perfeita
renovação das promessas batismais e, como fruto, uma correspondente dedicação
maternal da parte de Maria. São Luís Maria funda, portanto, a consagração a
Maria na consagração batismal, que ele reconhece como uma 'aliança', e na
mediação de Maria com relação a Cristo. A obrigação a mais consiste em "fazer
todas as suas ações por Maria, com Maria, em Maria e para Maria, a fim de
fazê-las mais perfeitamente por Jesus, com Jesus, em Jesus e para Jesus" (Ibid.,
n. 257).Numa alocução aos membros da Congregação Mariana, o
Papa Pio XII
disse: "A consagração à Mãe de Deus ... é uma entrega completa de si mesmo, por
toda a vida e para a eternidade; ela é uma doação não meramente exterior ou
sentimental, mas eficaz, que se realiza numa fervorosa vida cristã e mariana,
numa vida apostólica, na qual o membro da Congregação se torna um servo de Maria
como que representando na terra suas mãos visíveis, cheio do entusiasmo de uma
vida interior viva que se difunde em todas as obras exteriores de uma piedade
sólida, do culto divino, do amor ao próximo e do zelo" (Alocução de 21 de
janeiro de 1945).O
Papa Paulo VI
exortou a todos os filhos e filhas da Igreja a "consagrarem-se
pessoalmente e de novo, com sinceridade, ao Imaculado Coração da Mãe da Igreja.
E este sinal de amor filial total, a imitação do exemplo da Mãe, deve ser
traduzido na vida, em obras! Sempre mais cada um há de orientar a sua vida em
conformidade com a vontade de Deus, com o modelo de vida da Rainha celeste e,
assim, servi-la como um autêntico filho" (Signum
Magnum,
no fim).Quando o
Papa João
Paulo II,
no ano de 1984, juntamente com os bispos, realizou a consagração à Mãe de Deus,
ele ligou a consagração a Cristo por meio de Maria com a consagração que Jesus
fez de Si mesmo ao Pai por causa da nossa salvação: "Encontrando-nos hoje diante
de Vós, Mãe de Cristo, diante do vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente
com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez
de Si mesmo ao Pai: 'Eu consagro-Me por eles' - foram as Suas palavras - para
eles serem também consagrados na verdade' (Jo 17,19)" (extraído do texto da
Congregação para a Doutrina da Fé:
A Mensagem de Fátima, junho de 2000).Nesta
oração de consagração trata-se, no fundo, de uma participação, aprofundada com o
auxílio de Maria, na consagração de Jesus, o divino Redentor, a Seu Pai (Jo
17,19), para a salvação do mundo. A consagração a Maria tem, portanto, a Cristo
como o fim próprio: por ela o homem vem a ser não somente recetor das graças
redentoras de Cristo, mas, com Maria, toma parte ativa na obra redentora de
Cristo.
2. Consagrações
aos Santos Anjos
Sobre o sentido de uma consagração aos Santos Anjos
A possibilidade de uma consagração aos Santos Anjos resulta também da natureza da virtude da devotio. "A Igreja venera os Anjos" (Cat., n. 352) e recomenda esta veneração para a glorificação de Deus:
"Senhor, Pai Santo, ... é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, ... Proclamamos a Vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a Vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da Vossa incomparável grandeza sobre todas as criaturas" (Missal Romano, Prefácio dos Anjos).
São Bernardo faz ver o amor que deveríamos cultivar para com os Santos Anjos: "A teu respeito, ordenou a Seus Anjos que te guardem em todos os teus caminhos. Esta palavra, quanta reverência deve despertar em ti, aumentar a gratidão, dar confiança. Reverência pela presença, gratidão pela benevolência, confiança pela proteção. ... Sejamos-lhes fiéis, sejamos gratos a tão grandes protetores; paguemos-lhes com amor; honremo-los tanto quanto pudermos, quanto devemos. Prestemos, no entanto, todo o nosso amor e nossa honra Àquele que é tudo para nós e para eles; de quem recebemos poder amar e honrar, de quem merecemos ser amados e honrados" (Sermo 12 in Ps 90). Em tal afeto, veneração, dedicação, gratidão e firmeza expressa-se a essência de uma consagração aos Anjos, que, indo além dos Anjos, tende ao Senhor como fim.
Sobre o sentido de uma consagração aos Santos Anjos
A possibilidade de uma consagração aos Santos Anjos resulta também da natureza da virtude da devotio. "A Igreja venera os Anjos" (Cat., n. 352) e recomenda esta veneração para a glorificação de Deus:
"Senhor, Pai Santo, ... é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, ... Proclamamos a Vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a Vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da Vossa incomparável grandeza sobre todas as criaturas" (Missal Romano, Prefácio dos Anjos).
São Bernardo faz ver o amor que deveríamos cultivar para com os Santos Anjos: "A teu respeito, ordenou a Seus Anjos que te guardem em todos os teus caminhos. Esta palavra, quanta reverência deve despertar em ti, aumentar a gratidão, dar confiança. Reverência pela presença, gratidão pela benevolência, confiança pela proteção. ... Sejamos-lhes fiéis, sejamos gratos a tão grandes protetores; paguemos-lhes com amor; honremo-los tanto quanto pudermos, quanto devemos. Prestemos, no entanto, todo o nosso amor e nossa honra Àquele que é tudo para nós e para eles; de quem recebemos poder amar e honrar, de quem merecemos ser amados e honrados" (Sermo 12 in Ps 90). Em tal afeto, veneração, dedicação, gratidão e firmeza expressa-se a essência de uma consagração aos Anjos, que, indo além dos Anjos, tende ao Senhor como fim.
Sobre a história da
Consagração aos Anjos
Na Antiga
Aliança, Deus mesmo confiou o povo de Deus aos cuidados dos Santos Anjos (cf. Ex
23,20s; Dn 10,13.21; 12,1). Como Príncipe dos exércitos celestes, o Arcanjo São
Miguel foi reconhecido como protetor especial do povo de Deus (cf. Dn 10,21; Ap
12,7s).Na Igreja, a veneração ao Arcanjo São Miguel remonta até o primeiro
século. Desde os primeiros tempos também os outros Santos Anjos foram venerados.
Em breve foram-lhes dedicadas igrejas e o povo de Deus foi colocado sob a sua
proteção e patrocínio. Quando, depois do Concílio de Trento (1545-1563),
prosperaram as consagrações ao Coração de Jesus e a Maria, houve, em muitos
lugares, também consagrações aos Santos Anjos.No século XIX, esta consagração
veio a ser uma prática de devoção largamente difundida e reconhecida. Várias
associações ligaram a receção dos seus membros a tais consagrações. A Igreja
promoveu tais confrarias em honra dos Santos Anjos e reconheceu suas orações de
consagração. Na consagração aos Santos Anjos exprime-se a unidade da Igreja
peregrinante e triunfante. Santo Agostinho escreve: "Estas duas partes um dia
também serão unidas no gozo comum da eternidade, até, já estão unidas pelo laço
do amor, uma união que não tem outra finalidade a não ser o culto de Deus" (Enchiridion,
cap. XV). E no Catecismo lemos: "Ainda aqui na terra, a vida cristã participa na
fé da sociedade bem-aventurada dos Anjos e dos homens, unidos em Deus" (Cat.,
n. 336).
Relação ao Batismo e à Profissão religiosa
Como a consagração a Nossa Senhora, assim também a consagração
aos Santos Anjos é uma aliança que está fundada na consagração a Cristo no
sacramento do Batismo. No Batismo renunciamos aos anjos caídos e dizemos "sim" a
Cristo.
Este "sim" a Cristo e a união com Ele não apenas trazem consigo a
união com os outros membros humanos da Igreja, mas também a comunhão com os
Santos Anjos (cf. Hb 12,22s), já que Cristo não é apenas a Cabeça dos homens,
mas também dos Anjos (cf.
Summa Theol.
III,8,4 sc; Cl 2,10).
Vários Padres da Igreja indicam esta relação do Batismo para com
o mundo dos Santos Anjos.
São Cirilo de
Jerusalém
escreve: "Irmãos, cada um de vós [batizados] deve ser apresentado a Deus na
presença de miríades de exércitos de Anjos. O Espírito Santo assinalará as
vossas almas. Entrareis no serviço do grande Rei" (Catequ.,
III 3).
O
Papa Leão
Magno
descreve a confissão cristã e a graça da redenção por Cristo como um juramento
de bandeira, que nos constitui combatentes no exército celeste: "Assim, tu,
nascido de carne corruptível, nasces do Espírito de Deus e recebes pela graça o
que não tiveste pela natureza: assim podes chamar a Deus teu Pai. ... Ajudado
pelo auxílio do alto, procede segundo a vontade de Deus! Enquanto estiveres na
terra, toma os Anjos por modelo! Deleita-te com a força da sua natureza imortal
e combate, cheio de confiança, contra as tentações inimigas, para proteção de
uma vida agradável a Deus. E se cumpriste o teu juramento de bandeira, como
combatente no exército celeste, não há razão para duvidar que no acampamento
triunfal do eterno Rei hás de receber, por tua vitória, a coroa" (Sermo
XXII, 2).
Especialmente na tradição do Oriente cristão, essa comunhão com
os Santos Anjos é realizada mais intensamente pela profissão dos conselhos
evangélicos: "O Oriente cristão sublinha essa dimensão, ao considerar os monges
como anjos de Deus sobre a terra, que anunciam a renovação do mundo em Cristo"
(João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal
Vita
Consecrata
sobre a Vida Consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo, n. 27).
Não é somente
dentro do estado de vida consagrada que se pode notar a aspiração a uma vida em
comunhão com os Santos Anjos. "Inúmeras páginas de literatura cristã poderiam
ser aduzidas como testemunhos esplêndidos e fidedignos deste anseio pela cidade
dos Anjos, por aquela 'cidade celeste, grande e ampla', cujos cidadãos 'gozam da
visão de Deus', já que o próprio Deus é o espetáculo sempre novo, que os
bem-aventurados contemplam" (Garcia Colombás,
Paraíso y Vida
Angélica,
Montserrat 1958, p. 88; cf. Agostinho,
In Psalm
147,4).
Sobre a essência de
uma Consagração aos Santos Anjos
A consagração
aos Santos Anjos é uma aliança.
Aquela comunhão com os Santos Anjos que é realizada implicitamente no Batismo, é
confirmada pela consagração, de modo consciente e explícito.O homem confia-se,
em amor fraterno, aos Santos Anjos quais irmãos inteiramente santos, já
definitivamente unidos a Deus, e cosservos diante de Deus (cf. Ap 19,10; 22,9).
Com isso abre-se voluntariamente à sua ação auxiliadora. Ao mesmo tempo, o homem
compromete-se a ouvir e obedecer suas advertências (cf. Ex 23,21), que sempre
têm como fim a glorificação de Deus e o cumprimento da Sua vontade. Ele aspira a
uma íntima colaboração com eles, para a extensão e defesa do Reino de Deus na
terra, e a uma vida o quanto possível perfeita como membro vivo da Santa
Igreja.Uma consagração aos Santos Anjos leva a sério a sua missão salvífica para
com os homens, como servos de Cristo (cf. Cat., n. 331). Ela significa uma
ligação voluntária aos Santos Anjos, para, com seu auxílio e imitando-lhes as
virtudes, aspirar à perfeição que corresponde ao próprio estado, e, em comunhão
com eles, cooperar na missão apostólica da Igreja para a salvação das almas.Pela
consagração a Maria o homem realiza todas as ações por, com e em Maria, para
realizá-las mais perfeitamente com e em Cristo. Algo semelhante pode valer
também para a consagração aos Anjos: o homem aspira a fazer tudo o possível,
como e com os Santos Anjos, para ser unido mais perfeitamente com Cristo e ser
transformado n’Ele.