O coração paternal de São José , PATRONO DA IGREJA

O coração paternal de São José
"Apareceu-lhe, em sonho, um Anjo do Senhor, que lhe disse: "José, filho de David, não temas receber contigo Maria tua esposa, pois o que n'Ela se gerou é obra do Espírito Santo"" (Mt. 1,20).
Nestas palavras está contido o núcleo da verdade bíblica sobre São José. É o momento da sua existência a que se referem em particular os escritos cristãos dos primeiros séculos. Os Padres da Igreja, inspirando-se no Evangelho, puseram em relevo que São José, assim com o cuidou amorosamente de Maria e se dedicou com empenho ao desenvolvimento de Jesus Cristo (cf. St. Irineu, Adversus Haereses, IV, 23, 1: S. Cb. 100/72, pp. 692-694), assim também guarda e protege o Seu Corpo Místico, a Igreja, da qual a Virgem Santíssima é figura e modelo.
Cabe a pergunta: como seria o coração deste homem singular, escolhido pelo Eterno Pai para desempenhar tão singular missão na plenitude dos tempos? O Evangelho define-o numa simples palavra: José, que era um homem justo (Mt. 1,19).

A SUA VIDA INTERIOR
É notável o silêncio que o envolve, pois não possuímos directamente uma única palavra sua. Contudo este clima de silêncio revela-nos claramente a sua riqueza interior. Os Evangelhos falam exclusivamente daquilo que José "fez"; no entanto, permite-nos auscultar nas suas acções, envolvidas pelo silêncio, um clima de profunda contemplação. José está quotidianamente em contacto com o "Mistério escondido desde todos os séculos" (Ef. 3,9), que "estabeleceu a Sua morada" sob o tecto da sua casa.
Por estar tão directamente relacionado com o Verbo, não é de estranhar que ele seja uma das figuras do Novo Testamento que mais aparece na atitude de escuta e obediência à voz de Deus, vinda particularmente através do Santo Anjo (cf. Mt. 1,18-21; 2,13-14.19-22). Bem cumpriu as palavras da Escritura: "Eis que envio um Anjo diante de ti. Respeita a sua presença e ouve a sua voz: não lhe sejas rebelde!" (Ex. 23,20-21).
A resposta radical que deu frente às exigências da vida do Messias mostra a sua insondável vida interior; dela lhe decorreu a força para as grandes decisões, como a de colocar imediatamente à disposição dos desígnios divinos a sua liberdade, a sua legítima vocação humana e a felicidade conjugal, aceitando a condição, a responsabilidade e o peso da família, e renunciando, por incomparável amor virginal, ao amor conjugal que constitui e alimenta a mesma família" (Paulo VI, Alocução de 10/3/69: Insegnamento, VII [1969], p. 1267).
A comunhão de vida entre José e Jesus leva-nos a considerar o mistério da Encarnação sob o aspecto da humanidade de Cristo, instrumento eficaz da Divindade para a santificação dos homens. O Amor Divino que Cristo irradiou através da Sua humanidade sobre todos os homens certamente favoreceu, em primeiro lugar, aqueles que a vontade divina tinha posto na Sua maior intimidade: Maria, Sua Mãe, e José, Seu pai adoptivo (cf. Pio XII, Carta Enc. Haurietis Aquas [15/5/56], III: AAS 48 [1956], pp. 329-330).
Uma vez que o amor paterno de José não podia deixar de influir sobre o amor "filial" de Jesus e, reciprocamente o amor "filial" de Jesus não podia deixar de influir sobre o amor paterno de José, como chegar a conhecer as profundezas desta singularíssima relação? (Cf. Exort. Apost. Redemptoris Custos [15/8/89], n. 25-27).

O ESPOSO
Toda a vida da Virgem Maria foi o cumprimento até às últimas consequências daquele "Faça-se em Mim segundo a tua palavra" (Lc. 1,38), pronunciado na Anunciação. S. José não proferiu palavra alguma quando da sua "anunciação" mas "fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara" (Mt. 1,24). E este primeiro "FEZ" tornou-se o princípio da "caminhada de José".
O homem "justo" (cf. Mt. 1,19) de Nazaré possui as características bem nítidas do esposo.
Segundo o costume hebraico o matrimónio tinha duas fases: o matrimónio legal (verdadeiro matrimónio) e só depois, passado certo período, é que o esposo introduzia a esposa na própria casa. Portanto, antes de viver junto com Maria, já José era o seu "esposo".
Maria conservava no Seu íntimo o desejo de fazer o dom total de si mesma exclusivamente a Deus, e viu na Maternidade Divina anunciada pelo Anjo (cf. Lc. 1,26-38) a consumação desse desejo. O facto d'Ela ser "noiva dum homem chamado José, da casa de David" (Lc. 1,27) está dentro do mesmo desígnio de Deus.
O Anjo dirigiu-se a ele na qualidade de esposo da Virgem de Nazaré: "Não temas receber contigo Maria, tua esposa, pois o que n'Ela se gerou é obra do Espírito Santo" (Mt. 1,20). Isto é uma confirmação especial do vínculo esponsal que tinha acontecido anteriormente, e que deveria ser conservado.
"José fez como lhe ordenara o Anjo do Senhor e recebeu sua esposa" (Mt. 1,24); "O que se gerou n'Ela é obra do Espírito Santo" (Mt. 1,20). À vista de tais, expressões não se imporá concluir que também o seu amor de homem tinha sido regenerado pelo Espírito Santo? Não se deverá pensar que o Amor de Deus, que foi derramado no coração humano pelo Espírito Santo (cf. Rom. 5,5), forma do modo mais perfeito todo o amor humano? Este Amor de Deus forma também o amor esponsal dos cônjuges, aprofundando nele tudo o que tem de humanamente digno e belo e as características da exclusiva entrega, da aliança das pessoas e da comunhão autêntica, a exemplo do Mistério Trinitário.
"José... recebeu consigo a sua esposa, a qual, sem que ele a conhecesse, deu à luz um Filho" (Mt. 1,24-25). Estas palavras indicam ainda outra proximidade esponsal. A profundeza desta proximidade, a intensidade espiritual da união e do contacto entre pessoas - do homem e da mulher - provém, em última análise, do Espírito que dá vida (cf. Jo. 6,63). José, obediente ao Espírito, encontra precisamente n'Ele a fonte do amor, do seu amor esponsal de homem; e este Amor foi maior do que aquele 'homem justo' poderia esperar, segundo a medida do próprio coração humano.
Na Liturgia, Maria é celebrada como tendo estado "unida a José, homem justo, por um vinculo de amor esponsal e virginal" (Cf. Collectio Missarum de Beata Maria Virgine, 1, "Sancta Maria de Nazareth", Praefatio). Trata-se, de facto, de dois amores que, conjuntamente, representam o mistério da Igreja, virgem e esposa, a qual tem no matrimónio de Maria e José o seu símbolo. "A virgindade e o celibato por amor do Reino de Deus não só não se contrapõem à dignidade do matrimónio, mas pressupõem-na e confirmam-na. O matrimónio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver o único Mistério da Aliança de Deus com o seu povo" (Exort. Apost. Familiaris Consortio [22/11/81], nº 16: AAS 74 [1982], p. 98), que é comunhão de amor entre Deus e os homens.
Mediante o sacrifício total de si próprio, José exprime o seu amor generoso para com a Mãe de Deus, fazendo-Lhe "dom esponsal de si". Por ordem expressa do Anjo manteve-A consigo e respeitou a Sua pertença exclusiva de Deus. For outro lado, foi do matrimónio verdadeiro com Maria que advieram para José a sua dignidade singular e os seus direitos em relação a Jesus. (Cf. Exort. Apost. Redemptoris Custos [15/8/89], nº 17-20).

O SERVIÇO DA PATERNIDADE
"Disse-lhe o Anjo: "Ela dará à luz um Filho, a Quem porás o nome de Jesus. porque Ele salvará o Seu povo dos seus pecados" (Mt. 1,21). O Anjo, ao ordenar que fosse ele a dar o nome ao Filho de Maria, sua esposa, confirma a sua autoridade de pai legal sobre o Menino. A própria Virgem reconhece-a quando diz no encontro no Templo: "Eis que Teu pai e eu andávamos angustiados à Tua procura" (Lc. 2,48).
Por isto podemos concluir que São José foi chamado por Deus para servir directamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da sua paternidade. Esta expressou-se concretamente "em ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da Encarnação e à missão redentora com Ele inseparavelmente ligada; em ter usado da autoridade legal. que lhe competia, em relação à Sagrada Família, para Lhe fazer o dom total de si mesmo, da sua vida e do seu trabalho; e em ter convertido a sua vocação humana ao amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias nascido na sua casa" (Paulo VI, Alocução [19/3/66]: Insegnamenti, IV [1966], p. 110).
Corno não se pode conceber que a uma tarefa tão sublime não correspondessem as qualidades requeridas para a desempenhar adequadamente, importa reconhecer que José teve em relação a Jesus, "por especial dom do Céu, todo o amor natural e toda a solicitude afectuosa que o coração de um pai pode experimentar" (Pio XII, Rádio-mensagem aos estudantes das escolas católicas dos U.S.A. [19/2/58]: AAS 50 [1958], p. 174).
Com a autoridade paterna sobre Jesus, Deus terá comunicado também a José o amor correspondente, aquele amor que tem a sua fonte no Pai "do Qual toda a paternidade, nos céus e na terra, toma o nome" (Ef. 3,15).
Nos Evangelhos acha-se claramente exposto o múnus paterno de José para com Jesus: o recenseamento (cf. Lc. 2,1-5); o nascimento de Jesus em Belém (cf. Lc. 2,6-8); a circuncisão (cf. Lc. 2,21); a imposição do nome (cf. Mt. 1,21); a apresentação de Jesus no Templo (cf. Lc. 2,22ss); a fuga e a volta do Egipto (cf. Mt. 2, 13-15.19-21).
O Evangelho da infância de Jesus termina do seguinte modo: "Jesus desceu com eles, veio para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe, porém, guardava todas estas coisas no Seu coração. Entretanto, Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens' (Lc. 2,51-52). Isto deu-se no âmbito da Sagrada Família, sob o olhar de São José, que tinha a alta função de O "criar"; ou seja, alimentar, vestir e instruir Jesus na Lei e num ofício, em conformidade com os deveres estabelecidos para o pai.
Por Sua parte, Jesus "era-lhes submisso" (Lc. 2,51), correspondendo com respeito às atenções dos seus pais. Dessa forma quis santificar os deveres da família e do trabalho, que Ele próprio executava ao lado de José (Cf. Exort. Apost. Redemptoris Custos [15/08/89], nº 7-16).

PATRONO DA IGREJA
Em tempos difíceis para a Igreja, Pio IX, desejando confiá-la à especial protecção do Santo Patriarca José, declarou-o "Patrono da Igreja Católica" (cf. Sacros. Rituum Congreg., Decr. Quemadmodum Deus [08/12/1870]: 1.c., p. 283).
Quais são os motivos desta grande confiança? O Papa Leão XIII expõe-nos assim: "As razões pelas quais o Bem-aventurado José há-de ser considerado especial Patrono da Igreja Católica, e esta, por sua vez, deve esperar muitíssimo da sua protecção e do seu patrocínio, provêm principalmente do facto de ele ser esposo de Maria e pai adoptivo de Jesus (...). José foi legítimo e natural guardião, chefe e defensor da divina Família (...).
É algo conveniente e sumamente digno para o Bem-aventurado José, portanto, que, de modo análogo àquele com que outrora costumava socorrer santamente, em todo e qualquer acontecimento, a Família de Nazaré, também agora cubra e defenda com o seu celeste patrocínio a Igreja de Cristo" (Ibid., l.c., p. 282-283); (Cf. Exort. Apost. Redemptoris Custos [15/08/89] nº 28-32).
As Famílias Cristãs podem confiar no seu auxílio, pois, graças ao seu heroísmo em vencer todas as provações da vida doméstica, conquistou tais méritos junto de Deus, que a todos pode socorrer.
- Na dúvida da infidelidade conjugal (cf. Mt. 1,18-25). S. José, vencendo esta prova com a integridade do seu coração, renunciando a todo e qualquer juízo condenatório para com Maria, e a fazer justiça com as suas próprias mãos, valendo-se das prescrições da Lei, santifica a pureza conjugal, bem como as fases críticas em que o amor dos esposos pode entrar em crise.
- Ao dar o nome de Jesus (cf. Lc. 2,21), ao apresentá-l'O no Templo, conforme a Lei (cf. Lc. 2,22-35), ao levá-l'O à peregrinação anual a Jerusalém pela festa da Páscoa (cf. Lc. 2,41-42), São José conquistou para as famílias cristãs todas as graças necessárias para poderem viver segundo a vontade de Deus e Seus preceitos.
- Na fuga para o Egipto (cf. Mt. 2,13-15) e regresso a Israel (cf. Mt. 2,19-23), São José santifica e consagra todas as vicissitudes materiais porque possam passar as famílias.
- No seu silêncio profundo perante a perda de Jesus aos 12 anos (cf. Lc. 2,41-50) São José atraiu aos lares cristãos todas as graças para que sejam vencidas todas as tensões que possam surgir no relacionamento entre pais e filhos.


ORAÇÃO FINAL
Que São José se torne para todos mestre singular no serviço da missão salvífica de Cristo, que, na Igreja, compete a cada um e a todos: esposos e pais, os que vivem do trabalho das próprias mãos e de todo e qualquer outro trabalho, as pessoas chamadas à vida contemplativa e às que foram vocacionadas para o apostolado.

"Preservai-nos, ó pai amantíssimo de todo o contágio do erro e corrupção... Assisti-nos do alto do céu, nesta luta contra o poder das trevas... Assim como outrora livrastes Jesus Menino do perigo da morte, assim agora defendei a santa Igreja de Deus das insídias dos seus inimigos e de todas as adversidades" (Cf. Leão XIII, Oratio ad Sanctum Josephum, Carta En. Quamquam pluries [15/08/1889]). Amém.