Beata Anna Catharina Emmerich, A Ascensão de JESUS e a Vinda do Divino Espírito Santo.


Beata Anna Catharina Emmerich

A Ascensão  de JESUS e a

Vinda do Divino Espírito Santo.
O Senhor despede-se dos seus.

            Na véspera da ascensão veio Jesus, com cinco discípulos à casa de Lázaro, em Betânia, onde se encontraram com Maria e as outras santas mulheres. Muito povo se reuniu em redor da casa, para ver mais uma vez Jesus e despedir-se dEle. O Divino Mestre apareceu à gente de fora, benzeu e distribuiu-lhes muitos pãezinhos; depois se afastaram.
         Na casa tomou Jesus, em pé, um refresco com os discípulos, que choravam amargamente, porque ia deixá-los. Ele, porém, disse: “Por quê chorais, queridos irmãos?Vede esta mulher, que não chora”. Dizendo-o, apontou para a Mãe Santíssima.
         Jesus despediu-se mais intimamente de Lázaro. Deu-lhe do pão bento a comer, abençoou-o e apertou-lhe a mão.
         Depois se encaminharam todos, com exceção de Lázaro, que morava escondido em casa, para Jerusalém, onde Nicodemos e José de Arimatéia prepararam uma refeição.

         “Vi Jesus, com os Apóstolos, andando por vários caminhos, em redor do Monte das Oliveiras; os outros grupos O seguiam. Às vezes parava Jesus, para lhes explicar alguma coisa. Todos estavam em grande angústia, alguns choravam; outros estavam muito abatidos. Vi um deles pensando: “Quando Ele for embora, quem será o mestre? E como se cumprirá tudo o que foi prometido a respeito do Messias?”
         Pedro e João parecia-me mais calmos e compreendendo tudo melhor. Muitas vezes faziam perguntas ao Senhor e Ele parava, explicando-lhes muitas coisas. Assim andaram até à noite. O Senhor parava freqüentemente, estava muito sério, ao ensinar-lhes, às vezes desaparecia repentinamente. Então ficavam muito assustados, mas de repente lhes voltava de novo. Era como se quisesse prepará-los para a próxima separação. Vi-os andando por belas campinas, por caminhos agradáveis e debaixo de árvores. O sol brilhava lindamente à tarde.

         Quando Jesus e os Apóstolos se aproximaram da casa do banquete, já o sol se tinha posto. Maria, Nicodemos e José de Arimatéia vieram-Lhe ao encontro em frente à casa. Jesus entrou ao lado de sua Mãe. As outras mulheres vieram mais tarde. Depois de lhes haver dito algumas palavras e de terem chegado os outros discípulos, Jesus entrou na grande sala do banquete. Benzeu o peixe, o pão e as verduras e ofereceu a todos; cada um recebeu um bocado.
         Durante o banquete, Jesus não deixou de ensinar-lhes, com palavras muito sérias. Vi as palavras saírem-lhe da boca como raios de luz e entrarem na boca dos Apóstolos, num mais depressa, noutro mais vagarosamente, conforme o grau de desejo ou sede de doutrina de Jesus.

         No fim da refeição Jesus benzeu também um cálice de vinho, bebeu e ofereceu-o aos outros e todos beberam. Mas não foi o Santíssimo Sacramento.
         Depois dos discípulos se terem levantado do ágape (refeição), reuniram-se os outros, que comeram nas salas laterais, debaixo das árvores, em frente à grande sala; vi Jesus aproximar-se-lhes, ensinar-lhes por muito tempo e abençoá-los; depois se afastaram.

         Vi então as outras mulheres, que nesse meio tempo tinham chegado, entrarem no jardim, debaixo das árvores. A Santíssima Virgem estava com elas. Jesus aproximou-se-lhes e deu a mão a sua Mãe. Falou-lhes muito sério. Todas estavam muito comovidas e senti que Madalena desejava veemente abraçar os pés do Senhor. Tendo-lhes falado assim por algum tempo e depois de as haver abençoado, deixou-as Jesus. Choraram muito, mas silenciosamente, abafando a dor; a Santíssima Virgem, porém, não a vi chorar, nessa ocasião.

         Ao aproximar-se a meia noite, saiu Jesus com os Apóstolos, tomando o caminho pelo qual viera à cidade no domingo de Ramos. Maria seguiu depois dos Apóstolos e após ela, um grupo de discípulos. Muita gente se lhes aproximou no caminho e o Senhor falou-lhes.
         “Em companhia dos onze apóstolos, cerca de trinta discípulos, a Santíssima Virgem e algumas mulheres, dirigiram-se ao Cenáculo.

         Só Jesus, os onze e Maria penetraram na sala interior; os discípulos entraram nas salas laterais, onde havia bancos de dormir, não sei se dormiram ou rezaram. As companheiras de Maria ficaram no vestíbulo. Foi preparada a mesa da última Ceia e aceso o candeeiro. Havia na mesa apenas um pão ázimo e um pequeno cálice. Os Apóstolos revestiram-se das vestes de cerimônia e Pedro pôs a veste própria de sua dignidade. A Santíssima Virgem sentou-se em frente ao Senhor. Vi Jesus fazer o mesmo que fizera na última ceia: marcar o pão, oferecê-lo a Deus, partir, benzer e dá-lo aos discípulos; depois beberam também do cálice, sem que o enchessem de novo. Vi o Santíssimo Sacramento brilhando, ao pronunciar Jesus as palavras, penetrar como um pequeno corpo luminoso na boca dos Apóstolos. Na consagração do cálice, se lhe derramou a palavra sacramental no cálice como um rubro fulgor de sangue. Madalena, Marta e Maria Cleofé já tinham recebido o SS. Sacramento nos últimos dias.

         No começo da noite fizeram a oração e cantaram com mais solenidade do que comumente, à luz do candeeiro. Jesus deu mais uma vez a Pedro poder sobre os outros. Impôs-lhe mais uma vez o manto, repetindo o que dissera, ao aparecer-lhes na praia do lago Tibérias e no cume da montanha. Ensinou ainda sobre o batismo e a bênção da água. – durante a oração e a doutrina, já pela manhã, vi ainda cerca de dezessete discípulos, dos mais íntimos de Jesus, atrás da SS. Virgem, na sala do Cenáculo.

         Antes de saírem de casa, o Senhor apresentou-lhes a Santíssima Virgem como centro e intercessora dos fiéis. Pedro e os outros inclinaram-se diante dela; Maria, porém, abençoou-os.
         No momento em que isso se deu, vi Maria revestida, de um modo sobrenatural, de um grande manto, de cor azul celeste, colocada sobre um trono, tendo na cabeça uma coroa. Era um símbolo de sua dignidade”.


            Jesus sobe ao céu


            Ao amanhecer do dia, saiu o Senhor do Cenáculo, conduzindo os onze Apóstolos pelas ruas de Jerusalém, por todo o caminho da Paixão. Seguiram-nos Maria e um grupo de discípulos. Onde se dera uma cena da Paixão, demorava-se alguns momentos, explicando-lhes a significação do lugar ou um trecho dos profetas referente a isso. Onde, porém, os judeus tinham obstruído o lugar, para impedir a veneração dos fieis, mandou Jesus tirar esses obstáculos.

         Assim saíram da cidade e vieram a um jardim ou lugar de oração, onde se sentaram à sombra das árvores e Jesus ensinou e consolou-os. Como no entanto começava a amanhecer, tornaram-se-lhes os corações um pouco mais alegres, na esperança de que Jesus ainda ficasse com eles.

         Aproximaram-se então muitas turbas de povo. Jesus continuou o caminho para o monte Calvário e dali para o Monte das Oliveiras, onde se sentou novamente num jardim, falando ainda muito tempo com os discípulos, como para terminar a sua obra.

         Já estava reunida numerosa multidão em redor de Jesus e por toda a redondeza; em Jerusalém correu o boato do grande concurso de povo no Monte das Oliveiras, ao qual se juntaram novos grupos da cidade.
         Então se dirigiu o divino Salvador do Horto de Getsêmani e subiu o Monte das Oliveiras.
         “A multidão caminhava como em procissão, subindo o monte pelos diversos caminhos, de todos os lados e muitos grupos passavam pelas moitas, pelas sebes e cercas.

         O Senhor, porém, tornava-se cada vez mais resplandecente e ligeiro. Os discípulos seguiam-no, mas não mais podiam alcançá-Lo. Tendo o Senhor chegado ao cume do monte, brilhava como a luz branca do sol. Do céu, porém, desceu sobre Ele um circulo luminoso, que brilhava com todas as cores do arco-íris. Todos os que O seguiram, ficaram parados, em vasto círculo, como que ofuscados. O Senhor brilhava ainda mais do que o esplendor que o cercava. Pousando a mão esquerda sobre o peito, abençoou com a direita elevada todo o mundo, virando-se para todos os lados. A multidão ficou imóvel, vi que todos foram abençoados. Jesus não abençoava como os rabinos, com a mão aberta para a frente, mas como os bispos cristãos. Senti com grande felicidade esse benção sobre todo o mundo.

         Então se lhe uniu o próprio esplendor à luz do alto e notei que se tornava invisível, a partir da cabeça, dissolvendo-se-lhe a figura na luz celeste e desaparecia como que subindo. Era como se um sol entrasse no outro ou como uma chama entrando numa luz ou uma centelha numa chama. Era como se se fitasse o sol radioso do meio-dia e ainda mais branco e claro; o pleno dia parecia escuro, em comparação com aquela luz. Quando já não se Lhe via mais a cabeça, ainda se podia distinguir-Lhe os pés resplandecentes, até que desapareceu inteiramente, no esplendor do céu. Inúmeras almas vieram de todos os lados, entrando nessa luz e desapareceram no céu com o Senhor. Não posso dizer que O vi tornar-se cada vez mais pequeno, como algo que voa no ar; mas vi-O desaparecer numa nuvem de luz.

         Ao aparecer a nuvem luminosa, caiu, por assim dizer, um orvalho de luz sobre todos e não podendo mais suportar essa luz, ficaram todos cheios de espanto e admiração. Os Apóstolos e discípulos achavam-se mais perto de Jesus; estavam em parte deslumbrados e olhavam para baixo; muitos se prostraram por terra. A santíssima Virgem estava logo atrás dos Apóstolos, olhando tranqüilamente para a frente.

         Após alguns momentos, quando o esplendor diminuiu um pouco, toda a assembléia, no maior silêncio e nas mais intensas emoções da alma, olhou para a luz do alto, que ainda ficou por algum tempo. Nessa luz vi descer duas figuras, no começo pequenas, crescendo cada vez mais e aparecer, com vestes longas e brancas e um bastão na mão, como profetas, falando à multidão; as vozes soavam alto e forte, como a de trombetas e parecia-me que as deviam ouvir em Jerusalém. Não se movimentam, mas estavam inteiramente imóveis, ao dizer as poucas palavras: “Homens da Galiléia, que estais aí olhando para o céu? Esse Jesus que acaba de vos ser arrebatado, para subir ao céu, voltará como o vistes subir ao céu”. Tendo dito essas palavras, desaparecerem.

         O esplendor, porém, ficou ainda por algum tempo, até que afinal se desfez, como do dia se passa à noite. Os discípulos estavam fora de si, sabiam agora o que lhes tinha sucedido: O Senhor tinha ido embora para o Pai Celestial. Muitos caíram por terra de dor e atordoamento. Enquanto desaparecia o esplendor, recobraram ânimo e ergueram-se, cercados pelos outros. Muitos formaram grupos, as mulheres aproximaram-se também e assim se demoraram ainda, olhando para o céu, pensando e falando sobre o sucedido; depois voltaram os discípulos a Jerusalém, seguidos pelas mulheres. Alguns dos mais simples choravam como crianças, outros se conservavam recolhidos e pensativos. A Santíssima Virgem, Pedro e João estavam muito tranqüilos e consolados. Vi, porém, também muitos outros que não estavam comovidos, mas descrentes e duvidosos e que apartaram dos outros e se afastaram; pouco a pouco se dispersou toda a multidão.

         No lugar onde Jesus subiu ao céu, havia uma grande laje, sobre a qual o Divino Mestre estava ensinado ainda, antes de dar a bênção e desaparecer nas nuvens luminosa. As pegadas do Senhor ficaram impressas na pedra e numa outra se imprimiu uma das mãos da Santíssima Virgem.

         Meio dia já tinha passado, quando toda a multidão acabou de dispersar-se. Os discípulos e a Santíssima Virgem dirigiram-se ao Cenáculo. Sentindo a princípio a separação de Jesus, estavam inquietos e julgavam-se abandonados. Quando, porém, se acharam reunidos no Cenáculo, encheram-se todos de consolação, principalmente pela presença calma da Santíssima Virgem no meio deles e, confiando inteiramente na palavra de Jesus, de que Maria lhes seria o centro, a Mãe e intercessora, recuperaram a paz de coração.
        

            Preparação dos Apóstolos e discípulos para a vinda do Espírito Santo


            Os dez dias entre a ascensão do Senhor e a vinda do Espírito Santo passaram-nos os Apóstolos reunidos com a Santíssima Virgem, no Cenáculo. Reuniram-se freqüentemente para a oração, na sala da última Ceia, em que observavam uma ordem mais rigorosa do que o grande número de discípulos e fiéis, também presentes. Demais viviam muito recolhidos, tremendo também a perseguição dos Judeus.

         Um dia Pedro, estando no meio dos Apóstolos, vestido da vestidura episcopal, propôs a eleição de um Apóstolo em lugar de Judas, indicando a José Bársabas e Matias para esse fim. Ambos nunca tinham pensando nisso, nem desejado tal dignidade, enquanto muitos dos discípulos que assistiram à eleição, desejavam ser Apóstolos.

         Matias, apesar de mais delicado e fraco, por possuir maior fortaleza da alma foi preferido por Deus a Bársabas, que era jovem, na flor da idade. Como a piedosa Emmerich relata em poucas palavras apenas esse acontecimento importante, damos a seguir aqui a bela narração dos Atos dos Apóstolos de S. Lucas (1, 15-26):
         Naqueles dias, levantando-se Pedro no meio dos Irmãos (e montava a multidão dos que ali se achavam juntos, a quase cento e vinte pessoas), disse: Irmãos, é necessário que se cumpra a Escritura, em que o Espírito Santo predisse, pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o condutor daqueles que prenderam Jesus; e o qual estava entre nós alistado no mesmo número e a quem coube parte deste ministério. E este possui de fato um campo do preço da iniqüidade; e depois de se enforcar, arrebentou pelo meio e todas as entranhas se lhe derramaram na terra. E tão notório se fez a todos os habitantes de Jerusalém este fato, que se ficou chamando aquele campo, na língua deles, Hacéldama, isto é, campo de sangue. Porque escrito está no livro dos Salmos: Fique deserta a habitação dele e não haja quem nela habite e receba-lhe outro o seu cargo. Convém, pois, que destes homens, que têm estado juntos na nossa companhia, todo o tempo em que viveu entre nós o Senhor Jesus, começando desde o batismo de João, até o dia em que foi arrebatado ao céu, que um dos tais seja testemunha conosco da ressurreição.
         E propuseram dois: José, que era chamado Bársabas, o qual tinha por sobrenome o Justo e Matias. E orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces os corações de todos, mostra-nos destes dois a quem escolheste, para que tome o lugar deste ministério e apostolado, do qual pela prevaricação decaiu Judas, para ir ocupar-lhe o lugar. E a respeito lançaram sortes e caiu a sorte sobre Matias, que foi contado no número dos Apóstolos.

           

A vinda do Divino Espírito Santo.


            Para a santa festa de Pentecostes enfeitaram a sala da última Ceia festivamente, com árvores, grinaldas e flores. Nas vésperas da festa, Pedro benzeu dois pães ázimos, partiu e distribuiu-os aos Apóstolos e à Santíssima Virgem. A cidade, porém, chegaram muitos peregrinos para a festa de Pentecostes, estrangeiros de variadíssimos trajes e costumes estranhos.

         Os Apóstolos e discípulos passaram a noite antes de Pentecostes, junto com Maria e as santas mulheres, na sala da última ceia, em oração e silenciosa meditação, preparando-se para a vinda do Espírito Santo. Estavam reunidas ao todo mais de cento e vinte pessoas. Todos desejavam ardentemente a vinda do Consolador prometido, que os encheria, segundo a promessa de Jesus, de força celeste. A piedosa serva de Deus descreve esse importante acontecimento com palavras intuitivas:

         “Percebi, depois de meia-noite, uma maravilhosa intensidade e um movimento misterioso e benfazejo na natureza inteira, que se comunicava a todos os presentes. Pareceu-me também que, pela abertura no teto da sala, se podia ver o céu tornar-se mais claro. Os Apóstolos tinham-se retirado em silêncio do meio da sala para junto das paredes, ficando perto das colunas; por entre eles vi os discípulos nos pórticos laterais, olhando pelas paredes abertas para dentro da sala. Pedro estava diante da cortina atrás da qual se guardava o Santíssimo Sacramento; a Santíssima Virgem, porém, estava na sala, diante da porta do vestíbulo, no qual se achavam as santas mulheres.

         Estando assim todos silenciosos, cheios de veemente desejo, com os braços cruzados sobre o peito, olhos baixos, propagou-se-lhe a calma e o silêncio por toda a casa. Os discípulos, nos átrios laterais, se dirigiram todos aos respectivos lugares e após alguns momentos, reinava o maior silêncio em todo o redor da casa.

         Pela manhã vi sobre o Monte das Oliveiras, onde Nosso Senhor subira ao céu, se aproximar uma nuvem luminosa, resplandecente, prateada, vindo do céu, em direção à casa dos Apóstolos, em Sião. Vi-a primeiro, a grande distância, como um globo, cujo movimento acompanhava uma doce e ardente brisa. Ao aproximar-se, aparecia cada vez maior a nuvem luminosa, passando como um nevoeiro brilhante sobre a cidade, até que parou sobre Sião e a casa da última Ceia, concentrando-se cada vez mais e tomando-se cada vez mais clara e transparente como um sol brilhante; finalmente desceu, com crescente sussurro, como uma nuvem de trovoada muito baixa. Muitos judeus, que ouviram o bramido e viram a nuvem, correram assustados ao Templo. Toda essa cena tinha alguma semelhança com uma trovoada que se aproxima rapidamente, mas em vez de trovão, ouvia-se o zunido, que se sentia, porém, como uma brisa cálida e profundamente reconfortante.

         Quando a nuvem luminosa pairava muito baixa sobre o Cenáculo e, a par do crescente ruído, se tornava cada vez mais brilhante, vi também a casa e os arredores banhados numa luz intensa, mas os Apóstolos, discípulos e mulheres, cada vez mais silenciosos e ardentes.

         Eram cerca de três horas da manhã, antes do nascer do sol, quando vi de repente saírem das nuvem, sussurrante, torrentes de luz branca, que se cruzavam sete vezes e ao cruzarem, se dissolviam em raios e gotas ígneas, que caíram sobre a casa e arredores. O ponto em que as sete torrentes de luz se cruzaram, era cercado como de um arco-íris, onde vi formar-se uma figura luminosa e pairar sobre a casa; parecia-me que essa figura tinha asas estendidas sob os ombros; mas não posso dizer com certeza se eram asas, pois tudo parecia emanação de luz. Nesse momento, porém, toda a casa estava cheia de luz em redor. Não vi mais a luz do candelabro de cinco braços. As pessoas reunidas estavam todas como pasmas e extasiadas; levantaram inconscientemente os rostos; com desejo ardente e vi derramar-se na boca de todos uma torrente de luz, como pequenas línguas de fogo em chamas. Era como se respirassem e recebessem ardentemente esse fogo e como se algo de sua boca, em ardente desejo, fosse ao encontro dessas chamas. O santo fogo derramou-se também sobre os discípulos e as mulheres, no vestíbulo e desta forma se dissolveu a nuvem luminosa gradualmente, como uma nuvem que derrama chuva de luz. As línguas de fogo vieram sobre todos, mas com intensidade e cores diferentes.

         O estrondo semelhante a uma trovoada acordou muitos homens. O Espírito comoveu muitos fiéis e discípulos que moravam nos arredores.

         Depois de acabada a efusão do Espírito, nasceu alegre coragem em toda a assembléia. Todos estavam comovidos e como embriagados de alegria e confiança.Rodeavam a Santíssima Virgem, única que permanecia toda tranqüila e calma, em seu habitual recolhimento e santo silêncio, apesar de feliz e confortada. Os Apóstolos, porém, abraçavam-se uns aos outros, penetrados de uma jubilosa audácia de falar. Era como se clamassem uns aos outros: Em que estado estávamos? Que foi feito de nós? – Também as santas mulheres abraçavam umas as outras; todos os discípulos, nos corredores, estavam do mesmo modo comovidos. Os Apóstolos correram para eles e em todos havia, por assim dizer, nova vida, cheia de alegria, confiança e coragem.

         Esse transporte de iluminação do coração e de conforto terminou em uma ação de graças. Reuniram-se em oração, dando graças a Deus, com profunda comoção. No entanto desapareceu gradualmente a luz. Pedro fez então um discurso aos discípulos e enviou alguns para os acampamentos de peregrinos bem-intencionados, vindos para a festa de Pentecostes.

         Havia, porém, entre o Cenáculo e a piscina de Betesda diversos barracões e dormitórios abertos, onde os forasteiros que vinham para a festa, dormiam e guardavam os animais. Estavam ali muitos dormindo; outros estavam acordados e receberam também a graça do Espírito Santo; pois passara uma emoção geral pela natureza. Muitos homens bons receberam iluminação e a graça da conversão; os maus, porém, ficaram tímidos, medrosos e ainda mais endurecidos. – A maior parte dessa gente, que estava acampada naqueles arredores, onde se reunira a nascente comunidade, estava já ali desde a Páscoa, porque, pela distância de sua terra, não valia a pena fazer a viagem de ida e volta entre a Páscoa e Pentecostes. Esses, pois, por tudo que ouviram e viram, se tornaram mais familiares e amigos dos discípulos do que os outros. Quando os discípulos enviados por Pedro os procuraram e lhes anunciaram o cumprimento da promissão do Espírito Santo, tornaram-se de diversos modos conscientes de sua própria conversão e, obedecendo à palavra dos discípulos, reuniram-se todos em redor da piscina de Betesda, que ficava próxima.

         No entanto Pedro no Cenáculo impôs as mãos a cinco Apóstolos, que deviam ajudar a ensinar a batizar na piscina de Betesda. Se me lembro bem, foram esses Tiago o Menor, Bartolomeu, Matias, Tomé e Judas Tadeu. Vi nessa ordenação, que o último tinha uma visão: foi como se o visse abraçar o corpo de Nosso Senhor.

         Antes de Irem à piscina de Betesda, para benzer a água e batizar, vi-os ainda receber a benção da SS. Virgem, ajoelhados diante dela; antes da ascensão de Jesus a recebiam em pé. Vi os Apóstolos receberem essa bênção sempre, nos dias seguintes, antes de saírem e depois de voltarem. Nesses atos de bênção e sempre quando comparecia entre os Apóstolos, em sua dignidade, a SS. Virgem vestia um longo manto branco, um véu amarelo sobre o rosto e na cabeça, caindo de ambos os lados até quase ao chão, uma larga faixa de pano azul celeste, dobrada sobre a testa um pouco para trás, enfeitada de bordado e segura na cabeça por uma pequena coroa de seda branca.
        

            Sermão e batismo na piscina de Betesda


            Convidada pelos discípulos reuniu-se uma grande multidão de povo em redor da piscina de Betesda. Os discípulos contaram com grande alegria o que sucedera. Pedro enviou os cinco Apóstolos antes mencionados, que se colocaram nas cinco entradas da piscina e falaram com entusiasmo ao povo. Esse, porém, se assustou, porque cada um os ouvia falar em sua própria língua.

         Estavam, pois, todos atônitos e admiravam-se, dizendo: “Porventura não se está vendo que todos estes que falam são galileus? E como os ouvimos falara cada um na língua de nosso país natal? Partos e Medos e Elamitas e os que habitavam a Mesopotâmia, a Judéia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frigia e o Egito, várias partes da Líbia, que fica próximo de Cirene e os que vieram de Roma; também Judeus e prosélitos, Cretenses e Árabes, todos nós os ouvimos narrar nas nossas línguas as maravilhas de Deus”. Estavam, pois atônitos e maravilharam-se, dizendo uns aos outros: “Que quer isto dizer?” Outros, porém, escarnecendo, diziam: “É porque estão embriagados de vinho de doce”. (Atos 2, 7-13)

         Pedro, porém, subiu a um púlpito, levantou a voz e disse:
         “Homens da Judéia e todos os que habitais em Jerusalém, sabei e com ouvidos atentos escutar as minhas palavras. Estes homens não estão tomados de vinho, como pensais, pois é ainda a hora terceira do dia; mas é o que foi dito pelo profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei meu Espírito sobre toda a carne e profetizarão vossos filhos e vossas filhas e vossos jovens terão visões e os vossos anciãos sonharão. Sim, naqueles dias derramarei meu Espírito sobre os meus servos e sobre as minhas servas e profetizarão; e farei ver prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra, sangue e fogo e vapor de fumo. O sol converter-se-á em trevas e a lua em sangue, antes que venha o grande e ilustre dia do Senhor. E isto acontecerá: Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo.
            Israelitas, ouvi estas palavras: Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós, com virtudes e prodígios e sinais, que Deus operou por Ele no meio de vós, como bem o sabeis, depois de vos ser entregue pela decreta vontade e presciência de Deus, vós, crucificando-O por mãos de iníquos, lhe tirastes a própria vida; Deus, porém, o ressuscitou, dissipadas as dores do reino da morte, porquanto era impossível que por este fosse retido. Pois Davi diz dEle: Eu via sempre o Senhor diante de mim, porque está à minha direita, para que eu não seja abalado; por isso se alegrou o meu coração e se regozijou a minha língua e além disto, também a minha carne repousará na esperança, porque não deixarás a minha alma no reino dos mortos, nem permitirás que o teu Santo experimente corrupção.     Fizeste-me conhecer os caminhos da vida e encher-me-ás de alegria, mostrando-me a tua face. Irmãos, seja-me permitido dizer-vos ousadamente do patriarca Davi que ele morreu, foi sepultado e o seu sepulcro se vê entre nós, até o dia de hoje. Sendo, pois, um profeta e sabendo que com juramento lhe havia Deus prometido que do fruto de seu sangue se assentaria alguém sobre o seu trono, antevendo-o, falou da ressurreição de Cristo, que nem seria deixado no reino dos mortos, nem a sua carne veria a corrupção.
            Deus o ressuscitou, e todos nós somos testemunhas. Assim é que, depois que subiu à direita de Deus e havendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, O derramou sobre nós, como vedes e ouvis. Pois Davi não subiu ao céu, mas ele mesmo disse: O Senhor disse ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés. Saiba portanto toda a casa de Israel, com a maior certeza, que Deus o fez não só Senhor, mas também Cristo, a este Jesus que crucificastes”.
            Tendo ouvido estas coisas, ficaram compungidos no coração e disseram a Pedro e aos mais Apóstolos: “Que devemos fazer, irmãos”? Pedro então lhes respondeu: “Fazei penitência e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados e recebereis o dom do Espírito Santo; porque para vós é a promessa e para vossos filhos e para todos os que estão longe e quantos chamar a si o Senhor nosso Deus”. Com outras muitíssimas razões e testificou ainda e exortava-os, dizendo: “Salvai-vos dessa geração depravada”. (Atos 2, 14-40).

         Batizaram então durante todo o dia. No entanto ensinavam os Apóstolos, para preparar o povo à recepção dos santos Sacramentos. Cerca de três mil homens receberam no dia de Pentecostes o santo Batismo, inclusive as santas mulheres. Auxiliada por elas, distribuía Maria as vestes brancas aos batizados.
         A Mãe de Deus foi batizada depois de Pentecostes, sozinhas, na piscina de Betesda, por João, que celebrou antes a Santa Missa, como era celebrada naqueles tempos: consagravam-se a hóstia e o vinho com algumas orações.    
Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.

A expansão da Igreja cristã na Judéia


            A cura do paralítico de nascença. Sermão de Pedro no Templo


            A pequena comunidade dos fiéis recebera um forte incremento no dia de Pentecostes. Com toda a razão se dá a este dia o nome de data de fundação da Igreja. Na sala do Cenáculo cabia só um número relativamente pequeno de fiéis; já tinham começado a instalar uma Igreja na velha sinagoga, situada na vizinhança da piscina de Betesda. Esses trabalhos estavam então terminados e Pedro, seguido dos Apóstolos, dos discípulos, de Maria e das santas mulheres, levou o Santíssimo Sacramento, em solene procissão, do Cenáculo para essa primeira Igreja cristã e colocou-O no tabernáculo, sobre o altar.

         Não muito tempo depois foram Pedro e João, com alguns discípulos, ao Templo.

         “Estavam, porém, alguns homens levando um paralítico numa padiola, para a porta do Templo. Pedro e João, ao subirem a escada, lhe disseram algumas palavras. Depois falou Pedro por algum tempo com grande ardor ao povo, no átrio do Templo. Durante esses sermão foram as saídas do Templo ocupadas por soldados e os sacerdotes conferenciavam de vez em quando uns com os outros.

         Então vi Pedro e João, ao dirigirem-se ao Templo, passarem perto do paralítico, que lhes pediu uma esmola. Estava deitado diante da porta, todo encolhido, apoiando-se sobre o cotovelo esquerdo e segurando com a direita uma muleta, com a qual debalde procurava levantar-se um pouco. Pedro disse-lhe: “Olha para nós!” E como ele o fizesse, disse Pedro: “Ouro e prata não tenho, mas o que tenho, dou-te: Em nome de Jesus Cristo Nazaré, levanta-te e anda”. E tomando-lhe a mão direita, levantou-o e João segurou-o sob o braço. Então ficou o homem em pé, alegre e forte e vi curado, saltando, com gritos de alegria e correndo pelo Templo.

         Pedro e João, porém, foram ao átrio e num lugar onde o Menino Jesus ensinara na idade de doze anos, subiu Pedro à cátedra. Muito povo da cidade e numerosos forasteiros o rodearam; também o paralítico curado estava neste círculo.

         Pedro, porém, falou da cátedra ao povo:

         “Homens israelitas, porque vos admirais disto ou porque pondes os olhos em nós, como se por nossa virtude ou poder tivéssemos feito andar este homem? O Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó, o Deus de nossos pais glorificou seu Filho Jesus, a quem entregastes e negastes perante Pilatos, julgando este que se Lhe devia dar a liberdade. Mas vós renegastes o Santo, o Justo e pedistes que se vos desse um assassino. E assim matastes o autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que somos testemunhas. E pela fé em seu Nome foi que seu Nome curou a este, que vedes e conheceis; e a fé que Ele nos comunicou, foi que lhe deu inteira saúde, à vista de todos vós. Entretanto, irmãos, sei que o fizestes por ignorância, como também os vossos magistrados. Mas Deus cumpriu assim o que já dantes anunciara, por boca de todos os profetas: que o Cristo padeceria. Portanto, arrependei-vos e convertei-vos, para que os vossos pecados vos sejam perdoados; para que venham os tempos de refrigério diante do Senhor, quando enviar o mesmo Jesus Cristo, sobre o qual vos foi pregado. Por ora certamente é necessário que o céu O receba, até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou, por boca dos santos profetas, desde o princípio do mundo. Moisés, de fato, disse: “Porquanto o Senhor, vosso Deus, vos suscitará um profeta dentre vos disser. E isto acontecerá: Toda a alma que não ouvir aquele profeta, será exterminada do meio do povo. E todos os profetas, desde Samuel e quantos depois falaram, anunciaram estes dias. Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com nossos pais, dizendo a Abraão: E na tua descendência serão abençoadas todas as gerações da terra. Deus, ressuscitando seu Filho, vo-Lo enviou primeiramente a vós, para que vos abençoasse; afim de que cada um se aparte da maldade”. (Atos 3, 12-26).

         “Então muitos daqueles que tinham ouvido a pregação, creram nela e chegou o número destes a cinco mil pessoas”. (Atos 4, 4).

         Tendo Pedro ensinado com grande com grande entusiasmo até a meia noite, foi preso, junto com João e o paralítico curado, pelos soldados do Templo e metido num cárcere, no tribunal de Caifás.

         No outro dia foram levados, com murros e pancadas, à sala do tribunal, onde se tinham reunido Caifás e o Conselho Supremo.

         E mandando-os apresentar, perguntaram-lhes: “Com que poder e em nome de quem fizestes isto?” Então Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes respondeu: “Príncipes do povo e vós, anciãos, ouvi-me. Se hoje se nos pede razão do beneficio feito a um homem enfermo, com que virtude este foi curado, seja notório a todos vós e a todo o povo de Israel, que em nome de nosso Senhor Jesus Cristo Nazareno, a quem crucificastes e a quem Deus ressuscitou dos mortos, é que este se acha curado, em pé diante de vós. Jesus Cristo é a pedra que foi reprovada por vós, arquitetos e que se tornou a pedra fundamental; e não há salvação em nenhum outro, porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, que possa salvar-nos”.

         Ora, vendo a firmeza de Pedro e João e sabendo que eram homens ignorantes e simples, admiravam-se e conheciam que eram aqueles que tinham estado com Jesus. Vendo também em pé, ao lado deles, o homem que havia sido curado, não podiam dizer nada em contrário. Mandaram-lhes, pois, que saíssem para fora da sala do conselho e conferenciavam entre si, dizendo: “Que faremos a estes homens? Porquanto fizeram, na verdade, um milagre, notório a todos os habitantes de Jerusalém; é manifesto e não o podemos negar. Todavia, para que não se divulge mais entre o povo, ameacemo-los, para que no futuro não falem mais a ninguém neste nome”. E chamando-os. Intimaram-nos a que absolutamente não falassem mais, nem ensinassem no nome de Jesus. Mas Pedro e João, respondendo-lhes, disseram: “Se é justo diante de Deus ouvir antes de vós do que a Deus, julgai-o vós mesmos; porque não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido”. Então, ameaçando-os, os deixaram ir livres, não achando pretexto para as castigar, por medo do povo, porque todos celebravam o milagre que se fizera, no fato que tinha acontecido”. (Atos 4, 7-21).


            Ensino no Templo. A primeira santa Missa e ordenação de sacerdotes


            Pedro ensinou novamente, com grande poder, no Templo, onde também se reuniram os outros Apóstolos e discípulos, confirmando as explicações de Pedro. Então se dirigiram, com os batizados e recém-convertidos, em procissão, dois a dois, ao Cenáculo, em Sião. Chegados aí, Pedro e João conduziram a SS. Mãe de Jesus, que vestira as vestes festivas e rezara ajoelhada diante do SS. Sacramento, à porta do vestíbulo. Pedro fez uma alocução aos recém-convertidos, entregando-os à proteção de Maria, a Mãe comum. Apresentou-lhos em grupos de vinte; a Virgem Santíssima, porém, abençoou cada grupo, dirigindo-lhes algumas palavras.

         Pedro celebrou então a santa missa no cenáculo. Vi fazer-se tudo como Jesus fizera na instituição do SS. Sacramento: oferecer, depositar vinho no cálice, lavar as mãos e consagrar. O vinho e a água foram depositados de lados diferentes. Num lado do altar havia rolos da Escritura. Pedro, após ter comungado, deu também o SS. Sacramento e o cálice aos dois que ajudavam. João deu a sagrada Comunhão também aos outros; Maria foi a primeira que a recebeu, depois os Apóstolos e mais seis discípulos, que em seguida receberam ordens e ainda muitos outros. Aqueles que comungavam, tinham diante de si uma toalha, uma faixa comprida de pano, que dois seguravam dos lados. Não vi, porém, que todos recebessem o cálice.

         Os seis discípulos que então receberam a santas ordens, avançaram do lugar dos discípulos para o dos Apóstolos, mais para o coro. Maria trouxe-lhes as vestes, pondo-as sobre o altar. Eram: Zaqueu, Natanael, José Bársabas, Barnabas, João Marcos e Eliú, filho do velho Simeão. Ajoelhavam-se dois a dois diante de Pedro, que lhes dirigia a palavra e rezava, lendo num pequeno rolo da Escritura. João e Tiago tinham velas na mão; pousavam-lhes a mão sobre os ombros e Pedro sobre a cabeça. Pedro cortou-lhes o cabelo, pondo-o sobre um prato no altar, ungiu-lhes a cabeça e as mãos com óleo de um vaso que João segurava. Depois lhe puseram também as vestes e estolas, que cruzavam em parte debaixo do braço, em parte sobre o peito.

         No fim da solenidade Pedro abençoou a comunidade com o grande cálice da última Ceia, no qual era conservado o SS. Sacramento.

         Acabando a cerimônia, dirigiram-se todos à piscina de Betesda, onde os recém-convertidos, homens e mulheres, foram batizados.

         Catharina Emmerich descreve em outro lugar a cerimônia da Missa:

         “Pedro rezava diante do altar e dois Apóstolos ao lado lhe acompanhavam a oração e os atos. Vi que levantou o pão e o vinho no cálice, oferecendo-os, depois partiu o pão em bocados, benzeu-os e pronunciou as palavras da consagração sobre o pão e o vinho, depois do que começaram a luzir.

         Quando elevou o pão e o cálice, oferecendo-os, vi aparecer uma mão resplandecente por cima do altar, como saindo de uma nuvem; quando benzeu e disse as palavras da consagração, moveu-se também essa mão, benzendo; só desapareceu quando todos se afastaram. Não vi que Pedro o notasse também.

         Depois da consagração, Pedro tomou primeiro um bocado e encheu então o vaso, que era tão largo, que muitos dos bocados ali cabiam, uns sobre os outros. Então se aproximaram os Apóstolos que estavam presentes e receberam na boca o SS. Sacramento, da mão de Pedro; depois vieram também os outros assistentes, recebendo o SS. Sacramento, como da primeira vez. Acabando os bocados no vaso, Pedro voltou ao altar, para encher de novo com os que restavam no prato e continuou distribuindo a Santa Comunhão.

         Como na sala não cabiam todos e muitos ficavam fora, saíram os primeiros, depois de terem recebido o Sacramento e os outros entraram. Os que comungavam, não se ajoelhavam, mas inclinavam-se respeitosamente, ao receber o SS. Sacramento. Tendo saído os últimos, entraram de novo os primeiros. Quando Pedro consagrou o vinho, não rezou tanto tempo como da primeira vez; vi-o falar sobre ele palavras que luziam. Depois bebeu e deu também aos Apóstolos para beberem. Os Apóstolos ofereceram o cálice ainda aos outros”.

        
            Curas milagrosas pela sombra de Pedro. Encarceramento dos Apóstolos.

           
            Pedro foi ao Templo, com João e os outros sete Apóstolos que ficaram em Jerusalém. “Já no caminho fora da cidade, no vale de Josafá, haviam muitos enfermos, deitados em redor do Templo, no átrio dos gentios e até na escadaria do Templo. Vi que era principalmente Pedro que curava; os outros curavam também, é verdade, mas era mais para auxiliar a Pedro. Este curava só aqueles que acreditavam em Jesus e se queriam unir à comunidade dos cristãos. Onde havia uma dupla fila de doentes, vi a sombra de Pedro cair sobre a segunda fila, enquanto curava e os enfermos saravam pela vontade dele. A muitos se negou a curar. Ensinou também no Templo, defronte do altar dos holocaustos, à direita e também num lugar elevado, com degraus, na sala lateral, à esquerda de quem entrava no Templo. Ninguém os estorvava; o povo era-lhes muito dedicado”.

         Os Atos dos Apóstolos, cap. 5, continuam a narração:

         Assim, pois, concorriam multidões de homens das cidades vizinhas de Jerusalém, trazendo os enfermos e os cativos de espíritos imundos, os quais eram todos curados. Mas, Levantando-se o príncipe dos sacerdotes e todos os que com ele estavam (a seita dos saduceus), encheram-se de inveja e de ciúme e fizeram prender os Apóstolos e metê-los na cadeia pública. Mas o Anjo do Senhor, abrindo de noite as portas do cárcere e tirando-os para fora, disse-lhes: “Ide e apresentai-vos no Templo, pregai ao povo todas as palavras de vida”.
        
         Tendo ouvido isto, entraram ao amanhecer no Templo e se puseram a ensinar. Mas, chegando o príncipe dos sacerdotes e os que com ele estavam, convocaram o conselho e todos os anciãos dos filhos de Israel e mandaram buscar os Apóstolos no cárcere. Mas tendo lá ido os agentes e como, aberto o cárcere, não os achassem, voltaram e deram a notícia: “Achamos o cárcere fechado com toda a diligência e os guardas diante das portas; mas, abrindo-as, não achamos ninguém dentro”.

         Quando, porém, ouviram esta novidade, o magistrado do Templo e os príncipes dos sacerdotes ficaram perplexos sobre o que teria sido feito deles. Mas ao mesmo tempo chegou alguém, que lhes deu esta notícia: “Olhai que aqueles homens que metestes no cárcere, estão no Templo, ensinando o povo”. Então foi o magistrado com os agentes e trouxe-os sem violência, porque temia ser apedrejado pelo povo. E logo que os trouxeram, apresentaram-nos ao conselho e o príncipe dos sacerdotes fez-lhes a seguinte pergunta: “Não vos ordenamos, com expresso preceito, que não ensinásseis neste nome? E não obstante, tendes enchido Jerusalém da vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem”. Mas Pedro e os Apóstolos, respondendo, disseram: “Importa mais obedecer a Deus do que aos homens. O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem destes a morte, pendurando-O num madeiro. A este elevou Deus com sua destra, como príncipe e como Salvado, para dar a contrição a Israel e a remissão dos pecados. E somos testemunhas destas palavras e também o Espírito Santo, que Deus deu a todos os que lhe obedecem”.

         Quando isto ouviram, enraiveceram-se e planejaram matá-los. Mas, levantando-se no conselho um fariseu, por nome Gamaliel, doutor da lei, homem de respeito em todo o povo, mandou que saíssem para fora aqueles homens, por um breve espaço de tempo. E disse:
         “Homens israelitas, refleti bem no que haveis de fazer acerca destes homens. Porque, em tempos passados, se levantou um certo Teodas, que dizia ser um grande homem, a quem aderiu o número de quatrocentos homens; o qual foi morto e todos que nele acreditavam foram desfeitos e reduzidos a nada. Depois deste se levantou Judas Galileu, nos dias em que se fazia o arrolamento do povo e levou-o após si, mas pereceu e foram dispersos todos quantos se lhe acostaram. Agora, pois, vos digo: não vos metais com estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem dos homens, há de desvanecer-se; se, porém, vem de Deus, não podereis desfazê-la, para que não pereça que resistis até a Deus”.

         Seguiram-lhe o conselho e, tendo chamado os Apóstolos, depois de os haverem feito açoitar, mandaram-lhes que não falassem mais no nome de Jesus e soltaram-nos. Os Apóstolos, porém, saíram da presença do conselho verdadeiramente contentes, por terem sido achado dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus. E todos os dias não cessavam de ensinar e de pregar Jesus Cristo, no Templo e pelas casas”. (Atos 5)


            4. Comunhão de bens. Crescimento da comunidade
        

         Dos primeiros cristãos diz a Escritura Sagrada a bela palavra: “da multidão dos que criam, o coração era um e a alma uma; e nenhum dizia pertencer-lhe coisa alguma das que possuía, mas tudo entre eles era comum”. (Atos 4,32).

         Já depois do ágape, no domingo de Páscoa, os Apóstolos e discípulos propuseram esta resolução. Os recém-convertidos concordaram com a proposta.

         “Pedro ensinava que nenhum devia possuir mais do que o outro, que deviam repartir tudo e cuidar dos pobres que se reuniam à comunidade. Vi que no pátio do Cenáculo matavam rezes, trinchavam ovelhas e cabras, distribuindo tudo aos necessitados. As peles eram entregues a um homem, para as preparar. Os pobres recebiam também cobertores, pano de lã para roupa e pão. Tudo era distribuído. Reinava sempre boa ordem na distribuição; as mulheres recebiam sua parte da mão de mulheres e os homens da mão de homens”.

         Aos recém-convertidos foram destinadas também as casas de Marta e Madalena; Lázaro distribuiu toda a fortuna pela comunidade. Do mesmo modo entregou Barnabas todo o dinheiro recebido pela venda de seus bens, na ilha de Chipre.

         Juntou-se-lhes também um judeu rico, de nome Ananias, com a mulher, Safira, moradores de Betânia. Ananias trouxe panos, ovelhas e jumentos, donativos para a comunidade e pediu o batismo. Antes de ser admitido, trouxe ainda o produto da venda de um campo; mas, com o consentimento da mulher, guardava parte do dinheiro para si. Quando, porém, veio pôr o dinheiro aos pés de Pedro, na presença dos Apóstolos e de todos os recém-convertidos, repreendeu-o este por causa da mentira e logo caiu Ananias morto. A mesma sorte teve também Safira.

         Esse acontecimento é narrado mais extensamente nos Atos dos Apóstolos, cap. 5:

         “Um varão, por nome Ananias, com a mulher, Safira, vendeu um campo e com fraude usurpou certa porção do preço do campo, com consentimento da mulher; e levando uma parte, depositou aos pés dos Apóstolos. E disse Pedro: “Ananias, porque tentou Satanás o teu coração para que mentisses ao Espírito Santo e reservasses parte do preço do campo? Porventura não te era livre ficar com ele e ainda depois de vendido, não era teu o preço? Como assentaste, pois, em teu coração fazer tal? Sabe que não mentiste aos homens, mas a Deus”. Ananias, porém, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E infundiu-se um grande temor em todos os que o ouviram. Levantando-se então uns mancebos, carregaram-no e levando-o dali para fora, enterraram-no.

         E passando que foi o espaço de três horas, entrou também a mulher, não sabendo o que tinha acontecido. E Pedro disse-lhe: “Dize-me, mulher, se vendeste por tanto a herdade”? “Sim, por tanto”. Pedro então lhe disse: “Porque assim combinastes, para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí estão à porta os pés daqueles que enterraram teu marido e os moços, entrando, acharam-na morta e levando-a, enterraram-na junto do marido. E difundiu-se um grande temor por toda a Igreja e entre todos os que ouviram narrar este acontecimento”.

         Os cômodos da casa perto da piscina da Betesda, daí há pouco, não bastavam mais para a multidão dos recém-convertidos. Os Apóstolos entraram, pois, em negociações com os magistrados judeus, para conseguir outros terrenos para habitações. Foram-lhes indicados três terrenos apropriados, perto de Betânia. O povo mudou para lá e puseram tendas leves em redor de uma tenda maior, na qual morava um discípulo e se guardavam as provisões comuns. Assim se formaram três comunidades novas de fiéis.

         Os Apóstolos, porém, procuravam também os velhos amigos, que moravam em lugares mais afastados, para lhe informar sobre os acontecimentos após a última Páscoa, para lhes ensinar e os batizar. Assim mandou Pedro e Tomé, Filipe e Matias, cada um com mais um discípulo, a Samaria, Tebez e Tibérias. Mas também Pedro e os outros Apóstolos se espelharam por toda a Judéia; apenas Tiago o Menor, com alguns discípulos, ficou em Jerusalém e na Igreja de Betesda.


            5. Eleição dos sete diáconos. Queixas por causa da distribuição das esmolas


            Nesse tempo se ouviram queixas das viúvas e dos órfãos sobre a distribuição das esmolas. Reuniram-se por isso novamente todos os Apóstolos no Cenáculo, em volta de Pedro, a quem todos se submetiam e que lhes deu a santa Comunhão. Depois o conduziram, vestido do ornato episcopal, ao vestíbulo da casa, onde dirigiu a palavra aos numerosos discípulos e recém-convertidos, para promulgar ordens a respeito da distribuição das esmolas.

         “Entre outras coisas, ouvi dizer que não era conveniente abandonar a pregação da palavra de Deus, para cuidar de alimentos e roupa. Assim, por exemplo, não convinha mais que Lázaro, Nicodemos e José de Arimatéia administrassem, como até então, os bens terrestres da comunidade, por se terem tornado sacerdotes. Depois falou ainda sobre a ordem na distribuição das esmolas, sobre a administração das casa, dos órfãos e das viúvas. Então se apresentou Estevão, um belo moço, esbelto, oferecendo-se para esse serviço. Entre os outros reconheci também mouros, que eram ainda moços e não tinham recebido o Espírito Santo. Pedro impôs as mãos de todos, cruzando-lhes a estola do lado, sob o braço; sobre aqueles que ainda não tinham recebido o Espírito Santo, se derramou então uma luz”.

         A esses sete diáconos foram então entregues os bens e as provisões da comunidade. José de Arimatéia, porém, cedeu-lhes a sua casa. Faziam distribuir as esmolas em três lugares: diante do Cenáculo, em Betânia e na praça da estalagem, no caminho de Belém. Nesse último lugar se levantaram de novo queixas, mas os queixosos não tinham tanta razão. Por isso enviaram Estevão e os outros diáconos mensageiros aos Apóstolos que, depois de nomear os diáconos, se tinham espalhado por todo o país.

         Pedro voltou, com André, da região de Jope a Jerusalém, tomé, com Felipe, da Samaria; compareceram também outros Apóstolos, para terminar essa questão. Mas antes de chegarem, os descontentes já se tinham dirigido, com a queixa, ao conselho dos sacerdotes em Jerusalém, por intermédio de Saulo e Gamaliel e Estevão foi citado perante o conselho. Mas este, acusado e interrogado por muitos fariseus e judeus excitados, se defendeu tão bem e com tanta seriedade, que foi absolvido.

         Tendo, porém, Pedro se reunido no Cenáculo com os outros Apóstolos, mandou chamar os queixosos à sua presença e resolveu tudo, fazendo separar muitos da comunidade e acomodar em outras casas.


            6. As obras do diácono S. Felipe


            Apesar dos Samaritanos não terem comunhão com os judeus, não deviam ficar privados do Evangelho, como também os gentios, pois já o Salvador ensinara muitas vezes nas regiões de Samaria, depois de ter tido aquela piedosa conversação com a mulher samaritana, no poço de Jacó.

         Entre os sete primeiros diáconos se achava também Felipe que, depois de Estevão, era o mais respeitado. Felipe dirigiu-se à Samaria e pregou ali o Evangelho do Cristo.

         E o povo estava atento ao que Felipe lhe dizia, escutando-o com o mesmo ardor e vendo os prodígios que fazia, porque os espíritos imundos saiam de muitas pessoas, dando grandes gritos e muitos paralíticos e coxos eram curados; pelo que se originou uma grande alegria naquela cidade.

         Havia lá, porém, um homem, por nome Simão, o qual antes tinha ali exercido a magia, enganando o povo Samaritano, dizendo que era um grande homem, a quem todos davam ouvidos, desde o maior até o menor, dizendo: Este é a virtude magna de Deus. E obedeciam-lhe, porque, com as artes mágicas, por muito tempo lhes havia perturbado o espírito. Mas depois que creram o que Felipe lhes anunciava do reino de Deus, foram-se batizando homens e mulheres, em nome de Jesus. Então creu também o mesmo Simão e depois que foi batizado, ligou-se a Felipe. Vendo os prodígios e grandíssimos milagres que se faziam, todo cheio de pasmo se admirava.

         Os Apóstolos, porém, que se achavam em Jerusalém, tendo ouvido que Samaria recebera a palavra de Deus, mandaram lá Pedro e João, os quais, quando chegaram, fizeram oração pelos Samaritanos, afim de receberem o Espírito Santo, que ainda não tinha descido sobre nenhum dos recém-convertidos, mas tinham sido apenas batizados em nome do Senhor Jesus. Então lhes impunham as mãos e recebiam o Espírito Santo.

         E quando Simão viu que se dava o Espírito Santo por meio da imposição da mão dos Apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: “Dai-me também este poder, de que qualquer a quem eu impuser as mãos, receba o Espírito Santo”. Mas Pedro disse-lhe: “O teu dinheiro pereça contigo; uma vez que te persuadiste de que o dom de Deus se pode adquirir com dinheiro, não tens parte nesta herança alguma neste ministério; porque teu coração não é reto diante de Deus. Faze, pois, penitência desta tua maldade e roga a Deus que, se é possível, te seja perdoado este pensamento do teu coração; porque vejo que estás num fel de amargura e preso nos laços da iniqüidade”.

         E respondendo Simão, disse: “Roga por mim ao Senhor, para que não me suceda nada do que disseste”. Depois de terem dado este testemunho e anunciado a palavra do Senhor, voltaram para Jerusalém a Gaza, o qual se acha deserto”. E, levantando-se, partiu. E eis que um homem etíope, eunuco, servo de Candace, rainha da Etiópia, de cujos tesouros era superintendente, tinha vindo a Jerusalém para fazer oração e voltava, sentado na sua carruagem, lendo o profeta Isaías.

         Então disse o Espírito a Felipe: “Vai e aproxima-te deste carro”. E correndo logo Felipe, ouviu que o eunuco lia o profeta Isaías e disse-lhe: “Compreendes porventura o que estás lendo”? O etíope respondeu-lhe: “Como o poderei entender, se não houver alguém que mo explique”? E rogou a Felipe que subisse e se lhe sentasse ao lado. Ora a passagem da Escritura que lia, era esta: “Como ovelha foi levado ao matadouro e como cordeiro mudo diante de quem o tosquia, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação foi abolido o Julgamento. Quem poderá contar-lhes a geração, pois que sua vida será tirada da terra”? E respondendo o eunuco a Felipe, disse: “Rogo-te que me digas de quem disse isto o profeta: de si mesmo ou algum outro?”

         E abrindo Felipe a boca e principiando por esse trecho da Escritura, anunciou-lhe Jesus. E continuando o caminho, chegaram a um lugar onde havia água e disse o eunuco: “Eis aqui água; o que impede que eu seja batizado”? E respondeu-lhe Felipe: “Se crês de todo o coração, podes”. E respondendo, disse o etíope: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. E mandou parar o carro e descerem os dois para a margem do rio, onde Felipe o batizou. E tanto que saíram da água, arrebatou o Espírito do Senhor a Felipe e o eunuco não mais o viu; continuou, porém, o caminho, cheio de prazer. Mas Felipe achou-se em Azot e passando além, pregava o Evangelho em todas as cidades, até que veio a Cesaréia”. (Atos 8, 6- 40).


            7. Perseguições.


            Era inevitável que os fiéis fossem cada vez mais perseguidos pelo ódio dos judeus. Pedro dissera-lhes abertamente que assim se devia mostrar quem possuía o Espírito Santo enviado por Jesus; começara o tempo de agir e sofrer perseguição.

         Mas para que não se levantasse logo uma perseguição violenta contra os recém-convertidos, os Apóstolos julgavam prudente afastarem-se de vez em quando das vizinhanças de Jerusalém. A primeira vez foram todos para a respectiva terra natal. A segunda vez, depois da eleição dos diáconos, mudaram de lugar. Desta vez se encaminhou Tomé para a Samaria, Zaqueu para Bedar, João para Éfeso, na Ásia Menor, Pedro, porém, com Silvano, para a região de Jope.

         “Pedro fazia mais milagres do que todos os outros, diz Catharina Emmerich. Expulsava demônios e ressuscitava mortos; vi até que um Anjo o precedia, mandando o povo fazer penitência e pedir socorro a Pedro. O centurião Cornélio também já ouvira falar nele, mas naquele tempo não se convertera ainda. Antes de Estevão ser apedrejado, todos os Apóstolos mais uma vez se reuniram em Jerusalém e depois de se dispersarem de novo, Pedro voltou a Jope e então se efetuou a conversão de Cornélio.

         Maria e todas as santas mulheres, inclusive Verônica, estavam em Betânia.
         Também vi Saulo em Jerusalém, já muito ativo. Dirigia todo o ódio dos judeus. Vi-o percorrer a cidade e agitar o povo, com incrível ódio, convencido de ter o direito ao seu lado. Conhecia muitos discípulos, procurava-os de propósito e discutia com eles. Também se esforçava por perturbar e destruir a nova colônia dos cristãos. Incitava também o ódio dos saduceus e ficou furioso ao ouvir narrar que Simão Mago, em Samaria, se convertera. Este, porém, apostatou e juntou-se em Jerusalém a Saulo, cujo ódio crescia cada vez mais. Saulo pediu aos sacerdotes judeus cartas, com poderes especiais e ia a muitos lugares, para perseguir os cristãos”.

         Depois de Pedro e os Apóstolos haverem resolvido a questão havida em Jerusalém, todos se retiraram novamente para regiões onde os judeus não lhes podiam fazer mal. Pedro dirigiu-se novamente a Jope e arredores.

         Durante a estadia em Lídia, morreu em Jope uma piedosa mulher cristã, de nome Tabita. Então enviaram os discípulos alguns mensageiros a Jope, para chamar Pedro. Quando este chegou à casa da morta, aproximou-se do cadáver e disse: “Tabita, levanta-te”. Então abriu a morta os olhos e levantou-se do féretro, com espanto de todos que estavam presentes.

         “Simão Mago está na cidade, juntamente com Saulo, incitando todos contra a comunidade cristã. Os fiéis estão em grande aflição. Muitos dos Apóstolos estão longe, mas os fiéis mandaram chamá-los. Os judeus destroem as casas dos cristãos, até nos lugares que eles mesmos lhe tinham destinado. Os cristãos que moram na estrada de Belém, estão saindo para Salém, onde João Batizava. Ali estão construindo cabanas e uma capela; têm consigo um sacerdote e também o SS. Sacramento, numa cápsula.

         Serviu de pretexto à perseguição o fato de Pedro, viajando de Samaria a Jope, batizar no caminho muita gente, inclusive certo homem, cuja conversão provocou grande discussão em Jerusalém. Estevão defendeu essa causa com tanta firmeza, que o prenderam. A comunidade aflita mandou chamar Pedro e os outros Apóstolos.
        

            8. Estevão é interrogado e apedrejado


            A perseguição mencionada não se dirigia tanto contra os Apóstolos, mas contra os recém-convertidos, que formavam comunidade em redor de Jerusalém. Estevão era um dos que governavam essas comunidades. Era, como diz a Escritura, cheio de graças e fortaleza e fazia grandes prodígios e milagres entre o povo.
         Alguns da sinagoga se levantaram a disputar com Estevão, mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito que nele falava. Então subornaram alguns homens, que agitaram o povo. Levaram-no ao conselho e apresentaram falsas testemunhas, que disseram: “Este homem não cessa de proferir palavras contra o lugar santo e contra a lei”. (Atos 6,8-13). Ele, porém, disse:

         “Irmãos e pais, escutai. O Altíssimo não habita em edifícios construídos por mãos de homens, como diz o profeta: “O Céu é o Meu trono e a terra o escabelo dos meus pés. Que casa me edificareis?” diz o Senhor, “ou qual é o lugar do meu repouso? Não fez porventura a minha mão todas estas coisas?” Homens de dura cerviz e de corações e ouvidos incircuncisos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como agiram vossos pais, assim o fazeis também! A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? E mataram até os que anunciavam a vinda do Justo, do qual agora fostes traidores e homicidas, vós que recebestes a lei por ministério dos Anjos e não a guardastes”.

         Ao ouvir, porém, tais palavras, enraiveceu-se-lhes o coração e rangiam os dentes contra Estevão. Mas como estava cheio de Espírito Santo, olhando para o céu, viu a glória de Deus e Jesus à destra de Deus. E disse: “Eis que estou vendo os céus abertos e o Filho do Homem à direita de Deus”. Então, levantando uma grande gritaria, taparam os ouvidos e, todos juntos, arremeteram com fúria contra o santo diácono e, tendo-o lançado para fora da cidade, apedrejaram-no; e as testemunhas depuseram os mantos aos pés de um moço, que se chamava Saulo. E apedrejaram Estevão, que invocava Jesus e dizia: “Senhor Jesus, recebi o meu espírito”. E pondo-se de joelhos, clamou em alta voz, dizendo: “Senhor, não lhes imputeis este pecado”. E tendo dito isto, adormeceu no Senhor. E Saulo consentiu no homicídio de Estevão“. (Atos 7, 48-60)

         Estevão sofreu o martírio mais ou menos um ano depois da crucificação de Cristo. A piedosa Emmerich narra o seguinte:

          “Vi Estevão, sem se lembrar do apedrejamento, rezando apenas pelos carrascos e olhando para o céu aberto. O martírio deu-se fora da porta, ao norte, ao lado de uma estrada. Era um lugar aberto, circular, em cujo centro se achava uma pedra, sobre a qual se ajoelhou o santo moço, rezando, com as mãos erguidas. Vestia uma longa veste branca, arregaçada, sobre a qual pendia, no peito e nas costas, uma espécie de escapulário, com duas fitas transversais; creio que era uma parte das vestes sacerdotais. Procederam no apedrejamento em certa ordem; em volta do lugar haviam juntado pedras, ao pé de cada um dos apedrejadores.

          Vi também Saulo, homem extraordinariamente sério e zeloso, que arranjara tudo o que era necessário para a lapidação e os lapidantes depositaram os mantos aos seus pés. Estevão levantara as mãos, rezando e não se movia, sob as pedradas; era como se não as sentisse. Também não fazia movimentos espontâneos para se proteger; parecia extasiado, olhava para o alto e o céu estava aberto acima dele; via Jesus e com Ele, Maria, sua Mãe. Finalmente uma pedra lhe bateu na cabeça, prostrando-o morto. Era um moço alto e belo, de cabelo castanho e liso.

          Saulo não causava uma impressão repugnante, pelo grande zelo com que preparava a lapidação, como acontecia com os outros, que eram cheios de inveja e hipocrisia; pois o fazia impelido por um falso zelo, mas que julgava justo, pela lei judaica; foi por isso também que Deus o iluminou”.

          Os ossos do santo mártir Estevão foram mais tarde milagrosamente encontrados, em conseqüência de uma Visão, junto com os corpos de Nicodemos, Gamaliel e seu filho Abidon.

          “O corpo de Estevão, que jazia numa posição natural, foi levado a Jerusalém, a uma Igreja situada no monte em que estivera o Cenáculo. Esses ossos foram depois várias vezes distribuídos e levados a vários lugares e muitos milagres se deram com eles. Lembro-me que uma cega tocou o caixão das relíquias com flores, por meio das quais recobrou de novo a vista. Em outro lugar se converteram muitos judeus.

          Em certa região o demônio, assumindo a forma de um homem muito respeitável, pediu uma parte das relíquias de S. Estevão, mas quando o bispo pediu a luz de Deus, para saber se o suplicante o merecia, fugiu o demônio, rugindo e tomando um aspecto horrível. De tais milagres vi muitos e também que parte das relíquias foram levadas para Roma e depositadas junto ao corpo de S. Lourenço. Deu-se então um fato milagroso: O corpo de S. Lourenço mudou de posição, cedendo lugar às relíquias de Santo Estevão”.

          Com a morte de Estevão a perseguição não terminou absolutamente, pois S. Lucas acrescenta à narração do apedrejamento de S. Estevão estas palavras:

          “Saulo, porém, assolava a Igreja, entrando pelas casas e tirando com violência homens e mulheres, fazia com que os metessem no cárcere. Entretanto os que se tinham dispersado iam de um lugar para outro, anunciando a palavra de Deus”. (Atos 8, 3-4).

          Assim servia essa perseguição ao plano de Deus, não só para provar e purificar os eleitos, mas também para propagar a doutrina de Jesus em outras regiões e aumentar o número de fiéis.


            9. A conversão de Saulo


         Um acontecimento sumamente importante para a jovem Igreja cristã foi a conversão de um homem, que até então tinha sido abertamente inimigo e se propusera a destruí-la, mas que mais tarde se tornou um dos seus mais árduos defensores  e com a pregação e o seu sangue confirmou a fé no Filho de Deus crucificado.

         Depois de ter visto Estevão expirar, sob as pedradas dos judeus, encaminhou-se para Damasco, com o fim de trazer presos para Jerusalém todos os partidários de Jesus que encontrasse.

         “Seguia pelo caminho, conta a Escritura Sagrada, aproximando-se de Damasco, quando subitamente o cercou uma luz vinda do céu e caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” Ele replicou: “Senhor quem és?” E respondeu-lhe a voz: “Eu sou Jesus, a quem persegues. Duro-te é recalcitrar contra o aguilhão. Então, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que eu faça? O Senhor respondeu-lhe: Levanta-te e entra na cidade e aí se te dirá o que te cumpre fazer.

         Os homens que o acompanhavam, estavam espantados, ouvindo a voz, mas sem ver ninguém. Levantou-se, pois, Saulo do solo e tendo os olhos abertos, nada via. Os companheiros, porém, conduzindo-o pela mão, levaram-no a Damasco, onde esteve três dias sem ver e não comeu nem bebeu. Ora, em Damasco, onde havia um discípulo, de nome Ananias e o Senhor, numa visão, lhe disse: Ananias. E ele acudiu, dizendo: Eis-me aqui, Senhor! E o Senhor tornou-lhe: Levanta-te e vai a rua que se chama Direita e procura em casa de Judas um homem chamado Saulo de Tarso, porque eis que está rezando. E Saulo viu também um homem, por nome Ananias, que entrou e lhe impôs as mãos, para que recebesse a vista.

         Respondeu, pois, Ananias: Senhor tenho ouvido muitos falarem a respeito deste homem, quanto mal fez aos teus santos em Jerusalém; e ele tem poder dos príncipes dos sacerdotes para prender todos que invocam teu nome. Mas o Senhor disse-lhe: Vai porque este é para mim um vaso escolhido, para levar meu nome perante os gentios e os reis e os filhos de Israel. Porque eu lhe mostrarei quanto lhe cumpre sofrer pelo meu nome.

         E Ananias foi e entrou na casa e impondo-lhe as mãos, disse: Saulo, irmão, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, enviou-me, para que recobres as vista e fiques cheio do Espírito Santo. E no mesmo instante lhe caíram dos olhos umas escamas, e assim recuperou a vista; e levantando-se, foi batizado. E depois que tomou alimento, recobrou as forças. Alguns dias esteve então com os discípulos que se achavam em Damasco e logo começou a pregar nas sinagogas que Jesus é o Filho de Deus. E pasmavam todos que o ouviam e diziam: Pois não era este quem perseguia em Jerusalém os que invocavam este nome e que veio prendê-los para os levar aos príncipes dos sacerdotes? Saulo, porém, esforçava-se cada vez mais e confundia os judeus que habitavam em Damasco, afirmando que Jesus é o Cristo.

         E passados muitos dias, os judeus se reuniram em conselho, resolvendo matá-lo. Saulo, porém, foi advertido das ciladas. Guardavam-lhe as portas dia e noite, para o eliminar. Os discípulos, porém, tomando-o de noite, desceram-no pela muralha, metido numa cesta. Tendo chegado a Jerusalém, procurava Saulo reunir-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que fosse discípulo. Então Barnabé, levando-os consigo, o apresentou aos apóstolos e contou-lhes como tinha visto o Senhor no caminho e lhe tinha falado e como depois em Damasco agira com toda franqueza em nome de Jesus. E Saulo estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo e falando corajoso em nome do Senhor. Falava também com os gentios e disputava com os gregos, mas tratavam de matá-lo. Sabendo disso, os irmãos acompanharam-no até Cesaréia e enviaram-no a Tarso. Estava então em paz a Igreja por toda a Judéia, Galiléia e Samaria e se estabelecia, caminhando no temor de Deus e estava cheio do ESPÍRITO Santo. (Atos 9, 3-31)

         Anna Catharina dá do santo Apostolo Paulo esta descrição:

         “Paulo não era alto, mas baixo e robusto. Tinha uma alma forte, procurando a justiça, mas sem obstinação nem orgulho. Depois da conversão era humilde e amável, mas era dotado de muita serenidade, perseverança e firmeza.


            10. Herodes manda decapitar Tiago o Maior e lançar Pedro no cárcere


         No quinto ano depois da morte de Jesus Cristo se levantou nova perseguição contra a comunidade; por isso levou João a SS. Virgem para a região do Éfeso, onde já se formara nova comunidade de cristãos. Em Éfeso a visitou Tiago o Maior, ao voltar da Espanha para Jerusalém. Chegando ali, trabalhou e pregou ainda algum tempo, depois foi preso e condenado a morte por Herodes.

         Tiago foi conduzido para fora da cidade, em direção ao Monte Calvário, conta a serva de Deus, e no caminho continuava pregando e ensinando, convertendo ainda muitos. Quando lhe ataram as mãos, disse: podeis amarrar-me as mãos, mas não a bênção e a língua. Um paralítico estava sentado a beira do caminho e dirigindo-se a Tiago, pediu que lhe desse a mão e o curasse. Tiago respondeu: vem a mim e dá-me a mão. O paralítico levantou-se, tomou as mãos amarradas do Santo Apostolo e foi curado. Vi também o homem que o atraiçoou, chamado Josias, correndo para ele, arrependido, pedindo-lhe perdão. Confessou a fé em Cristo e foi também executado. Tiago perguntou-se se queria receber o batismo e como afirmasse que sim, abraçou-o o Apostolo e, beijando-o, disse: Serás batizado no teu sangue. Vi ainda uma mulher, que correu com o filho cego para junto de Tiago, no lugar do suplicio, pedindo e alcançando-lhe a vista.

         Tiago e Josias foram primeiro colocados juntos num lugar elevado, sendo-lhes proclamado em alta voz o crime e a sentença de morte. Depois se sentou Tiago numa pedra, a qual lhe foram atadas as mãos; vedaram-lhe os olhos e assim o decapitaram. No entanto tinham também encerrado Tiago o Menor na própria casa; além dele, estavam em Jerusalém Mateus, Natanael, Cased e Natanael, o noivo de Cana. Mateus morava em Betania. A casa de Lázaro e todas as suas propriedades na Judéia estavam, havia muito tempo, na posse da comunidade cristã; o palácio na cidade, porém, tomaram-lhe os Judeus. Durante o suplicio de Tiago o Maior, se levantou um grande tumulto e muitos se converteram.

         Para agradar aos judeus, Herodes fez também prender Pedro e lançá-lo no cárcere, com intenção de apresentá-lo ao povo depois da Páscoa. Entretanto, a igreja orava a Deus por ele sem cessar. Mas quando Herodes estava para o apresentar, nessa mesma noite, Pedro foi posto em liberdade por um Anjo.

         Vi Pedro dormindo, num cárcere bastante vasto, entre dois soldados, que estavam deitados a uma certa distância e também dormindo. Jazia num lado perto da parede, tinha os pés encerrados num cepo, ambos os braços, porém, estavam amarrados aos guardas, que dormiam a direita e a esquerda. Vi aparecer do alto um esplendor e nele um anjo, que tocou em Pedro, que acordou, as cadeias soltaram-se-lhe, à direita e à esquerda, das mãos, caíram sem barulho e sem movimento de sua parte e estavam ainda da mesma forma que tinham dantes, quando lhe atavam as mãos. O Anjo disse-lhe uma coisa, então tirou Pedro os pés do cepo, sem abri-lo, pôs as sandálias, que ainda estavam ligadas às pernas, e levantando-se, cingiu a túnica larga, vestiu o manto com que se tinha coberto e seguiu o Anjo, que passou diante dele pela porta, sem que essa se abrisse; era como se lhe passassem através.

         Por fim chegaram a um grande portão de ferro, o qual se abriu. Vi em tudo isso que havia luz só no espaço onde passavam. Entraram então numa rua; lá desapareceu o Anjo e vi que Pedro estava muito espantado. Até então tinha pensado que sonhava; só agora notara que estava em liberdade. Passou por uma porta e atravessando um riacho, veio a um lugar que parecia fora da cidade; mas não posso dizê-lo com certeza, pois Jerusalém era muito dividida por colinas; afinal vi que a casa da mãe de João Marcos não estava na própria cidade, mas isolada e fora de uma porta.

         Vi, porém, nessa casa muitos discípulos e fiéis, reunidos numa sala, rezando à luz de um candeeiro. Conservavam-se muito quietos e silenciosos, cobrindo as janelas com panos, para que a luz não fosse vista. Vi que Pedro batia na porta do átrio e que uma criada estava escutando por dentro. Quando Pedro pediu que abrisse a porta, correu ela apressadamente à sala, anunciando-o alegremente aos outros, mas esses não queriam acreditar; vi, porém, que Pedro continuava batendo e que alguns saíram para abrir; Pedro entrou e eles o abraçaram, felizes e contentes. Mas não se demorou muito; fez-lhes um sinal para ficarem quietos, contou umas coisas e saiu da casa.

          O castigo de Deus caiu pouco depois sobre Herodes. Numa festa se lhe arrebentou o ventre, num teatro, diante de todo o povo. Levaram-no a uma grande sala, onde estava o trono e onde cabiam cerca de 500 pessoas. Estava como doido de raiva e dor e tão asqueroso, que não o posso descrever. Ocultaram sua morte por algum tempo”.


            11. Outras provocações da Igreja de Jerusalém


            Tiago o Menor governava como bispo a Igreja de Jerusalém, para o qual, segundo uma velha tradição, fora eleito pelo próprio Salvador. Foi o único que ficou na cidade, pois os outros partiram para terras longínquas a fim de pregar o reino de Deus. Nasireu por causa de sua virtudes e piedade era muito estimado, não só entre os Apóstolos e discípulos, mas também entre os judeus, de modo que lhe deram o apelido de “justo”. Apesar disso, devia também morrer mártir, alguns anos depois de Tiago o Maior.

          “Vi quando o levaram, durante sete dias, de um tribunal ao outro e cada dia o maltratavam durante uma hora. Depois de o terem lançado do pináculo do Templo abaixo, apedrejaram-no ainda e afinal o mataram a pauladas”.
          Como os partidários de Tiago resistissem, levantou-se um tumulto, no qual foram mortos três discípulos, entre os quais também um filho do velho profeta Simeão.

          Depois da morte de Tiago o Menor, a Igreja de Jerusalém ficou 5 anos sem bispo. Mais tarde foi nomeado bispo Simeão, que era filho de Maria, filha de Cléofas. No entanto era a Igreja administrada por Joas, parente de Pedro. Antes da destruição de Jerusalém, pelo general romano Tito, no ano 70, Simeão saiu com os cristãos da cidade e só voltou doze anos mais tarde. No ano 87 foi crucificado, na idade de 120 anos.

          É provável que já antes de Simeão, tivesse sido martirizado em Jerusalém o santo Apóstolo Matias. A piedosa Emmerich viu-o, é verdade, duas vezes no país dos Reis Magos (Armênia), pregando a fé, mas diz depois que foi morto a pauladas na cabeça, com um longo pau, depois da morte de Tiago o Menor.

          A história eclesiástica, narra extensamente: O Apóstolo pregou o santo Evangelho, com zelo incansável, na Judéia e Galiléia, durante 33 anos. Como o número dos cristãos aumentasse dia a dia, foi levado perante o Conselho supremo e ameaçado de morte pelo Sumo Sacerdote Ananias, se não deixasse de pregar o Crucificado. Matias, porém, demonstrou que Jesus é o Filho unigênito de Deus, o Messias prometido, que ressuscitou dos mortos. Por esta corajosa profissão de fé, foi condenada pelo Sumo Sacerdote à morte por lapidação. O corpo do santo Apóstolo foi sepultado em Jerusalém. Santa Helena, porém, levou-o para Roma e deu-o a santo Agrítio, que o levou a Treves, para onde fora nomeado Bispo.

          A piedosa Emmerich teve também uma visão, em que viu os judeus, sob o reinado do imperador Juliano o Apóstolo, quando S. Cirilo era Bispo de Jerusalém, no ano 362, tentarem reedificar o Templo, para desse modo provar a falsidade da profecia de Jesus Cristo.

          “Vi que uma tempestade levou grande quantidade de cal e materiais de construção, cobrindo e obstruindo estradas inteiras. Da terra saiu fogo, destruindo as ferramentas; grandes abóbadas caíram, matando muitos homens e na roupa dos operários apareceram nódoas pretas, em forma de cruzes. Vi também alguns operários caírem numa adega, cuja abóbada ruíra e aí acharem uma grande pia de pedra, que continha muitos rolos escritos; uma voz mandou-lhes que levassem alguns destes. Esses operários foram depois socorridos e salvos, a maior parte. Aqueles rolos continham muitos documentos sobre o bom ladrão e sobre a infância de Jesus, verdade e ficção.

         Vi também, naquele tempo, uma grande cruz luminosa aparecer do Monte das Oliveiras até o Monte Calvário e muitos se converteram”.     

Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.
Ação dos apóstolos e

discípulos de Jesus entre os gentios


            Vocação dos gentios. Conversão do Centurião Cornélio (Atos 10)


         É verdade que o divino Salvador chamou primeiro o povo escolhido, os judeus, para entrar no seu reino; mas nem por isso pretendia excluir os povos gentios. É que já se deduz da vocação dos Reis Magos e de seu séqüito, vindo dos países pagãos do Oriente ao presépio de Belém e também da viagem de Jesus àqueles paises e ao Egito. Os judeus, na verdade, entregavam-se ao sonho ilusório de que só eles, com exclusão de todos os outros povos, eram destinados ao reino de Deus. Também os Apóstolos por muito tempo não conseguiram desfazer-se desta opinião errônea. Por isso o próprio Deus ensinou esta verdade a Pedro, Vigário de Jesus Cristo e Chefe da Igreja.

         Pedro estava ainda em Jope, quando um pagão piedoso, de nome Cornélio, em Cesaréia, teve a visão de um Anjo de Deus, que lhe assegurou que as suas orações e esmolas eram aceitas por Deus, e que devia mandar chamar Pedro, em Jope. Cornélio enviou dois servos e um soldado a Jope.  Quando chegaram próximo da cidade, subiu Pedro ao terraço da casa, para rezar. Como, porém, sentisse fome, viu descer do céu aberto uma grande toalha, onde se achavam toda a espécie de animais quadrúpedes e répteis da terra e aves. Uma voz alta intimou-o: “Levanta-te, Pedro, mata e come”. Pedro respondeu: “Oh! não, Senhor; nunca comi coisa alguma vil e impura”. A voz disse-lhe: “Não chames de impuro o que Deus purificou”. Três vezes se deu o mesmo. Logo depois desapareceu a visão. Enquanto Pedro ainda meditava a respeito, já perguntavam os três mensageiros, à porta da casa, se ali morava um certo Pedro. Este recebeu do Espírito de Deus a ordem: “Aí estão três homens à tua procura. Levanta-te e vai com eles sem medo; pois fui eu que os mandei”.

         Pedro fez como lhe fora mandado, e pôs-se, com alguns discípulos, a caminho de Cesaréia. Cornélio os estava esperando e tinha já reunido os parentes e amigos. Pedro disse-lhes:
         “Sabeis que é abominável para um Judeu juntar-se ou unir-se a um estrangeiro: mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chamasse vil ou imundo. Por isso vim, sem vacilar, logo que fui chamado. Pergunto, pois: Porque me chamastes?” E disse Cornélio: “Hoje fazem quatro dias que eu estava orando em minha casa, à hora nona e eis que surgiu diante de mim um homem vestido de branco e disse-me: Cornélio, a tua oração foi atendida e as tuas esmolas foram lembradas na presença de Deus. Manda, pois, alguém a Jope e faze vir um certo Simão, que tem por sobrenome Pedro e está hospedado em casa de Simão, curtidor de peles, à beira-mar”. Em conseqüência disto mandei logo te buscar e fizeste bem em vir. Agora, porém, estamos todos em tua presença, para ouvir o que o Senhor ordenou que nos dissesses.”

         Então Pedro, abrindo a boca, disse:
         “Tenho na verdade aprendido que Deus não faz acepção de pessoas; mas que em toda a nação aquele que o teme e obra o que é justo, esse lhe é aceito. Deus enviou o seu Verbo aos filhos de Israel, anunciando-lhes a paz, por meio de Jesus Cristo. (O Senhor de todos). Sabeis o que se passou por toda a Judéia, começando desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou; como Deus ungiu com o Espírito Santo e a virtude a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e sarando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com Ele. E nós somos testemunhas de tudo quanto fez na terra dos judeus e em Jerusalém; eles, porém, O mataram, pregando-O num madeiro. Mas Deus O ressuscitou ao terceiro dia e quis que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que havia previamente predestinado; a nós, que comemos e bebemos com Ele, depois que ressuscitou dentre os mortos. E mandou-nos pregar ao povo e dar testemunho de que é Ele quem por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos. DEle dão testemunho todos os profetas e todos os que nEle crêem, recebem perdão dos pecados por meio do seu Nome”. Estava Pedro ainda proferindo estas palavras, quando desceu o Espírito Santo sobre todos os que o ouviam. E espantaram-se os fiéis que eram da circuncisão e que tinham vindo com Pedro, de ver que a graça do Espírito Santo fora também derramada sobre os gentios; pois ouviam-nos falar diversas línguas e engrandecer a Deus.

            Então disse Pedro: “Porventura pode alguém recusar a água, para que sejam batizados estes que receberam o Espírito Santo, do mesmo modo que nós?” E mandou que fossem batizados em nome do Senhor Jesus Cristo. Então lhe rogaram que ficasse com eles por alguns dias.

           
            O Concílio dos Apóstolos em Jerusalém


            Alguns dos discípulos tinham vindo a Antioquia, falando ali também aos gentios e recebendo-os no seio da Igreja. Como se convertessem muitos, foi enviado lá Barnabé, da Igreja de Jerusalém. Este procurou Paulo e com ele trabalhou com tanto sucesso em Antioquia que os partidários de Jesus foram ali chamados, pela primeira vez, cristãos.
         Surgiu, porém, ali uma disputa, quando alguns, vindo da Judéia, ensinavam que a circuncisão, e com esta também a observação de toda a lei mosaica, era necessária para a salvação. Paulo e Barnabé eram contrários a essa doutrina e foram, com alguns outros, enviados pela comunidade de Antioquia a Jerusalém, para propor esta questão, de tamanha importância, aos Apóstolos e anciãos, para a decidirem. Esta foi a causa do primeiro Concílio da Igreja. Catharina Emmerich apenas nos informa que a Mãe de Jesus veio de Éfeso para assistir a este concílio e dar seus conselhos aos Apóstolos. Tiramos a narração do Concílio dos Atos dos Apóstolos, (15,4-32).

         Tendo (Paulo e Barnabé, com os companheiros) chegado a Jerusalém, foram recebidos pela Igreja e pelos Apóstolos e presbíteros, aos quais referiam quão grandes coisas Deus tinha operado neles. Mas levantaram-se alguns da seita dos fariseus que haviam abraçado a fé, dizendo: “É necessário, pois, que os gentios sejam circuncidados e também que observem a lei de Moisés”. Congregaram-se, pois, os Apóstolos e presbíteros, para examinarem este ponto. E depois de fazer a respeito um grande estudo, levantando-se Pedro, lhes disse: “Irmãos, sabeis que desde os primeiros dias ordenou Deus que da minha boca ouvissem os gentios a palavra do Evangelho e que a cressem. E Deus, que conhece os corações, declarou-se por eles, dando-lhes o Espírito Santo, como também a nós; e não fez diferença alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé os corações. Logo, porque tentais agora a Deus, impondo um jugo aos discípulos, que nem nossos pais nem nós podemos suportar? Mas cremos que pela graça do Senhor Jesus Cristo somos salvos, assim como eles também o foram”.

         Então toda a assembléia se calou e escutavam a Barnabé e Paulo, que lhes contava quão grandes milagres e prodígios fizera Deus, por intervenção deles, entre os gentios. E depois que se calaram, entrou a falar Tiago, dizendo: “Irmãos, ouvi-me. Simeão tem contado como Deus primeiro visitou os gentios, para fazer deles um povo para o seu nome. E com isto concordam as palavras dos profetas, como está escrito: Depois disto voltarei e edificarei de novo o tabernáculo de Davi, que caiu, e reparar-lhe-ei as ruínas e levantá-lo-ei, para que o resto dos homens e todas as gentes sobre as quais tem sido invocado o meu nome, busquem a Deus, diz o Senhor, que faz estas coisas. – Pelo Senhor é conhecida a sua obra desde a eternidade. Pelo que julgo que não se devem inquietar os que dentre os gentios se convertem a Deus, mas que se lhes deve somente prescrever que se abstenham das contaminações dos ídolos e da fornicação e das carnes sufocadas e do sangue. Porque Moisés, desde tempos antigos, tem em cada cidade homens que o pregam, nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”.

         Então pareceu bem aos Apóstolos e presbíteros e a toda a Igreja eleger dentre eles varões e enviá-los a Antioquia, com Paulo e Barnabé; enviaram Judas, que tinha o sobrenome de Barsabas e Silas, muito conceituados entre os irmãos e pelos quais enviaram a seguinte epístola: “Os Apóstolos e presbíteros irmãos, aos irmãos convertidos dos gentios que se acham na Antioquia e na Síria e na Cilícia, saúde. Tendo ouvido narrar que alguns que têm saído de nós, transtornando os vossos corações, vos têm perturbado com palavras, sem lhes termos mandado tal: Aprouve-nos a nós, congregados em Concílio, escolher homens e enviá-los a vós, com os nossos mui amados Barnabé e Paulo que têm exposto a vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas, que até verbalmente vos exporão as mesmas coisas. Porque pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargos do que os necessários, que são os seguintes: que vos abstenhais do que tiver sido sacrificado aos ídolos e do sangue e das carnes sufocadas e da fornicação, do que fareis bem de vos guardar. Deus seja convosco”.

         Assim enviados, foram a Antioquia e tendo congregado a multidão dos fiéis, entregaram a carta. Depois de a ter lido, se encheram de contentamento, pela consolação que lhes causou. E também Judas e Silas, como profetas que eram, consolaram com muitas palavras os irmãos e os confirmaram na fé.
        

            Fundação da Igreja de Roma por S. Pedro


         S. Pedro parece ter se dirigido, logo depois de ser libertado do cárcere de Jerusalém, para Antioquia, onde teve parte essencial na fundação daquela Igreja, que governou durante sete anos.

         A 18 de janeiro, porém, do ano 44, como narra a piedosa Emmerich, chegou Pedro a Roma, com os dois discípulos Martialis e Aplinaris e o criado Marcion. De Antioquia veio primeiro a Jerusalém, depois a Roma, passando por Nápoles e várias outras cidades. Foi recebido mui carinhosamente, com os companheiros, por Léntulo, um dos mais distintos romanos, a quem fora anunciada a sua chegada.

         Muitos romanos que haviam ido ao batismo de João, também tinham ouvido falar do Messias e dos milagres que fazia. Léntulo procurou essa gente e escutou-lhes avidamente as narrações. Cresceu-lhe tanto a saudade e o amor de Jesus, que mandou um sudário fino para trocar no Divino Mestre, no aperto da multidão e guardou-o depois com grande reverência.

         Léntulo tinha também grande desejo de pintar a figura de Jesus e por isso pedia continuamente a Pedro que lhe contasse muitas coisas sobre o Salvador. Muitas vezes tentava pintar o retrato de Jesus, mas Pedro sempre lhe dizia que ainda não lhe era semelhante. Um dia adormeceu Léntulo durante a oração e ao acordar, encontrou o retrato verdadeiro terminado milagrosamente.

         Léntulo tornou-se um dos primeiros cristãos de Roma. Pedro morava, porém, em casa de Pudens, a qual consagrou como primeira Igreja de Roma e para a qual Léntulo contribuiu com muitos donativos.

         De Roma veio Pedro a Éfeso, por ocasião da morte de Maria e na volta visitou Jerusalém. Pedro ocupou a cadeira episcopal de Roma durante 25 anos. Foi crucificado no ano 69, na idade de 99 anos.


            Viagens e trabalhos apostólicos de S. Paulo


            Quando Paulo e Barnabé trabalhavam em Antioquia, foram escolhidos pelo Espírito Santo para o apostolado entre os gentios. Sendo ordenados bispos, cumpriram depois fielmente a tarefa que lhes fora dada.

         São Paulo empreendeu três grandes viagens missionárias. A primeira fê-la com Barnabé. De Antioquia se dirigiram primeiro à ilha de Chipre, onde se converteu o governador da ilha de Pafos: Sérgio Paulo. Depois continuaram a viagem até Antioquia, na Pisídia. Mas como ali os judeus contradiziam ao que Paulo ensinava, disseram Paulo e Barnabé:

         “Éreis os primeiros a quem se devia anunciar a palavra de Deus; mas porque a rejeitais e vos Julgais indignos da vida eterna, desde já nos vamos daqui, para os gentios”.

         Alegraram-se os gentios, dos quais muitos aceitaram a palavra de Deus. Em Icônio o povo quis maltratar e prejudicar os dois missionários, que por isso fugiram para Listra. Paulo curou nessa cidade um homem que nascera coxo e o povo quis por isso os adorar como deuses; eles, porém, o impediram; mas pouco depois vieram os judeus, agitando o povo; Paulo foi apedrejado e deixaram-no como morto. No dia seguinte pôde partir com Barnabé para Derbe, donde voltaram para Listra, Icônio e Antioquia, na Pisídia.

         “Confirmaram os corações dos discípulos, exortando-os a perseverar na fé, e ensinando-lhes que por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus. Por fim, tendo-lhes ordenado em cada Igreja presbíteros e feito orações com jejum, os deixaram encomendados ao Senhor, no qual tinham crido”.

         Passando por Perge e Átila, voltaram para Antioquia, onde tinham começado a viagem e pouco depois se encaminharam para Jerusalém, a fim de tomar parte no Concílio dos Apóstolos (no ano 50), cuja decisão levaram depois à comunidade de Antioquia.

         São Paulo fez a segunda viagem acompanhado pelo discípulo Silas. Visitaram primeiro as Igrejas da Síria e Cilícia, que ficavam no caminho de Listra, onde Timóteo se lhes juntou. Dali viajaram pela Frigia, Galícia e Mísia, para Troas.
         “E à noite teve Paulo esta visão: achava-se ali em pé um homem macedônio, que lhe rogava e dizia: “Parte para a Macedônia e ajuda-nos!”

         Embarcaram, pois, sem demora, depois de Lucas se lhes ter juntado, em Troas. Em Filipos se converteu uma mulher, por nome Lídia, que comerciava em púrpura. Paulo livrou também uma escrava do demônio, pelo que foi acusado e, juntamente com Silas, açoitado e lançado no cárcere.

         “Mas à meia-noite, postos em oração, Paulo e Silas louvavam a Deus e os que estavam na prisão, os ouviam. E subitamente se sentiu um terremoto tão grande, que se moveram os fundamentos do cárcere. E abriram-se logo todas as portas e foram soltas as prisões de todos. Tendo, pois, despertado o carcereiro e vendo abertas as portas do cárcere, tirando da espada, queria matar-se, achando que tinham fugido os presos. Mas Paulo bradou-lhe em voz forte: “Não te faças mal algum porque todos nós aqui estamos”. Então, tendo pedido luz, entrou lá dentro o carcereiro e, todo tremendo, se lançou aos pés de Paulo e Silas e tirando-os para fora, disse-lhes: “Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar”? E eles disseram: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua família”. E pregaram-lhe a palavra do Senhor e a todos de casa. E tomando-os naquela mesma hora da noite, o carcereiro lavou-lhes as chagas e imediatamente foi batizado, com toda a família. (Cap. 16, 25-33).

         Posto em liberdade, dirigiu-se Paulo à Tessalônica, anunciando Jesus, ressuscitado dos mortos; mas, prevendo uma perseguição, logo que chegou a noite continuaram a viagem e foram a Beréa. Como também ali os judeus agitassem contra eles o povo, Paulo deixou nessa cidade Silas e Timóteo, encaminhando-se para Atenas. Ali, em pé no meio do areópago, anunciou aos filósofos gentios o Deus desconhecido:

         “Homens atenienses, em tudo e por tudo vos vejo um pouco excessivos no culto da vossa religião. Pois passando e vendo os vossos ídolos, achei também um altar, em que estava escrito: Ao Deus desconhecido. Pois esse Deus que adorais sem o conhecer, é de fato O que vos anuncio. Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos pelos homens, nem é servido por mãos de homens, como se necessitasse de alguma criatura, quando Ele mesmo é o que dá a todos a vida e a respiração e todas as coisas. Ele fez de um só casal todo o gênero humano, para que se espalhasse por toda a face da terra e regulou e determinou a ordem dos tempos e os limites da existência humana, para que os homens buscassem a Deus, se porventura o pudessem tocar ou achar, ainda que não esteja longe de cada um de nós. Pois nEle vivemos e nos movemos e existimos, como ainda disseram alguns dos vossos poetas: porque somos também de sua linhagem. Sendo, pois, linhagem de Deus, não devemos pensar que a Divindade seja semelhante ao outro ou à prata ou à pedra lavrada por arte e indústria do homem. Deus, dissimulando por certo os tempos desta ignorância, comunica agora aos homens que todos, em todo o lugar, façam penitência. Pois determinou um dia em que há de julgar o mundo, conforme a justiça, por aquele Homem que destinou para juiz, do que dá certeza a todos, ressuscitando-O dentre os mortos”.

         Ouvindo-o porém, falar da ressurreição dos mortos, uns faziam zombaria e outros disseram: “Outra vez te ouviremos sobre este assunto”. Assim se retirou Paulo. Todavia, alguns homens, agregando-se-lhe, abraçaram a fé; entre estes não foi só Dionísio, areopagita, mas também uma mulher por nome Damaris e com eles, outros. (Cap. 17, 22-34.)

         Paulo partiu de Atenas e chegou a Corinto, onde procurou primeiro converter os judeus e depois os gregos à fé de Jesus Cristo. Converteu-se aí Crispo, que era o príncipe da sinagoga. Depois de uma estadia de um ano e meio em Corinto, voltou a Antioquia, passando por Éfeso, Cesaréa e Jerusalém.

         Ali pouco tempo apenas se demorou o Apóstolo, partindo depois para a terceira viagem apostólica. Atravessando primeiro a Galácia e Frigia, chegou a Éfeso, de onde foi à Acaia, na Grécia e passando por Corinto, voltou a Éfeso, onde passou mais de dois anos, pregando e fazendo muitos milagres.

         “E muitos do que tinham crido, vinham confessando e anunciando as suas obras. Muitos também dos que tinham seguido as artes vãs, trouxeram os livros e ajuntando-os, queimaram-nos diante de todos; e calculando-lhes o valor, acharam que montava a cinqüenta mil dinheiros. Deste modo a palavra de Deus crescia muito e tomava novas forças”. (Cap. 19, 18-20).

         Como, porém, o culto da deusa Diana cada vez mais diminuísse, o ouvires de prata, Demétrio, amotinou o povo contra o Apóstolo, que por isso partiu para a Macedônia e Grécia, voltando dali a Trôade, onde ressuscitou dos mortos o mancebo Euticho. Chegando a Mileto, fez diante dos bispos da Ásia Menor um belo sermão de despedida, no qual disse:

         “E agora, eis que, levado pelo Espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me há de acontecer, senão o que o Espírito Santo me assegura por todas as cidades, dizendo que me esperam em Jerusalém prisões e tribulações. Nada disto, porém, temo nem considero a minha própria vida mais preciosa do que eu mesmo, contanto que acabe a minha carreira e o ministério da palavra, que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do Evangelho da graça de Deus... Tende cuidado convosco e com todo o rebanho de que o Espírito vos constituiu bispos, para governardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com seu próprio sangue. Porque sei que depois da minha partida hão de penetrar entre vós lobos arrebatadores, que não pouparão o rebanho”. (Cap. 20, 22-29).

         Partindo de Mileto, viajou Paulo, por Chipre e Tiro, para Jerusalém. Mas quando estava no templo, amotinaram o povo. Lançaram-lhe as mãos e, arrastando o para fora, tê-lo-iam matado, se não fosse o comandante romano, Lísias, que o arrebatou das mãos do povo. O Apóstolo defendeu-se em seguida diante do Conselho Supremo e foi depois retirado de novo do tumulto pelos soldados e levado à Torre Antônia. Mais de quarenta judeus fizeram, porém, o juramento que não haviam de comer nem beber, enquanto não matassem Paulo. Mas Lísias, tendo-o sabido, mandou levá-lo, com uma escolta militar, para Cesaréia e entregá-lo ao governador Félix, que o guardou dois anos preso. Paulo defendeu-se também diante de Festo, sucessor de Félix, como também diante do rei Agripa. Mas, sendo cidadão romano, apelou para o imperador e foi assim enviado a Roma. Viajando no alto mar, desencadeou-se um furioso temporal, pondo-lhes o navio e a vida em perigo, durante 13 dias, como Paulo mesmo predissera. Próximo da ilha de Malta se despedaçou o navio de encontro a um rochedo, mas todos os passageiros chegaram são e salvos à praia. O Apóstolo curou o homem mais eminente da ilha, de nome Público; e, tendo-o mordido uma víbora, nada sofreu. No fim de três meses, se puseram de nova em viagem. Em Roma a prisão de Paulo era pouco rigorosa e ele pôde até converter algumas pessoas da corte de César. É provável que ainda fizesse uma viagem apostólica à Espanha e depois à Ásia Menor e à Grécia.

         Depois de ter estado nove meses no cárcere Mamertino, o incansável Apóstolo foi degolado, fora da cidade de Roma, na estrada de Óstia, a 29 de Junho de 67 (segundo Catharina Emmerich). Narra-nos a tradição que a santa cabeça, depois de cortada pelo carrasco, ainda saltou três vezes e onde tocou no chão, nasceu uma fonte. Hoje ainda existem essas três fontes, na Igreja de Tre Fontane.

         S. Paulo mereceu, com toda a justiça, o nome de Apóstolo dos gentios, pelos seus trabalhos apostólicos em tantos países pagãos. As quatorze Epístolas que escreveu, reconhecidas pela Igreja, cheias de sublimes doutrinas da fé, continuam-lhe o apostolado até o fim dos séculos. O zelo pela glória do nome de Jesus, na salvação das almas, manifesta-se-lhe nas palavras: “Fiz-me tudo para todos, para salvar todos”. (1 Cor. 9,22) E chega ao apogeu nesta exclamação: “Desejara até ser anátema por Cristo, por amor de meus irmãos”. (Rom. 9,3) Toda a chama de amor se lhe patenteia, porém, na mesma carta aos romanos (8, 35): “Quem nos separará, pois, do amor de Cristo? Será a tribulação? Ou a angustia? Ou a fome? Ou a nudez? Ou o perigo? Ou a perseguição? Ou a espada?... Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem as coisas presentes, nem as futuras... nem criatura alguma nos poderá apartar do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, Senhor nosso”. O Apóstolo mostrou esse amor a Jesus também pela ação, sofrendo pelo nome de Jesus muitíssimas dores e tribulações, de que ele mesmo escreve:

         “Dos Judeus recebi cinco quarentenas de açoites, menos um; três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes naufraguei, uma noite e um dia estive no fundo do mar; em jornadas, muitas vezes me vi em perigo de rios, em perigo de ladrões, em perigo dos da minha nação, em perigo dos gentios, em perigo da cidade, em perigo do deserto, em perigo no mar, em perigo entre falsos irmãos; em trabalho e fadiga, em muitas vigílias, com fome e sede, em muitos jejuns, em frio e desnudez; fora estes males, que são exteriores, me combatem as minhas ocorrências de cada dia, o cuidado que tenho de todas as Igrejas”. (2Cor. 11, 24-28).

         Em todas as tribulações S. Paulo não carecia de consolações celestiais, de modo que podia dizer: “Nado em alegria em toda a minha tribulação”. (2 Cor, 7,4). Depois de tantos trabalhos e lutas, cheios de sacrifícios, pôde, com todo o direito, escrever: “Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé. Quanto ao mais, me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia”. (2 Tim. 4, 7-8).


            Santo André, Apóstolo da Grécia


            Depois da divisão dos Apóstolos, S. André trabalhou primeiro na Scítia, depois no Epiro e na Trácia e finalmente na região da Acácia, na Grécia. Dali foi chamando por uma visão para junto do Apóstolo Mateus, que estava preso, com outros discípulos e sessenta cristãos, numa cidade da Etiópia. Os pagãos tinham-lhe derramado veneno nos olhos, o que lhe causava dores horríveis. André apressou-se a chegar junto de Mateus e curou-o, livrando-o, com os companheiros, da prisão. Pregou também o Evangelho nessa cidade, até que foi preso por gente amotinada e arrastado pela cidade, com os pés amarrados. André, porém, rezava pelos carrascos, que por isso ficaram tão comovidos, que lhe pediram perdão e se converteram.

         Depois voltou para a Acaia, onde curou um possesso cego e ressuscitou um menino. Viajou também para Nicéia, ordenando um bispo nessa cidade. Na Nicomédia ressuscitou outro rapaz e aplacou uma tempestade no Helesponto. Uma vez que foi ameaçado pelos Trácios selvagens, ficaram estes assustados com uma luz resplandecente do céu e prostraram-se por terra. Outra vez foi atirado às feras, mas ficou ileso.

Foi em Patras, cidade da Acaia, que o Apóstolo sofreu o martírio; por ter confessado com grande franqueza a fé diante do procônsul Egéas, mandou este que o lançassem no cárcere. O povo, que lhe era muito afeiçoado, queria libertá-lo; ele, porém, pediu que lhe não impedissem de alcançar á tão almejada coroa do martírio. O juiz condenou-o à morte na cruz. Ao ver de longe a cruz, André exclamou: “Ó boa cruz, há tanto tempo almejada, tão ardentemente amada e sem cessar procurada! Tira-me de junto dos homens e restitui-me ao meu Mestre, para que por ti me receba, quem por ti me remiu”. Por dois dias esteve suspenso vivo, na cruz, pregando ao povo a fé de Jesus Cristo. A piedosa Emmerich viu-o morrer, rodeado de Anjos, sendo o corpo embalsamado por Maxila, tia de Saturnino. Segundo a serva de Deus, teve lugar a morte de Santo André no ano 93.


            S. Tiago o Maior, Apóstolo da Espanha

            Partindo de Jerusalém, Tiago o Maior dirigiu-se, pelas ilhas gregas e pela Sicília, à Espanha, onde desembarcou em Gades. Como ali não fosse bem recebido, mudou-se para outra cidade. Mas também não foi tratado melhor, prenderam-no e teria sido morto, se um Anjo não o tivesse livrado milagrosamente. Deixou na Espanha cerca de sete discípulos e, acompanhado de dois outros, voltou por Massília, no sul da França, a Roma.

         Mas voltou depois à Espanha, dirigindo-se de Guedes, por Toledo, a Zaragoza.

         “Ali, diz Catharina Emmerich, se converteu muita gente, ruas inteiras creram no Senhor, com exceção apenas dos que ainda aderiam ao paganismo. Vi Tiago correr também muitos perigos. Soltavam contra ele víboras, as quais tomava tranqüilamente nas mãos e não lhe faziam mal, mas viravam-se contra os idólatras que o cercavam, e estes, vendo o milagre, começavam a temê-lo. Vi também que em Granada, onde apenas começara a pregar, foi preso com todos os discípulos e cristãos. Tiago invocou no coração o socorro e a proteção da Santíssima Virgem, que nesse tempo ainda vivia em Jerusalém e Maria salvou-o, com todos os seus discípulos, por intermédio de Anjos. A Virgem Santíssima mandou-lhe por um Anjo a ordem de ir à Galícia, pregar ali a fé e depois voltar.

         Vi Tiago, após a volta, em grandes tribulações, por causa de uma iminente perseguição e provação da comunidade cristã de Zaragoza. Rezava numa noite à beira do rio, fora dos muros da cidade, junto com alguns discípulos, pedindo a Deus conselho, se devia ficar ou fugir. Lembrou-se também da Santíssima Virgem e suplicou-Lhe que o ajudasse a pedir luzes e auxílio do Filho, que certamente não lhe negaria. Então vi subitamente aparecer por cima do Apóstolo um esplendor no céu e Anjos que entoavam um magnífico canto e transportavam uma coluna resplandecente, que da base projetava um raio fino de luz sobre um lugar, alguns passos distante de Tiago, como para indicar esse ponto. A coluna tinha um brilho vermelho, era atravessada por muitas veias, muito alta e delgada, terminando em cima como um lírio, que se abre em línguas de luz, das quais uma raiava longe, em direção a Compostela, a oeste, as outras, porém, para as regiões próximas. Nessa flor de luz, vi a figura da Santíssima Virgem em pé, como sempre ficava em vida na terra, durante a oração, toda branca e transparente, com um brilho mais belo e suave que o da seda branca. Estava de mãos postas, uma parte do longo véu cobria-lhe a cabeça, a outra parte, porém, envolvia-a até os pés, de modo que com os pés delicados e pequenos estava sobre as cinco pétalas da flor da luz. Era um quadro indizivelmente doce e belo. Vi que Tiago, orando de joelhos, levantou os olhos e recebeu interiormente de Maria a ordem de, sem demora, construir nesse lugar um templo, em que a intercessão de Maria se firmasse como uma coluna. Ao mesmo tempo lhe anunciou a Virgem Santíssima que, depois de acabar a construção da Igreja, devia ir a Jerusalém, Tiago levantou-se, chamou os discípulos, que já tinham visto a luz e correram para junto dele e comunicou-lhes a aparição milagrosa e todos seguiam com os olhos o esplendor que ia desaparecendo.

         Tendo executado em Zaragoza a ordem de Maria, Tiago constituiu uma comissão de doze discípulos, entre os quais também homens doutos, que deviam continuar a obra, que começara com tantas dificuldades e tribulações.

         Em seguida partiu de Espanha para Jerusalém, como lhe ordenara a Virgem. Nessa viagem visitou em Éfeso Maria, que lhe predisse a morte próxima, em Jerusalém, consolando e confortando-o. Tiago despediu-se de Maria e do irmão e continuou a viagem para Jerusalém, onde foi decapitado.

         O corpo do Apóstolo esteve algum tempo num sepulcro perto de Jerusalém. Quando, porém, se levantou uma nova perseguição, levaram-no alguns discípulos, entre os quais José de Arimatéia e Saturnino, para a Espanha. Mas a perversa rainha Lupa, que já antes perseguira S. Tiago, não quis permitir que o sepultassem ali.
         “Os discípulos tinham posto o santo corpo sobre uma pedra, que sob ele formou então uma cavidade, como um sepulcro. Sucedeu também que outros cadáveres, sepultados ao lado, foram lançados fora da terra. Lupa acusou os discípulos perante o rei, que os mandou prender; mas escaparam milagrosamente e o rei que os perseguia com cavalaria, passou sobre uma ponte, que desabou, morrendo ele com todos os companheiros. Lupa assustou-se tanto com esse fato, que mandou dizer aos discípulos que prendessem e atrelassem touros bravos num carro; onde estes levassem o corpo, ali poderiam construir uma Igreja. Esperava que os touros bravos destruíssem tudo. Um dragão opôs-se na região deserta aos discípulos, mas morreu fulminado, quando fizeram o sinal da cruz; os touros bravos, porém, tornaram-se mansos, deixaram-se atrelar ao carro e levaram o santo corpo ao castelo de Lupa. Ali então foi sepultado e o castelo transformado em Igreja, pois lupa converteu-se, confessando a fé cristã, com todo o povo”.

         No sepulcro do santo Apóstolo aconteceram muitos milagres. Mais tarde lhe foram transferidos os ossos para Compostela, que se tornou um dos mais afamados lugares de peregrinação. S. Tiago pregou cerca de quatro anos na Espanha.


            São João Evangelista em Roma e na Ásia Menor


            Os cristãos podiam viver em Éfeso, sem ser incomodados; todavia era João guardado por algum tempo como preso. Podia, porém, sair, acompanhado por dois soldados; e visitava muitas vezes gente boa. Uma vez se encontrou, num tal passeio, com um grupo de estudantes, cujo professor falara contra João. Como o Apóstolo tinha pregado o desprezo das riquezas terrestres, compraram ouro e pedras preciosas, que quebraram em pedaços, espalhando-os por escárnio no caminho de João; queriam mostrar-lhe que os pagãos podiam também desprezar a riqueza, sem por isso serem necessariamente cristãos. João, porém, disse-lhes que isso era desperdício, mas não a virtude do desapego. Um dos rapazes desafiou-o então a apanhar os pedaços das pedras e restaurar-lhes a forma anterior, que creriam no seu Deus. João disse-lhes que as apanhassem e lhas trouxessem. Assim fizeram; João rezou e restituiu-lhes então tudo em estado perfeito. Prostraram-se então os jovens diante dele, deram as jóias aos pobres e tornaram-se cristãos.

         “Dois dos que tinham dado os bens aos pobres e seguido a João, conta Catharina Emmerich, vendo os escravos bem vestidos, arrependeram-se de ter seguido a Cristo. Vi João apanhar ramos do mato e pedras na praia do mar, convertendo-os pela oração em varas de ouro e pedras preciosas e, dando-lhes, disse que comprassem de novo as riquezas.

         Estava ainda a repreendê-los por causa da queda, quando passou diante deles o cadáver de um jovem e muita gente que o transportava; imploraram, chorando, ao Apóstolo que lhe restituísse a vida. Orando, ressuscitou-o e mandou-lhe dizer aos discípulos irresolutos o que sabia do estado de suas almas. O ressuscitado falou-lhes do outro mundo, exortando-os a fazer penitência. Arrependeram-se então os jovens e o Apóstolo mandou-os jejuar, recebendo-os depois novamente na Igreja; o ouro, porém, tornou-se de novo em ramos e as pedras preciosas converteram-se novamente nas pedras anteriores e foram lançadas no mar.

         Vi que muitos se converteram e que João foi preso. Um sacerdote dos ídolos disse que creria em Jesus e o libertaria, se João bebesse um cálice de veneno, sem morrer. Fizeram-no conduzir a um largo, perante o juiz e grande multidão de homens. Vi também que dois condenados à morte foram forçados a beber o veneno e caíram mortos em pouco tempo. João rezou e pronunciou algumas palavras sobre o cálice. Então saiu deste um negro vapor e uma luz desceu sobre ele. João bebeu tranqüilamente e o veneno não lhe fez mal algum. O sacerdote pagão exigiu ainda que João ressuscitasse os dois mortos. O Apóstolo deu-lhe o manto para o estender sobre os mortos e disse-lhes o que devia dizer então. Feito isso, levantaram-se os dois mortos; à vista deste milagre, quase toda a cidade se converteu e deram liberdade a João.

         Vi também desabar um templo em Éfeso, quando queriam obrigar João a sacrificar aos ídolos. Era como se uma tempestade caísse sobre o templo; ruiu o teto, poeira e vapor saiam de todas as aberturas e os ídolos fundiram-se.

         Um judeu convertido, que ainda era catecúmeno, caiu na ausência de João, em grande pobreza e dívidas e era por isso muito perseguido. Então lhe disse um judeu maldoso que tomasse veneno, pois teria de ficar até à morte no cárcere dos devedores insolventes. Vi então o pobre homem, cheio de angústia, beber três vezes uma taça de bronze, cheia de veneno, mas como S. João lhe tivesse ensinado a fazer o sinal da cruz sobre tudo quanto comesse ou bebesse, o veneno não lhe fez mal, apesar de querer envenenar-se. Nesse ínterim voltou João àquele lugar. O homem confessou-lhe o ato que praticara e, repreendido, reconheceu o crime, manifestando grande arrependimento. João fez o sinal da cruz sobre a taça de veneno, a qual se converteu em ouro e mandou-lhe pagar com isso as dividas. Esse homem tornou-se discípulo de João e bispo daquela cidade onde João achou o menino que mais tarde encontrou como membro de um bando de bandidos.

         João achou-o apascentando um rebanho fora da cidade. Conversando com o menino, conheceu-lhe os bons talentos, apesar de grande falta de educação. Mandou que chamasse os pais, dos quais João pediu e recebeu o menino, para o educar. Tinha este 10 anos de idade, João levou-o ao bispo de Beréa, para o educar e disse a este que mais tarde viria pedi-lo. No principio tudo ia bem; depois se descuidaram do menino, que afinal se juntou a uma quadrilha de salteadores. Quando João, na volta, perguntou pelo menino, soube que se achava nas montanhas, entre os salteadores. Então montou num jumento e seguiu para lá. Era já idoso e o caminho da montanha muito íngreme. Tendo achado o moço, suplicou-lhe de joelhos que se convertesse. O jovem tinha então cerca de vinte anos. João levou-o consigo, depôs o bispo e impôs uma penitência ao moço, que se tornou mais tarde também bispo.

         O bispo demitido era, aliás, um homem bom, mas faltara ao dever para com o moço. Ficara apenas seis anos bispo; era mais o vigário geral de João. Chama-se Áquila e morreu de morreu de morte natural. Oh! Como chorou, ajoelhando-se diante de João, quando este o repreendeu pelo descuido!

         Quando João foi atirado no óleo fervente, tinha ensinado na Itália, onde fora também preso. De Pátmos, onde era muito benquisto e tinha convertido muitos, viajava ás vezes, com os guardas, mesmo até Éfeso. As revelações do Apocalipse, não as recebeu de uma só vez, nem as escreveu ao mesmo tempo, mas com intervalo; somente três anos antes da morte foi que escreveu o Evangelho, no Interior da Ásia. – Tive várias visões do martírio deste Apóstolo, em Roma. Vi-o num pátio circular, cercado de um muro simples, onde o despiram e açoitaram; estava já muito velho, mas ainda tinha um aspecto delicado e juvenil. Vi-o também conduzido por uma porta para fora da cidade a um largo vasto e circular, onde havia uma caldeira alta e um pouco estreita, colocada sobre um fogão circular de pedra, o qual tinham aberturas embaixo, para entrar o ar. João vestia um manto largo, abotoado no peito, quase como o Senhor, quando foi escarnecido depois da coroação de espinhos. Havia em roda muita gente a olhá-lo. Tiraram-lhe o manto e vi o corpo sangrento pela flagelação. Dois homens levantaram João, que subia também. O óleo estava fervendo; embaixo faziam fogo com lenha curta, de cor escura, que traziam em feixes. Tendo João estado dentro da caldeira por algum tempo, sem sinal de dor ou queimaduras, tiraram-no; todo o corpo conservava-se ileso e renovado, pois todas as feridas feitas pelos açoites, tinham-se curado. Muita gente que o viu, precipitou-se para a caldeira, sem medo, enchendo pequenos jarros com óleo e eu ficava admirada de que não se queimassem. João, porém, foi reconduzido à cidade.

         De Roma veio João de novo a Éfeso vivendo ali alguns dias escondido. Só de noite visitava as moradas dos cristãos e também celebrou o santo sacrifício em casa de Maria. Depois mudou, com alguns discípulos, para Kedar, onde três anos antes da morte escreveu o Evangelho, na solidão. Os discípulos não estavam presentes quando escrevia; moravam um pouco afastados e só de vez em quando iam levar-lhe alimento. Vi que escrevia deitado sob uma árvore e que, quando chovia, em cima do Apóstolo permanecia o céu claro e não o molhava. Viveu ali mais tempo, ensinando também e convertendo muita gente nas cidades. De lá voltou novamente a Éfeso.

         Os partidários principais dos reis Magos, depois de recebido o batismo das mãos se São Tomé, dirigiram-se à Ilha de Creta; o resto espalhara-se por outras regiões. São Tomé instituíra na Arábia vários bispos, pertencentes às tribos dos Reis Magos. Estes bispos não conseguiram mais governar os fiéis da região, os quais sempre recaiam na idolatria. Por isso escreveram a São João, que lhes mandasse dois discípulos, ambos irmãos de Fidélis, os quais receberam no batismo os nomes de Macário e Caio e já eram homens. Esses, porém, tanto tempo lho pediram, que afinal, embora em idade avançada, fez essa viagem. Moravam ainda mais longe do que o acampamento do Mensor. Vi João num lugar onde habitavam os caldeus, que possuíam no seu templo o jardim fechado de Maria. O templo não existia mais; tinham uma Igreja pequena, em forma da casa de Maria em Éfeso, com terraço, como tenho visto todas as Igrejas nos primeiros tempos do cristianismo.

         Ali se reuniram também os bispos, pedindo a João que escrevesse a vida de Jesus, pois que lhe contariam tudo quanto sabiam. Disse-lhes, porém, o Apóstolo que já tinha escrito a vida de Jesus e tudo quanto podia escrever de sua Divindade neste mundo; que, enquanto escrevera, quase sempre havia estado no céu, não podia escrever mais outra coisa. Disse-lhes que um dos discípulos que acompanhara Jesus, de nome Eremenzear, mais tarde chamado Hermes, tinha escrito a respeito; Macário e Caio deviam completá-lo. Vi também que estes assim fizeram e que a obra de Macário se perdeu, mas a de Caio ainda existe. João partiu dali para Jerusalém, depois para Roma, donde voltou para Éfeso.

         Tive também uma bela visão da morte de São João. Estava já muito velho, mas tinha o rosto ainda belo, delicado e juvenil. Vi-o partir e distribuir o pão divino creio que por três dias em seguida, numa Igreja de Éfeso. Lembro-me que Jesus lhe tinha aparecido, anunciando-lhe a morte; recordo-me só obscuramente, mas vi muitas vezes Jesus lhe aparecer. Depois o vi ensinar ao ar livre, sob uma árvore, fora da cidade, rodeado pelos discípulos; dirigiu-se em seguida, acompanhado apenas por dois discípulos, a um belo lugar num bosque, atrás de uma pequena colina. Havia ali uma linda relva e podia-se ver o mar azul no horizonte. Mostrou-lhes uma coisa no chão; era que deviam cavar ou acabar-lhe a cova. Creio que era para acabar, pois pouco depois tudo estava tão bem preparado, que o trabalho principal devia ter sido feito já anteriormente. As pás ainda estavam lá.

         Vi-o voltar para junto dos outros, ensinando-lhe com amor, rezando e exortando-os a se amarem uns aos outros. Os dois voltaram também e um deles disse: “Ai! meu Pai, cremos que nos quereis abandonar”. Comprimiam-se-lhes todos em roda e prostravam-se por terra, chorando; João exortou-os, rezou e abençoou-os. Depois mandou que ficassem ali; e acompanhado por cinco dentre os discípulos, foi ao lugar do sepulcro, que não era muito profundo, mas bem revestido de relva; tinha uma tampa de vime e sobre esta puseram depois, se bem me lembro, relva e uma pedra.

         João, em pé à beira da cova, rezou com os braços estendidos; depois colocou dentro o manto, entrou e, sentando-se, ainda rezava. E veio-lhe um grande esplendor, enquanto ainda falava; os discípulos estavam prostrados por terra, chorando e rezando. Vi depois uma coisa maravilhosa: Quando João caiu vagarosamente deitado e expirou, vi no esplendor que o encimava, uma figura resplandecente, semelhante a ele, sair-lhe do corpo, como de um invólucro grosseiro e desaparecer com a luz. Depois vi também os outros discípulos, que se aproximavam e se prostravam em roda do sepulcro, sobre o corpo sagrado, que foi coberto em seguida.

         Vi também que o corpo do Apóstolo não está mais na terra, mas entre norte e leste, num lugar resplandecente com o sol; vi que lá era como um intermediário, recebendo alguma coisa de cima e levando-a para baixo. Vi esse lugar como ainda pertencente à terra, mas elevado acima dela e inacessível”.


            Viagens apostólicas e trabalhos de São Tomé, principalmente na Índia


            Havia cerca de três anos depois da morte de Jesus, quando Tomé, com o Apóstolo Tadeu e quatro discípulos, partiu para o país dos Reis Magos. Batizou os dois reis, já muito idosos, Mensor e Teokeno e pouco a pouco foram batizados todos os habitantes do país.

         Tomé enviou Tadeu, com uma carta, ao rei Abgar, para o curar; soubera, por uma revelação divina, da enfermidade do rei.
         “Por todo o caminho, conta a piedosa Emmerich fazia Tomé grandes milagres, instituía catequistas e deixava também um discípulo. Continuou a viagem até a Báctria. Foi também ao extremo norte, além da China, onde começa o território da Rússia, entre tribos muito selvagens. Na Báctria e entre os povos que seguem a doutrina de Zoroastro, teve muito bom êxito. Chegou também ao Tibet.

         Mais tarde vi São Tomé, não só na Índia, mas também numa ilha, entre gente de cor e também no Japão; ouvi-lhe também profecias sobre a sorte futura da religião nesse último país.

         Tomé tinha pouca vontade de ir para a Índia. Antes de partir para lá, teve muitos sonhos, nos quais construía belos e grandes palácios na Índia. Não o compreendia a princípio, não dando importância a esses sonhos, porque nada sabia de arquitetura. Mas continuavam a repetir-se tais avisos interiores, de ir à Índia para converter muitos homens e ganhar muitas almas, porque isso significaria a construção dos grandes palácios. Aconselhou-se com Pedro, que o exortou a partir para a Índia. Então seguiu ao longo do Mar Vermelho e passou também pela Ilha de Socotora, onde ensinou, mas não por muito tempo.

         Foi a segunda cidade da Índia onde Tomé chegou, encontrando o povo a preparar-se para uma grande festa. Ensinou e curou enfermos; o rei e muito povo o escutavam. Foram tantos os que lhe aderiram, que um jovem sacerdote dos falsos deuses lhe criou um profundo ódio e uma vez, durante o sermão, lhe bateu no rosto. Tomé, porém, permaneceu calmo e humilde e, agradecendo-lhe, ofereceu também a outra face. Vendo-o, o rei e todo o povo ficaram muito comovidos, estimando depois Tomé como um homem muito santo; o sacerdote idólatra converteu-se. A mão tinha-se-lhe coberto inteiramente de lepra. Tomé, porém, curou-a e o jovem convertido se tornou o mais fiel dos discípulos.

         Tomé converteu também a filha do rei e o marido, que era possesso de um demônio; depois saiu da região, continuando a viagem mais para leste. Tendo a filha do rei dado à luz um filho, ela e o marido fizeram voto de castidade, dando todos os bens aos pobres. O pai indignou-se muito e afirmou que Tomé era feiticeiro; mas a filha e o genro perseveraram no seu propósito e propagavam por toda a parte a doutrina singela de Jesus Cristo, como a tinham recebido, convertendo muitos. O próprio pai afinal ficou comovido e mandou um mensageiro a Tomé, pedindo-lhe para voltar. O Apóstolo voltou, pois, na despedida lhes dissera: “Em pouco tempo nos tornaremos a ver”. O rei e uma grande multidão de povo pediram o batismo e o próprio rei tornou-se mais tarde diácono e foi juntar-se aos seis Magos. Tendo ainda a lembrança vaga de que se tornou sacerdote e o filho construiu uma igreja.

         Vi Tomé numa outra cidade, à beira do mar e notei que tencionava deixar a Índia; creio que não era longe da região, onde mais tarde pregou São Francisco Xavier. Apareceu-lhe, porém, Jesus, que o mandou viajar para o interior da Índia. Tomé não queria, por habitar ali um povo muito selvagem; então lhe apareceu Jesus, pela segunda vez, dizendo-lhe que lhe estava fugindo diante dos olhos, como Jonas; que fosse para lá, pois não o abandonaria; grandes prodígios se fariam por suas mãos. No dia do juízo Tomé havia de estar a seu lado, como testemunha de quanto Ele fizera pelos homens.

         Vi São Tomé, caminhando com muito povo, curando enfermos, expulsando demônios e batizando numa fonte. Veio vê-lo também um homem muito distinto, douto e piedoso, que sempre estava estudando nos livros e se tornou zeloso discípulo do Apóstolo. Esse homem tinha uma sobrinha, casada com um parente do rei. Era extremamente bela e riquíssima. Tendo ouvido falar dos milagres de Tomé, sentia grande desejo de ouvir-lhe a doutrina. Passando através do povo, até chegar junto dele, prostrou-se-lhe aos pés e pediu-lhe que lhe ensinasse. Tomé ensinou-lhe e abençoou-a; a moça ficou muito comovida, chorava, rezava e jejuava dia e noite. O marido, que a amava muito, tornou-se muito triste e procurava distraí-la. Ela, porém, lhe pediu que a deixasse ainda algum tempo recolhida. Ia diariamente à doutrina de Tomé e tornou-se zelosa cristã. O marido, zangado, apresentou-se em vestes de luto ao rei, acusando Tomé. Tendo levado o Apóstolo amarrado ao rei, este o mandou açoitar e encarcerar. Foi o primeiro martírio de São Tomé, em todas as suas viagens; ele, porém, louvava a Deus.

         A mulher convertida cortou o cabelo, chorava e rezava, deu tudo aos pobres e não usava mais enfeites. De noite, na ausência do marido, subornava os guardas e ia com outros ao cárcere, para ouvir a doutrina de Tomé. Levava consigo a ama de leite e pediram o batismo. Tomé mandou preparar tudo em casa para o batismo, e saindo do cárcere, foi à casa das recém-convertidas e batizou-as, com muitos outros. Os guardas dormiam, por efeito da Providência Divina e Tomé voltou ao cárcere.
         Como, porém, até da família real alguns mudassem de vida e seguissem a doutrina do Apóstolo, mandou o rei trazê-lo à sua presença e como Tomé lhe explicasse a doutrina, sem que o rei quisesse crer, propôs-lhe o Apóstolo pedir a Deus um sinal de que ele dizia a verdade. Então mandou o rei colocar-lhe em frente lanças em brasas e Tomé andou sobre as mesmas sem se queimar; no lugar onde foram colocadas, nasceu uma fonte. Tomé narrou também ao rei o que anunciava em toda a parte; que tinha visto, durante três anos, os milagres feitos por Jesus e contudo tinha duvidado muitas vezes; que agora cria e era obrigado a propagar a verdade entre os infiéis.

         Acusava-se sempre de seu pecado. O rei mandou ainda aquecer uma sala de banho, para o fechar lá dentro e fazê-lo morrer pelo vapor quente; mas era impossível aquecê-la e havia dentro só ar. Depois quis forçá-lo a sacrificar aos ídolos e Tomé disse: “Se Jesus não quebrar os teus ídolos, então sacrificarei”.
         Então prepararam uma grande festa e dirigiram-se com pompa ao templo. O ídolo, colocado num carro, era todo de ouro. Mas, à oração de Tomé, caiu como fogo do céu, fundiu o ídolo e muitos outros ídolos caíram. Levantou-se um grande tumulto entre o povo e os sacerdotes dos ídolos e Tomé foi novamente lançado no cárcere.

            Deste cárcere foi libertado como Pedro, dirigindo-se a uma ilha, onde ficou longo tempo. Deixou catequistas nesse país e partiu para o Japão, onde se demorou meio ano. Depois que voltou, converteram-se ainda muitas pessoas da família real. Os sacerdotes idolatras guardavam-lhe veemente ódio. Um deles tinha um filho enfermo e pediu a Tomé que o curasse; depois, porém, estrangulou o filho, acusando Tomé do assassínio. Este, entretanto, mandou trazer o cadáver e ordenou-lhe, em nome de Jesus, que dissesse quem o matara. O cadáver levantou-se e disse: “Foi meu pai”. Em conseqüência deste milagre se converteram ainda muitos.

         Vi que Tomé costumava rezar fora da cidade, à grande distância do mar, ajoelhado sobre uma pedra, a qual conservava as impressões dos joelhos. Um dia predisse que, se o mar, que estava muito distante, chegasse até aquela pedra, viria um homem de uma terra longínqua, para pregar a doutrina de Jesus. Então eu não podia imaginar como o mar pudesse chegar até ali. Mas nesse lugar foi erigida uma cruz de pedras por Francisco Xavier, quando desembarcou.

         Vi S. Tomé, de joelhos sobre essa pedra, rezando em êxtase; aproximaram-se traiçoeiramente sacerdotes idólatras, que o atravessaram com uma lança. O corpo do Apóstolo foi transportado para Odessa, onde ainda tenho visto celebrarem-lhe a festa. No lugar em que morreu, ficou-lhe, porém, uma costela e a lança que o transpassou. Ao lado da pedra havia uma oliveira, que foi salpicada com o sangue de Tomé e que exsudava óleo todos os anos, no dia do martírio do Santo e quando isso não acontecia, esperavam os habitantes da região um ano mau.

         Vi que os idólatras em vão tentavam desarraigar esse arbusto, que sempre de novo crescia; vi também ali uma Igreja e quando, na festa do Apóstolo, se rezava a Missa, o arbusto exsudava ainda óleo. A cidade tem o nome de Meliapur; agora a situação não é favorável, mas a fé cristã há de firmar-se ali de novo.

         Foi-me dito que Tomé chegou à idade de noventa e três anos. Estava queimado pelo sol e muito magro; tinha o cabelo ruivo. Ao morrer, apareceu-lhe o Senhor, dizendo-lhe que ai sentir-se-lhe ao lado, no dia do juízo.

         Se não me engano, na ordem de suas freqüentes viagens, depois da divisão dos apóstolos, foi primeiro ao Egito, depois à Arábia e, chegando ao deserto, mandou um discípulo ao Apóstolo Tadeu, para que visitasse o rei Abgar. Depois batizou os reis Magos e percorreu a Báctria, a China, o Tibet, e ao norte, o território russo, voltando dali a Éfeso, para assistir à morte de Maria; da Palestina partiu para a Itália, atravessando depois uma parte da Alemanha, Suíça e França, embarcou para a África e passando pela terra de Judit, pela Abissínia e Etiópia, foi à Socotora; dali foi à Índia e Meliapur, de onde, libertado do cárcere pelo Anjo, se dirigiu, por uma parte da China, ao extremo norte, que agora pertence à Rússia. Dali veio à ilha ao norte do Japão.
           

            Trabalhos apostólicos de S. Bartolomeu na Ásia e especialmente na Abissínia, (África)


O Santo Apóstolo Bartolomeu pregou primeiro na longínqua Índia, onde deixou muitos discípulos e convertidos. Dali partiu para o Japão e voltando, seguiu através da Arábia e do Mar Vermelho, para a Abissínia. Ali converteu o rei Polímio e ressuscitou um morto.

Na capital desse país muitos enfermos tinham sido curados por um ídolo; mas desde que Bartolomeu chegara, emudecera o ídolo. Havia na mesma cidade uma casa, em que habitavam muitas mulheres possessas ao demônio. Bartolomeu curou-as todas, ensinou e batizou-as, depois de terem publicamente renunciado a idolatria.

“O apóstolo conversava muitas vezes com o rei Polímio, que lhe fazia perguntas muito profundas e o deixava freqüentemente, para consultar grandes rolos escritos. O Apóstolo tinha consigo um rolo escrito, o Evangelho de S. Mateus e dele lia as respostas. Disse-lhe também que o ídolo fazia os homens adoecerem e depois os curava, para os confirmar na idolatria. Mas agora o demônio fora amarrado pelo nome de Jesus e não podia mais agir por meio do ídolo. Prová-lo-ia, se o rei deixasse consagrar o templo ao verdadeiro Deus e recebesse o batismo, com todo o povo. O rei convocou todo o povo ao templo e quando os sacerdotes pagãos quiseram sacrificar, gritou-lhes o demônio do ídolo que não o fizessem, porque estava amarrado pelo Filho de Deus.

Bartolomeu ordenou-lhe que manifestasse todas as falsas curas que fizera e o demônio confessou tudo pelo ídolo. Depois pregou Bartolomeu diante do templo e mandou a Satanás que se mostrasse na sua verdadeira forma, para que o povo visse qual Deus tinha adorado. Então este apareceu como horrendo monstro preto, desaparecendo diante deles na terra. O rei mandou destruir todos os ídolos. Bartolomeu, porém, consagrou o templo para servir de Igreja e batizou o rei e a família e pouco a pouco todo o exército. Ensinava, curava os enfermos e era benquisto por todo o povo. 

Depois recebeu Bartolomeu do céu a ordem de ir visitar a SS. Virgem. No entanto dirigiram-se os sacerdotes a Astíages, irmão de Polímio, acusando Bartolomeu de feiticeiro. Quando este, pois, voltou da reunião dos Apóstolos àquela terra, não chegou até lá, mas foi preso por emissários de Astíages e levando à presença deste, que lhe disse: “Seduziste meu irmão a adorar o teu Deus; eu te ensinarei agora a sacrificar o meu”. Bartolomeu replicou: “Deus, que me deu o poder de mostrar a teu irmão, Satanás e expulsá-lo diante dele para o Inferno, há de dar-me também a força de esmagar os teus ídolos e de forçar-te a aceitar a fé”.

Logo depois veio um mensageiro, anunciando que o ídolo do rei caíra despedaçado. Então rasgou o rei a roupa com raiva e mandou açoitar Bartolomeu, que foi amarrado a uma árvore e esfolado vivo, mas neste martírio não deixou de pregar em alta voz, até que lhe atravessaram o pescoço com uma espada. Esfolaram-no, começando pelos pés e entregaram-lhe a pele nas mãos. Depois da morte lançaram o santo corpo às feras, mas alguns convertidos pobres tiraram-no de noite. Vi que Polímio o buscou, com muito povo e sepultou. Construíram-lhe uma capela sobre o sepulcro. O rei pagão, porém, e os sacerdotes idólatras  que tinham acusado Bartolomeu, endoideceram, após treze dias e fugiram para o sepulcro do Apóstolo, pedindo socorro em alta voz; o rei converteu-se; os sacerdotes, porém, morreram de uma morte horrível”.


            Os santos Apóstolos Simão e Judas Tadeu na Pérsia


            Os dois irmãos Simão e Tadeu, depois da separação dos Apóstolos, viajaram algum tempo juntos; depois se dirigiu Simão ao Mar Negro e à Scítia; Tadeu, porém, ao Oriente, onde provavelmente se encontrou com S. Tomé, ficando com este. Depois foi incumbido por Tomé de levar uma carta ao rei Abgar.

         Quando Tadeu chegou ao palácio do rei, este viu ao lado do Apóstolo a figura resplandecente de Jesus, diante da qual se inclinou profundamente. O Apóstolo curou o rei da lepra, pela imposição das mãos.
         Tendo curado em Edessa muitos enfermos e convertido muitos infiéis, percorreu, com o companheiro Silas, os países que Jesus já visitara e veio pela Arábia até o Egito. Nessa viagem conseguiu batizar muita gente; povoações inteiras aceitaram a fé cristã.

         Simão dirigiu-se, depois da morte de Maria, ao país dos Persas. Tinha por companheiros o discípulo Abdias e alguns outros. Guiados pela Providência Divina, os dois irmãos encontraram-se novamente num acampamento militar e chegaram depois a uma grande cidade (Babilônia).

         “Ali foram bem sucedidos; vi acontecerem muitas coisas, das quais não me lembro mais. Somente me recordo do que, numa assembléia, em presença do rei, sacerdotes pagãos se levantaram contra os apóstolos; alguns tinham em ambas as mãos feixes de cobras, do comprimento de um braço, outros tinham em cada mão duas ou três. Essas cobras eram mais redondas e mais delgadas do que enguias; tinham cabeças redondas e pequenas, com a boca sempre aberta, vibrando as línguas como flechas. Os sacerdotes idólatras soltaram as víboras contra os apóstolos; mas vi-as lançarem-se, voando como setas, contra aqueles que as trouxeram, enrolando-se-lhes e mordendo-os, de modo que fugiram, com gritos estridentes, até que os apóstolos ordenaram às víboras que os deixassem. Vi que muitos habitantes da cidade e o próprio rei se tornaram cristãos.

         Partiram depois para outra cidade, onde moravam em casa de um homem que era cristão. Amotinou-se o povo da cidade, e vi que os dois apóstolos foram levados, junto com o cristão que os hospedava, a um templo, no qual havia ídolos de ouro e prata, colocados sobre carros. Estava reunida, dentro e fora do templo, uma imensa multidão de povo. Lembro-me que os ídolos se quebraram e várias partes do templo desabaram e que os dois apóstolos foram arrastados no aperto da multidão, sem se defenderem e foram mortos, com toda a espécie de armas, pelos sacerdotes do povo. Vi que a um deles, creio que a Tadeu, foi fendida a cabeça, cortada pelo meio do rosto, com o machado que o povo trazia à cintura. Vi sobre eles celestes aparições”.
         Os corpos dos dois santos apóstolos jazem na catedral de São Pedro em Roma.


            Trabalhos apostólicos e tribulações dos santos apóstolos Felipe, na Frigia e Mateus, na Etiópia.


            Sobre os trabalhos do santo Apóstolo Filipe, relata Catharina Emmerich apenas o seguinte:
         “Depois de Pentecostes, foram Felipe e Bartolomeu a Gessur, nas fronteiras da Síria. Felipe curou logo uma mulher da cidade; era muito benquisto pelo povo, mais tarde, porém, foi perseguido”.

         A história eclesiástica conta que Felipe chegou também à Frigia, convertendo numerosos pagãos à fé cristã.  Em Hierápoli, cidade desta província, foi arrastado pelos pagãos perante um ídolo do deus Marte, para lhe sacrificar. Dizem que saiu por debaixo do altar uma cobra enorme, que matou dois tribunos e o filho de um sacerdote idólatra. O santo Apóstolo ressuscitou todos os três, mas foi açoitado e crucificado. Quiseram tirá-lo da cruz ainda vivo, mas pediu que o deixassem morrer na cruz, como o divino Mestre e Senhor. Foi atendido este pedido, pois o apedrejaram pendendo a cruz. O martírio deste Apóstolo teve lugar no ano 81.

         Do santo Apóstolo Mateus conta a piedosa Catharina Emmerich que estava preso numa cidade da Etiópia e que S. André o curou do veneno que os pagãos lhe tinham derramado nos olhos.

         Segundo a tradição, S. Mateus pregou durante 23 anos na Etiópia, convertendo grande multidão de povo á fé cristã, entre outros também o rei Egipo e toda a família. A filha do rei, Efigênia, fez o voto de guardar a virgindade e neste propósito foi confirmada pelo santo Apóstolo. Sabendo disto o tio, que depois da morte do pai usurpara o trono e queria desposá-la, mandou matar o santo Apóstolo. São Mateus foi atravessado por uma lança, no altar, durante a celebração do Santo Sacrifício.


            Os santos Evangelistas Marcos, em Roma e no Egito e Lucas, na Grécia


         São Marcos veio a Roma, com o príncipe dos apóstolos, S. Pedro. No seu evangelho escreveu o que lhe ditou S. Pedro.

         Quando interrompeu em Roma uma epidemia de peste, erigiu-se, por ordem de Marcos, uma Via Sacra. Cristãos e pagãos que rezavam, percorrendo esta Via Sacra, ficavam livres ou curados da peste. Muitos pagãos, vendo esse milagre, se converteram.     

         De Roma se dirigiu São Marcos para o Egito, para pregar ali o Evangelho.
         “Vi-o primeiro em Alexandria; não foi com muito gosto que partiu para lá. Na viagem cortou tão desastrosamente o dedo da mão direita, que o teria perdido, se não fosse curado por uma aparição celeste, com a qual muito se assustou,  como S. Paulo. Em volta do dedo lhe ficou toda a vida uma marca vermelha.

         Ao entrar em Alexandria, rasgou-se-lhe a sandália e deu-a a um sapateiro, de nome Aniano, para a remendar. Este se feriu na mão, durante o trabalho; Marcos, porém, curou-a com um ungüento preparado de pó e saliva. Vendo-o, converteu-se Aniano e Marcos foi morar-lhe em casa. Aniano possuía uma casa vasta, muitos escravos, mulher e dez filhos. Numa sala, pertencente à casa entregue a Marcos, se celebravam as primeiras reuniões dos convertidos. Os apóstolos não celebravam o santo Sacrifício numa nova comunidade, antes desta ter sido bem instruída e confirmada. Seguiam já um rito certo na distribuição da sagrada Comunhão, durante o Santo Sacrifício.

         Três dos dez filhos de Aniano tornaram-se mais tarde sacerdotes. O pai foi sucessor de S. Marcos.
         O Apóstolo esteve também em Heliópoli. Havia ali um oratório, instituído quando morava ali a sagrada Família; desse oratório foi construída uma igreja e ao lado, mais tarde um pequeno convento. Os que Marcos ali batizou, eram na maior parte judeus.

         São Marcos foi preso e lançado num cárcere em Alexandria e morreu estrangulado com uma corda. Quando estava no cárcere, vi Jesus aparecer-lhe, tendo na mão uma patena e dando-lhe um pequeno pão redondo. Vi também que o corpo do mártir foi levado mais tarde para Veneza”.
         Como nos conta a piedosa Emmerich, esteve S. Lucas primeiro com São João, em Éfeso, depois com Santo André. Na terra pátria travou conhecimento com Paulo, a quem depois acompanhou nas viagens.

         “Escreveu o Evangelho, a conselho de Paulo e porque circulavam livros apócrifos da vida do Senhor. Escreveu-o 25 anos depois da Ascensão de Jesus, redigindo-o na maior parte com as informações de testemunhas oculares, que procurava por toda a parte. Já no tempo da ressurreição de Lázaro o vi visitar os lugares onde O Senhor operava milagres e informar-se de tudo. Tinha também amizade com Bársabas.

         Foi-me também revelado que Marcos escreveu o Evangelho só com informações de testemunhas oculares e que nenhum dos Evangelistas conhecia nem aproveitou na sua obra a dos outros. Também me foi dito que teriam inspirado menos fé se tivessem escrito tudo e que não escreveram os milagres, muitas vezes repetidos, por motivo da extensão do livro.

         Vi que Lucas pintou vários retratos da Santíssima Virgem, alguns de modo milagroso. O busto de Maria, que não conseguia acabar, encontrou terminado, ao voltar a si de um êxtase, em que caíra durante a oração. Esse retrato é ainda conservado em Roma, na Basílica de Santa Maria Maior, por cima de um altar, na capela do Presépio, à direita do altar-mor. Não é, porém, o original, mas apenas uma cópia. O original foi antigamente encerrado num muro junto com muitas outras coisas sagradas, por ocasião de uma perseguição; nesse muro, que foi convertido em um pilar, há também relíquias de santos e documentos de muita antiguidade. A Igreja tem seis pilares; é o do meio, à direita, de modo que o sacerdote, dizendo a Missa no altar da imagem de Maria, ao dizer: Dominus vobiscum, indica com a mão direita esse pilar.

         Lucas pintou também o retrato inteiro de Maria, vestida de noiva; mas não sei onde se acha agora esse quadro. Outro, em vestes de luto, corpo inteiro, creio tê-lo visto numa Igreja, onde se guarda o anel nupcial de Maria.

         Lucas pintou também Maria, como indo ao descendimento de Cristo da cruz; deu-se isto de um modo milagroso: depois que todos os Apóstolos e discípulos tinham fugido, vi Maria, ao crepúsculo a caminho do Calvário, creio que acompanhada de Maria, filha de Cléofas e Salomé. Vi que Lucas estava ao lado do caminho e comovido diante daquela inconsolável dor, estendeu-lhe um lenço, com o desejo de que nele lhe ficasse impressa a imagem. Achou realmente o retrato no lenço, como uma sombra a passar e conforme essa imagem, pintou o quadro, contendo duas figuras: ele, com o lenço e Maria, passando-lhe em frente. Não sei se Lucas estendeu o lenço só com o desejo de receber o retrato ou seguindo o costume de estender um lenço aos tristes ou porque desejasse praticar para com Maria o ato de caridade que Verônica fizera para com Jesus.

         Creio ter visto esse quadro de S. Lucas guardado por um povo estranho, que vive entre a Síria e a Armênia. Não são verdadeiros cristãos, crêem em João Batista, têm um batismo de penitência, que receberam todas as vezes que se querem purificar dos pecados. Lucas pregava o Evangelho nessa região, operando muitos milagres por meio desse quadro. Perseguiram-nos e faltou pouco para o lapidarem; o quadro, porém, ficou lá. Lucas levou consigo doze homens desse povo, os quais tinha convertido. Aquela tribo morava numa montanha, cerca de doze horas de caminho a leste do Líbano. No tempo de S. Lucas contava apenas algumas centenas de almas. A Igreja local era como uma gruta na montanha; para entrar nela, era preciso descer; olhando para cima, viam-se cúpulas, nas quais havia janelas, como se vêem nas abóbadas das nossas Igrejas.

         Tenho visto esse quadro de S. Lucas naquela região, em tempos mais recentes; não sei se foi em nosso tempo, mas é possível; pois no tempo de S. Lucas tudo era muito simples. Mas agora a Igreja parecia maior; o povo parecia ter também muitas cerimônias diferentes; o sacerdote estava sentado diante do altar, debaixo de um arco, o quadro pendurado no alto da abóbada e diante dele ardiam muitas lâmpadas; já estava enegrecido e indistinto. Recebem muitas graças por meio do quadro e veneram-no, porque têm visto milagres feitos por ele.

         Lucas foi suplicado como bispo, em Tebas, se não me engano. Vi-o amarrado com uma corda a uma árvore e morrer a golpes de dardos. Um desse lhe transpassou o peito e o corpo caiu-lhe para a frente; então o amarraram de novo, lançando-lhe depois mais dardos. De noite foi sepultado secretamente.

         O remédio, de que S. Lucas se serviu, no seu tempo de médico, era resedá, misturado com óleo de palma benta. Ungia com esta mistura a testa e os lábios em forma de cruz; usava também, às vezes, resedá seco, com infusão de água.
        

            S. Barnabé, S. Timóteo e S. Saturnino


            Como já mencionamos, foi Barnabé enviado pela Igreja de Jerusalém a Antioquia, onde, junto com S. Paulo, pregou durante um ano o santo Evangelho, com grande êxito, até que o Espírito Santo deu, pela boca dos profetas dessa Igreja, a ordem: “Separai-me Paulo e Barnabé para a obra, para a qual os destinei”. Depois de terem recebido a consagração episcopal, S. Barnabé acompanhou S. Paulo por algum tempo. Tendo-se separado dele, fez ainda algumas viagens apostólicas. Diz a tradição que chegou até Milão, sendo o primeiro que nessa cidade anunciou a fé cristã. Foi lapidado pelos judeus, na ilha de Chipre, sua terra natal, sendo-lhe o corpo lançado numa fogueira, que, porém, não o queimou; os discípulos sepultaram-no. Quando o acharam, no tempo do imperador Zeno, encontraram-lhe sob o peito uma parte do Evangelho de S. Mateus. Barnabé também escreveu alguma coisa.

         Timóteo, discípulo de S. Paulo, estava preso na ilha de Quios, ao mesmo tempo que S. João se achava no cativeiro, na ilha de Patmos.

         “Vi-o: era um homem alto, com cabelos e barba preta, magro e pálido. Nas viagens vestia um manto cinzento, preso no meio do corpo pela cinta; como bispo, usava um longo manto, de cor parda escura, bordado grosseiramente de grandes florões de ouro, com fio grosso como barbante, mas produzindo belo efeito; revestia-se também de uma estola no peito, uma cinta, sobre a cabeça uma mitra baixa.

         Todos o amavam; tinham em Quios uma comunidade de convertidos; até os soldados da guarda aderiram à fé.

         Havia ali uma mulher cristã rica, que caíra numa vida pecaminosa. Um dia, quando Timóteo estava para dizer a santa Missa numa capelinha e já se achava diante do altar, viu em espírito aquela infeliz, que se aproximava da Igreja. Então lhe foi ao encontro na porta, repreendeu-a pela vida pecaminosa e excomungou-a. Em conseqüência disso se levantou uma perseguição contra Timóteo, que foi desterrado para a Armênia, mas posto em liberdade antes de S. João voltar de Patmos. Paulo mandou-o, como bispo, a Éfeso, onde foi assassinado pelos pagãos, por ocasião de uma festa, em que percorriam a cidade com mascaras, carregando ídolos em triunfo. S. Timóteo tinha pregado veementemente contra esses costumes pagãos”.

         Saturiano, que era como André um dos primeiros que seguiram a Jesus, depois do Batismo, pregou em Tarso, depois da morte de Jesus. Ali teria sido morto a pancadas e pedradas, mas um vento forte lançou tanta poeira e areia nos olhos dos perseguidores, que pôde fugir.

         Esteve também em Roma, com S. Pedro e foi enviado por esse à Gália. Esteve Arelat, Nimes e muitos outros lugares desse país. Em Toulouse ficou mais tempo, convertendo muita gente, entre outros também uma mulher, que curara da lepra. Ali também morreu mártir. Num monte, em cujo cume havia um templo pagão, Saturnino foi amarrado a um touro. Aguilhoando o touro, fizeram-no correr na ladeira íngreme para baixo; o touro, enraivecido, caiu e pisando, esmagou a cabeça do Santo. Celebra-se-lhe a festa a 29 de Novembro.


            S. Lázaro, Marta e Madalena no sul da França


            Três ou quatro anos depois da morte de Jesus os judeus prenderam Lázaro, Marta e Madalena e abandonaram-no numa pequena embarcação, que já fazia água e sem remos nem velas, no alto mar; puseram na mesma barca o discípulo Maximino, um cego de nascença curado por Jesus, de nome Cheliônio e duas meninas. Com o auxílio de Deus escaparam da morte; pois a barquinha foi impelida sobre o mar com velocidade sobrenatural e aportou à costa meridional da França, perto da cidade que hoje se chama Marselha. Quando chegaram a esta cidade, estava o povo justamente a celebrar uma festa idólatra.

         “Os sete estrangeiros – conta Catharina Emmerich – sentaram se sob as arcadas de uma praça pública, diante de um templo. Ficaram assim sentados por muito tempo; tendo-se reconfortado um pouco, com alimento tirado de pequenas vasilhas que trouxeram consigo. Começou Marta a falar ao povo, que se lhe juntava em roda e disse-lhes como tinham chegado ali. Falou também de Jesus em tom muito vivo e comovido. Mais tarde vi que alguns lhes jogavam pedras, para os afastar dali; mas as pedras não os feriam e eles ficaram tranqüilamente sentados, até a manhã seguinte. No entanto começaram os outros também a falar e já lhes aderiam várias pessoas. Na manhã seguinte vieram uns homens de uma casa grande, que eu tomei pela câmara municipal; interrogaram-nos acerca de muitas coisas. Ainda ficaram um dia inteiro sob a arcada, falando com os transeuntes, que se lhes juntavam em roda.

         Ao terceiro dia foram todos conduzidos àquela casa e apresentados ao prefeito, na câmara; as mulheres foram conduzidas a outra casa da cidade; tratavam-nos bem e davam-lhes de comer. Vi que ensinavam em qualquer parte que chegavam e que o prefeito mandou proclamar por toda a cidade que ninguém fizesse mal a essa gente. Dentro em pouco muitos pediram o santo batismo; Lázaro batizava numa grande pia que havia na praça pública, diante do templo, o qual em pouco tempo estava quase abandonado. Creio que o prefeito da cidade também se deixou batizar. Vi também que não ficaram muito tempo juntos; Lázaro, como bispo, continuou a pregar a doutrina”.

         Marta, com as duas meninas, suas criadas, dirigiu-se a uma região deserta, montanhosa, perto da cidade moderna de Aix, onde habitavam algumas escravas pagãs, que se converteram e onde construíram mais tarde um convento e uma Igreja.

         Havia, porém, no rio daquela região um monstro, que dava grandes prejuízos. Marta encontrou-o à ribeira, devorando justamente um homem. Ela venceu o monstro, lançando-lhe o cinto em roda do pescoço, em nome de Jesus e estrangulou-o e o povo, acorrendo, acabou de matá-lo.

         “Marta pregava o Evangelho muitas vezes diante de grande multidão do povo, na campinha e à margem do rio. Costumava para isso construir um púlpito de pedras, com auxílio das companheiras; colocavam as pedras em forma de escada; por dentro era como uma abóbada. Em cima colocavam uma pedra larga, sobre a qual ela pregava. Ela sabia fazer essa construção melhor do que um pedreiro, pois era muito ativa e empreendedora.

         Uma vez estava ensinando sobre o tal montão de pedras, à margem do rio, quando um jovem tentou atravessar o rio a nado, para a ouvir; a corrente, porém, levou-o e ele morreu afogado. Injuriaram-na por isso os habitantes da região, acusando-a também de ter convertido aquelas escravas. Tendo o pai do rapaz afogado encontrado o cadáver do filho, trouxe-o na presença de muito povo e, colocando aos pés de Marta, disse que creria no seu Deus, se ela desse novamente vida ao filho.

         Vi que Marta ordenou ao cadáver, em nome de Jesus, que voltasse à vida e que se levantou vivo. O ressuscitado, o pai e muito povo tornaram-se cristãos. Outros, porém, perseguiram Marta como feiticeira. Um dos companheiros, que com ela viera da Palestina, vinha visitá-la e dava a ela a sagrada Comunhão. Marta trabalhava e ensinava, convertendo muitos”.

Quando Madalena se separou de Marta, retirou-se sozinha para uma região deserta, bem longínqua, onde vivia numa gruta. Maximino ia às vezes lá, encontrando-a em meio caminho, para dar-lhe a sagrada Comunhão. Morreu pouco antes de Marta e foi também sepultada no convento de Santa Marta. Sobre a gruta construiu Maximino uma Igreja.

Os últimos anos e a

Morte Gloriosa de Maria Santíssima.


         Antes de passarmos a descrever a propagação do reino de Deus entre os gentios, pelos Apóstolos, juntamos aqui a narração da piedosa Emmerich sobre a maravilhosa e gloriosa morte da Mãe de Jesus. Assim seguimos também a cronologia, pois a Santíssima Virgem morreu antes dos Apóstolos e estes estiveram presentes por ocasião da sua morte.


            Maria em Éfeso


         Depois da ascensão do Filho querido, viveu Maria, segundo a narração de Catharina Emmerich, três anos em Jerusalém e depois outros três anos em Betânia, em casa de Lázaro. São João, que sempre a acompanhava, levou-a para Éfeso, afim de a salvar da perseguição e ali viveu ainda nove anos.

         “Maria não morava propriamente em Éfeso, mas numa região onde já se tinham refugiado algumas das santas mulheres, suas amigas. A habitação de Maria achava-se numa colina, a esquerda do caminho de Jerusalém a Éfeso, cerca de três horas e meia de viagem, antes de chegar a Éfeso; a colina tinha uma subida suave, para o lado da cidade. Era uma região deserta, com muitas colinas férteis e belas, com grutas limpas, entre pequenas planícies arenosas; era deserta, mas não inabitável; havia muitas árvores isoladas, de troncos lisos e copas sombrias, em forma de pirâmide.

         Quando João trouxe a Santíssima Virgem para uma casa que lá mandara construir, já ali moravam várias famílias cristãs e algumas das santas mulheres, seja em grutas dos montes ou em subterrâneos, tornados habitáveis com alguma construção de madeira, seja em frágeis tendas; só a casa de Maria era de pedra.

         A Santíssima Virgem morava ali com uma jovem empregada. Viviam recolhidas em paz e sossego.
         João não morava na mesma casa; passava a maior parte do tempo em Éfeso ou arredores; fez também várias viagens a Palestina. Dava-lhe sempre a Santa Comunhão, rezava com ela a Via Sacra, dava-lhe a bênção e recebia-lhe também a bênção materna.

         No último tempo de estadia ali, vi Maria tornar-se cada vez mais recolhida no amor de Deus; quase não tomava mais alimento. Era como se só exteriormente estivesse na terra e com o espírito no outro mundo. Parecia não notar o que lhe acontecia em redor. Vi-a, nas últimas semanas antes da morte, já muito idosa e fraca e a criada a guiá-la às vezes pela casa.

         Uma vez vi João entrar lá. Tirou o cinto e vestiu outro, que tirou sob o manto e que era ornado de letras. No braço pôs uma espécie de manípulo e no peito uma estola. A Santíssima Virgem veio saindo do quarto de dormir, revestida toda de uma veste branca, apoiando-se sobre o braço da criada. Tinha o rosto branco como a neve e como que transparente. A saudade parecia trazê-la como que suspensa entre o céu e a terra. Desde a ascensão de Jesus, todo o seu ser tinha a expressão de uma saudade infinita e sempre crescente, que parecia consumi-la. Dirigiu-se, com João, ao lugar de oração. Puxou uma fita ou correia; então se virou o tabernáculo na parede e a cruz que lá estava, apareceu.

         Depois de terem ambos rezado, ajoelhados, por algum tempo, levantou-se João e tirou do peito um vaso de metal; abriu-o de um lado, tirou de lá um invólucro de lã fina e deste, um lenço dobrado, de estofo branco, do qual retirou o Santíssimo Sacramento, em forma de um pedacinho de pão branco. Depois disse algumas palavras solenes e sérias e deu a Santíssima Virgem a Sagrada Comunhão.

         Por trás da casa, até certa distância, na encosta da montanha, Maria Santíssima fizera para si uma Via Sacra. Enquanto morava em Jerusalém nunca deixara, desde a morte do Senhor, de percorrer-lhe o caminho da Paixão, chorando de saudade e compaixão. De todos os lugares do caminho onde Jesus sofrera, ela tinha medido a distância a passos: o amor imenso de Mãe extremosa não lhe podia viver sem a contínua contemplação desse caminho doloroso.

         Pouco tempo depois de chegar àquela região, eu a via diariamente caminhar até certa distância, subindo a colina atrás da casa, nessa meditação da Paixão e morte do Filho amado. A principio ia sozinha, medindo pelo número de passos que tantas vezes contara as distâncias dos lugares onde Jesus sofrera certos tormentos. Em todos esses lugares erigia uma pedra ou, se havia ali uma árvore, marcava-a. O caminho conduzia a um bosque onde, numa elevação, marcou o Monte calvário e numa gruta de outra colina, o sepulcro de Jesus Cristo.

         Depois de ter medido desse modo as doze estações da Via Sacra, percorria-a, em silenciosa meditação, acompanhada da criada; em cada estação da Paixão se sentavam, recordando no coração o mistério do respectivo sofrimento e louvando ao Senhor por seu Infinito amor, com lagrimas de compaixão. Depois arranjaram as estações ainda melhor e vi que a Santíssima Virgem escrevia com um buril, na pedra assinalada, a significação do lugar, o número dos passos, etc. Vi também, depois da morte da Santíssima Virgem, os cristãos percorrerem esse caminho, prostrando-se por terra e beijando o chão”.


            Viagens de Maria a Jerusalém


         “Depois do terceiro ano de estadia em Éfeso, Maria sentiu profundo e veemente desejo de ir a Jerusalém. João e Pedro levaram-na, pois, se bem me lembro, estavam ali reunidos vários apóstolos; vi Tomé; creio que era um Concílio e Maria assistiu-lhes com os conselhos maternais.

         No dia da chegada, ao cair da noite, antes de entrar na cidade, eu a vi visitar o Monte das Oliveiras, o Calvário, o santo Sepulcro e outros lugares sagrados, em redor de Jerusalém. A Mãe de Deus estava tão triste e tão comovida pela paixão, que só com extremo esforço podia ficar em pé e Pedro e João levaram-na dali, segurando-a pelos braços.

         Ela viajou mais uma vez de Éfeso a Jerusalém, ano e meio antes da morte. Vi-a então visitar também de noite os santos lugares, acompanhada pelos Apóstolos. Estava indizivelmente triste e gemia apenas, exclamando “Ó, meu Filho! Quando chegou a porta posterior, daquele palácio, onde se encontrara com Jesus caindo sob a cruz, tombou por terra, desmaiada, comovida pela lembrança; os companheiros julgavam que morresse.

         Levaram-na ao Cenáculo, em Sião, onde morava. Ali esteve a Santíssima Virgem, durante alguns dias, tão fraca e doente e teve tantos desmaios, que várias vezes lhe esperaram a morte e já pensavam em prepara-lhe o sepulcro. Ela mesma escolheu para este fim uma gruta no Monte das Oliveiras e os Apóstolos mandaram um escultor cristão fazer ali um belo sepulcro.

         Entretanto, o povo espalhava várias vezes falsas notícias da morte de Maria SSma. E esse boato de ter morrido e sido sepultada em Jerusalém propagou-se também em outros lugares. Mas quando o sepulcro ficou pronto, ela já se restabelecera e tinha força bastante para voltar para casa em Éfeso, onde, após ano e meio, faleceu realmente. O sepulcro preparado no Monte das Oliveiras foi sempre venerado e guardado, construindo-se depois sobre ele uma Igreja e João Damasceno escreveu também, baseado nesse boato, que Maria morreu em Jerusalém e ali foi sepultada.

         Deus permitiu que as notícias da morte, sepultura e assunção ao céu da Virgem SS. se conservassem apenas numa incerta tradição, para não alimentar no cristianismo o sentimento pagão daqueles tempos; pois muitos talvez a tivessem adorado como deusa.”


            Reunião dos Apóstolos, por ocasião da morte de Maria, em Éfeso


         Algum tempo antes da morte, rezou a SS. Virgem, para que nela se cumprisse o que Jesus lhe prometera no dia antes da ascensão, em casa de Lázaro, em Betânia. Foi-me mostrado em espírito, que quando ela lhe suplicou que depois da ascensão não a deixasse muito tempo neste vale de lágrimas, Jesus lhes disse vagamente quais as obras espirituais que ela devia ainda fazer na terra até a morte e, atendendo-lhe a súplica, prometeu-lhe que os Apóstolos e vários discípulos lhe assistiriam a morte; recomendou-lhe o que lhes devia então dizer e como os devia abençoar.

         Quando a SS. Virgem implorou que os Apóstolos se reunissem em torno dela, vi, em regiões muito diferentes e opostas, chegar o chamado aos Apóstolos; neste momento só me lembro do seguinte:
         Os Apóstolos já tinham construído pequenas Igrejas, em vários lugares, onde tinham pregado; embora algumas dessas Igrejas não fossem construídas de pedra, mas apenas de vime trançado e rebocadas de barro, todavia tinham sempre, todas que tenho visto, na parte posterior, a forma circular ou triangular, como a casa de Maria em Éfeso. Nessas Igrejas tinham altares e celebravam o santo sacrifício da Missa.

         Vi que todos foram chamados, inclusive os que estavam nas terras mais longínquas, recebendo por aparições a ordem de ir ver a SS. Virgem. Em geral não foi sem milagroso auxílio que os Apóstolos fizeram as longuíssimas viagens. Creio que freqüentemente faziam as viagens de uma maneira sobrenatural, sem eles mesmos saberem; pois muitas vezes os tenho visto passar no meio de grandes multidões de homens, sem serem vistos.

         Quando o chamado do Senhor se fez ouvir aos Apóstolos para irem a Éfeso, Pedro e se bem me lembro, também Matias, se achavam na região de Antioquia. André, que vinha de Jerusalém, onde fora perseguido, não se achava longe. Judas, Tadeu Simão estavam na Pérsia. Tomé encontrava-se na Índia, quando recebeu a ordem de partir, mas já resolvera ir a Tartária, mais para o norte e não pode decidir-se a abandonar esse projeto. Assim continuou o caminho para o norte, atravessando parte da China, até chegar a região onde agora é a Rússia; ali foi chamado pela segunda vez e partiu então as pressas a leste do Mar Vermelho, na Ásia. Paulo foi chamado. Foram chamados apenas os que eram presentes ou amigos da Sagrada Família.


            Os últimos dias de vida de Maria


         “Eu tinha muita convivência com a Mãe de Deus em Éfeso, conta Catharina Emmerich, a 7 de agosto de 1821. Fui com ela e cerca de cinco outras santas mulheres, percorrer a Via Sacra. Estava lá também a sobrinha da profetiza Ana e a viúva Mara, sobrinha da Santa Isabel. A SS. Virgem ia a frente de todas, senão o da intensa saudade, que a levava a união com o Filho, a glorificação.

         Maria era indizivelmente séria; nunca a vi rir, mas apenas sorrir de modo tocante. Estava emagrecida, mas não lhe vi rugas, nem sinal algum de velhice. Estava como que espiritualizada. Parecia ser a última vez que fazia a Via Sacra. Enquanto assim caminhava, parecia-me que João, Pedro e Tadeu já tinham chegado.

         Vi (a 9 de agosto) Maria deitada num leito estreito e baixo coberto por um dossel, em forma de tenda, do qual pendiam cortinas, a direita do quarto, atrás do fogão. A cabeça repousava-lhe sobre uma almofada redonda. Estava muito fraca e pálida e como abrasada de saúde. A cabeça e todo o corpo lhe estava envolto num longo pano. Um cobertor de lã parda cobria-a.

         Vi umas cinco mulheres, uma depois da outra, entrarem e saírem do quarto; pareciam despedir-se da moribunda. As que saiam, faziam com as mãos gestos de comovedora tristeza ou de oração. Vi novamente entre elas a sobrinha de Isabel, que tinha visto durante a Via Sacra.

         Depois vi seis Apóstolos já reunidos na sua casa, Pedro, André, João, Tadeu, Bartolomeu e Matias, como também um dos sete diáconos, Nicanor, que era sempre tão serviçal e amável. Os Apóstolos estavam reunidos em oração na parte anterior da casa, a direita, onde tinham preparado um oratório.

         Hoje (a 10 de agosto) vi entrar ainda dois Apóstolos, como as vestes arregaçadas, como viajantes, Tiago o Menor e Mateus.

         Os Apóstolos celebraram ontem, a noite e hoje de manhã o oficio divino, na parte anterior da casa. Diante do altar havia uma estante coberta, da qual pendia um rolo da Escritura. Sobre o altar havia candeeiros acesos e na mesa um vaso em forma de cruz, feito de uma substância que brilhava como madrepérola. Tinha apenas um palmo de altura e outro tanto de largura e continha cinco vasos fechados, com tampa de prata. No do meio se achava o SS. Sacramento. Nos outros, porém, crisma, óleo, sal e fibras (talvez algodão) e outras coisas santas. Os vasos foram feitos e estavam fechados de tal maneira, que não se podia derramar nada. Os Apóstolos costumavam transportar essa cruz nas viagens, pendente sobre o peito, debaixo do manto. Assim eram mais do que o Sumo Sacerdote, quando trazia sobre o peito o Santo do Antigo Testamento.

         Pedro, revestido do ornato sacerdotal, estava diante do altar, os outros atrás, em coro. As mulheres assistiam em pé, no fundo da casa.
         Vi chegar um novo Apóstolo (a 11 de agosto) foi Simão. Ainda faltavam Felipe e Tomé.

         Houve novamente oficio divino. Depois deu Pedro a SS. Virgem a Sagrada Comunhão. Levou-lha naquele vaso em forma de cruz. Os Apóstolos formaram duas fileiras, do altar até ao leito, inclinando-se profundamente, quando Pedro passou por entre eles com o SS. Sacramento. As cortinas do leito da SS. Virgem foram abertas de todos os lados.

         Diante do leito de Maria havia um banquinho baixo, triangular e sobre este, um pratinho, com uma colherzinha parda e transparente.

         Vi novamente (a 12 de agosto) o divino ofício; foi celebrada a Missa. O quartinho de Maria estava todo aberto. Uma mulher estava ajoelhada ao lado do leito, levantando e amparando de vez em quando a Santíssima Virgem. Vi fazê-lo também durante o dia e oferecer-lhe uma colher de suco de fruta do pratinho. Maria tinha um crucifixo sobre o leito, em forma de Y, tendo quase meio braço de comprimento; ela recebeu o SS. Sacramento.

         Vi hoje (a 13 de agosto) o ofício divino, como de costume e a Santíssima Virgem, durante o dia, sentada no leito, tomando várias vezes algum alimento, com a colherzinha.

         Vi os Apóstolos chegarem na maior parte muito fatigados. Ao entrar, abraçavam os que já estavam presentes, muito comovidos; alguns choraram de alegria e também de tristeza, pelo motivo tão doloroso daquele encontro. Aproximavam-se do leito de Maria, saudando-a respeitosamente; ela, porém, só poucas palavras lhes podia dizer.

         Vi também cinco discípulos e lembro-me mais vivamente de Simão, o Justo e de Barnabé.


            A morte gloriosa da Santíssima Virgem


         O ano 48 depois do nascimento do Cristo é o ano da morte de Maria; morreu 13 anos e dois meses depois da ascensão de Jesus. A morte da SS. Virgem foi um acontecimento cheio de tristeza, mas também de consolação. Já na véspera, pelo meio-dia, reinava grande tristeza e angústia em casa de Maria; a criada estava completamente desolada.
         A Santíssima Virgem descansava, silenciosa e como próximo da morte, sobre o leito. Estava toda envolta, até os próprios braços, num lençol branco. O véu do rosto estava dobrado sobre a testa; falando aos homens, puxava-o sobre o rosto. As próprias mãos só estavam descobertas quando ficava sozinha. Nos últimos dias não a vi tomar outro alimento, senão, de vez em quando, uma colherzinha de suco de uns frutinhos amarelos, semelhantes a uva, que a criada lhe espremia no pratinho, ao pé do leito.

         Quando a Santíssima Virgem, ao cair da tarde, sentiu aproximar-se-lhe o fim, quis despedir-se dos Apóstolos, discípulos, e mulheres presentes e dar-lhes a bênção, conforme a vontade de Jesus. As cortinas do leito foram abertas para todos os lados. Maria estava sentada no leito, como que transparente, de uma alvura resplandecente. Rezou e abençoou um por um, com as mãos postas em forma de cruz, tocando a testa de cada um. Depois falou ainda com todos e fez tudo quanto Jesus lhe recomendara em Betânia.

         A João disse como devia sepultar-lhe o corpo e distribuir-lhe a roupa entre a criada e outra moça pobre da vizinhança, que às vezes viera lhe prestar serviços.

         Depois dos Apóstolos, se acercarem do leito da Santíssima Virgem os discípulos presentes e receberam-lhe também a bênção do mesmo modo. Os homens retiraram-se então para o quarto anterior da casa e prepararam-se para o ofício divino, enquanto as mulheres presentes se aproximavam do leito da Santíssima Virgem, se ajoelhavam e recebiam a bênção. Vi que uma delas, inclinando-se sobre Maria, recebeu dela um abraço.

         Nesse ínterim foi preparado o altar e os Apóstolos vestiram-se para o ofício divino, com as longas vestes brancas, cingindo-se com as cinzas ornadas de letras. Cindo deles, que funcionavam no ato solene do sacrifício, como o vi celebrar por Pedro, após a ascensão de Jesus, primeiro na Igreja nova, perto do tanque de Betesda, revestiram-se das grandes e belas vestes sacerdotais.

         O ofício divino já estava adiantado, quando chegaram Felipe e um companheiro do Egito. Dirigiu-se imediatamente a Mãe do Senhor recebeu-lhe a bênção, chorando copiosamente.

         No entanto, Pedro acabara o santo sacrifício; tinha consagrado e recebido o Corpo do Senhor, dando-o também aos Apóstolos e discípulos presentes. A Santíssima Virgem não podia avistar o altar; mas estava sentada no leito, durante a santa cerimônia, sempre em profundo recolhimento. Depois de Pedro ter comungado deu a Santa Comunhão também aos outros Apóstolos e levou-a então a SS. Virgem.

         Todos os Apóstolos o acompanharam, em procissão solene. Tadeu ia a frente, com um incensório, Pedro levava o Santíssimo Sacramento no vaso cruciforme, sobre o peito. Seguia-se-lhe João, que trazia um pequeno prato, sobre o qual estavam o cálice, com o preciosíssimo Sangue e alguns vasos. A Santíssima Virgem estava deitada de costas, tranqüila e pálida, com olhar fixo para cima; não falava com ninguém e estava como em contínuo êxtase; resplandecia de saudade.

         Pedro aproximou-se e administrou-lhe o santo Sacramento da Extrema Unção, quase do mesmo modo com se faz hoje. Depois lhe deu o Santíssimo Sacramento. Sem se recostar, a Virgem sentou-se para o receber e caiu depois de novo sobre o leito. Os Apóstolos rezaram durante algum tempo e depois ela recebeu o cálice da mão de João, levantando-se um pouco menos. Vi como um fulgor penetrar em Maria, quando recebeu a Sagrada Comunhão e depois caiu em êxtase sobre o leito e não mais falou.

         Mais tarde se reuniram os Apóstolos novamente em roda do leito, rezando. O rosto de Maria estava risonho e fresco como na juventude. Dirigia os olhos com santa alegria ao céu. Vi então uma visão maravilhosa e comovedora. O teto por cima do quarto de Maria desaparecera; o candeeiro estava suspenso no ar; vi, pelo céu aberto, a Jerusalém celeste. Desciam dois planos brilhantes, como nuvens luminosas, nas quais apareciam muitos rostos de Anjos. Entre essas nuvens se derramava uma torrente de luz sobre Maria, acima da qual vi uma encosta resplandecente, que subia até a Jerusalém celeste. A Virgem estendia os braços, com infinita saudade e vi-lhe o corpo sagrado, com tudo o que o envolvia, erguer-se-lhe acima do leito, enquanto a alma, como uma puríssima forma luminosa, lhe saia do corpo, com os braços estendidos, erguendo-se na torrente de luz que, qual montanha resplandecente, se elevava céus acima.
         Os dois coros de Anjos, nas nuvens, se lhe uniram atrás da alma, separando-a do santo corpo, que no momento da separação recaiu sobre o leito, cruzando os braços sobre o peito. Seguindo a alma com o olhar, vi-a entrar, pela estrada de luz, na Jerusalém celeste e chegar ao trono da Santíssima Trindade. Vi muitas almas, entre as quais reconheci muitos patriarcas: Joaquim, Ana, José, Isabel, Zacarias e João Batista, lhe vieram ao encontro, com respeito e alegria. Ela passou, porém, no meio de todos, dirigindo-se ao trono de Deus e de seu Filho que, excedendo ainda com o esplendor das chagas a luz de toda a aparição, a recebeu com amor divino e lhe entregou algo como um cetro, mostrando-lhe o globo terrestre, como para lhe confiar um poder.

         Assim a vi entrar na glória do céu, esquecendo-me totalmente dos que lhe rodeavam o corpo na terra. Alguns dos Apóstolos, por exemplo, Pedro e João, devem tê-lo visto também, pois tinham o olhar dirigido para o céu. Os demais estavam de joelhos e inclinados profundamente. Tudo estava cheio de luz e esplendor, como na ascensão do Senhor.

         Vi com grande alegria, numerosas almas remidas do purgatório seguirem a alma de Maria, quando entrou no céu e também hoje, na festa da Assunção, vi entrar muitas almas no céu, entre as quais algumas que conheci. Foi-me dada a consoladora informação de que anualmente, no aniversario da morte da Santíssima Virgem, muitas almas que lhe tiveram devoção, participariam dessa graça.

         Quando tornei a olhar para a terra, vi o corpo de Maria resplandecente, com o rosto fresco, os olhos fechados, os braços cruzados sobre o peito, deitado sobre o leito. Os Apóstolos, os discípulos e as mulheres estavam de joelhos em roda do leito e rezavam. Enquanto eu via tudo isso, era como se soasse uma música deliciosa na natureza, que parecia comovida, como o tinha percebido na noite de Natal. Expirara, como observei, depois da nona, a hora em que morrera também o Senhor.

         As mulheres estenderam uma coberta sobre o corpo sagrado; depois cobriram a cabeça e velaram o rosto, sentando-se juntas no chão, no quarto do vestíbulo, onde fizeram a lamentação fúnebre, ajoelhando-se e sentando-se alternadamente. Os Apóstolos, porém, e os discípulos retiraram-se para a parte anterior da casa, cobriram a cabeça e celebraram um ofício fúnebre. Revezavam-se dois a dois, de joelhos, aos pés e a cabeceira do santo corpo. Mateus e André percorreram a Via Sacra da Santíssima Virgem, até a última estação, a gruta que representava o sepulcro de Jesus. Levaram consigo ferramentas, para escavar um pouco mais o leito sepulcral; pois ali devia ser depositado o corpo de Maria. Havia cerca de meia hora de caminho, da casa até a gruta.



            Embalsamamento e eterno de Maria


            Quatro vezes vi os Apóstolos se revezarem, fazendo guarda de honra ao corpo sagrado e rezando. Hoje vi chegar algumas mulheres, entre as quais me lembro ainda da filha de Verônica e da mãe de João Marcos, que vieram preparar o corpo para a sepultura. Trouxeram lençóis e especiarias, para o embalsamar à moda judaica. Cortaram os caracóis mais belos da Santíssima Virgem, como lembrança e enrolaram o corpo, dos tornozelos até o peito, em lençóis e faixas de pano, bem apertados.

         Os Apóstolos assistiam, nesse ínterim, ao sacrifício solene celebrado por Pedro, recebendo com ele a sagrada Comunhão; depois vi Pedro e João, ainda revestidos dos grandes mantos episcopais, entrar pelo vestíbulo e aproximar-se do santo corpo. João levava um vaso com ungüentos e Pedro, imergindo o dedo da mão direita no vaso, ungiu a testa, o meio do peito, as mãos e os pés da Santíssima Virgem, orando. Não era a Extrema Unção, que já recebera ainda viva.
         Pedro passou o ungüento sobre os pés e as mãos; a fronte e o peito, porém, assinalou-os com o sinal da cruz. Creio que foi para prestar homenagem ao corpo sagrado, como o fizeram também ao sepultar o corpo do Senhor.

         Depois dos Apóstolos terem saído, continuaram as mulheres o embalsamamento. Puseram tufos de mirra sob os braços, nas axilas e no epigástrico; encheram também com a mesma os espaços entre os ombros, ao redor do pescoço e do queixo e as faces. Os pés estavam também cobertos de tais tufos de ervas aromáticas. Depois lhe cruzaram os braços sobre o peito, envolveram o corpo na grande mortalha e enrolaram-no com a faixa sob o braço, como uma grande boneca. Sobre o rosto lhe estenderam um sudário transparente, através do qual se lhe podiam ver as faces alvas e resplandecentes, por entre os tufos de ervas. Depois deitaram o corpo sagrado num caixão, semelhante a uma cesta comprida e sobre o peito de Maria uma grinalda de flores de cor branca, encarnada e azul celeste, como sinal de virgindade.

         Então entraram todos os Apóstolos, discípulos e outros presentes, para ver mais uma vez o santo e querido semblante, antes de ser coberto. Ajoelharam-se, por entre muitas lágrimas e em silêncio, em roda da SS. Virgem, tocaram-lhe as mãos já enfaixadas sobre o peito, despedindo-se e depois saíram. As santas mulheres despediram-se então também, cobriram-lhe depois a santa face e colocaram a tampa sobre o caixão, que fecharam, atando-o nas duas extremidades e no meio com faixas cinzentas. Depois vi que puseram o caixão sobre uma padiola e Pedro e João transportaram-no sobre os ombros para fora da casa. Devem ter-se revezado, pois mais tarde vi que seis Apóstolos o transportavam.

         Parte dos Apóstolos e discípulos precediam, outros e as mulheres seguiam o caixão. Já estava anoitecendo: levavam quatro lanternas sobre paus.

         Assim seguiu o cortejo pelo caminho da Via Sacra de Maria, até a última estação e, passando em frente à pedra que a assinalava, sobre a colina, chegaram ao lado direito da gruta sepulcral. Ali depuseram o santo corpo; quatro levaram-no para dentro da gruta e puseram-no no leito escavado na pedra. Todos os presentes entraram ainda um por um, espalhando flores e ervas aromáticas e ajoelharam-se, oferecendo com lágrimas as suas orações; a tristeza e o amor fê-los demorar ainda. Já era noite, quando os Apóstolos fecharam a porta do sepulcro. Cavaram um fosso diante da entrada estreita da gruta e plantaram uma sebe de vários arbustos verdes, dos quais parte estava florescente e parte já tinha brotos e que haviam sido transplantados de outro lugar, junto com as raízes, de maneira que não se podia ver sinal da entrada, tanto mais quanto fizeram passar um pequeno córrego em frente dessa sebe. Não se podia mais entrar na gruta senão passando pelo lado, por trás dos arbustos”.
        

            A Assunção de Maria


            Os Apóstolos, discípulos e mulheres voltaram separados, demorando-se ainda aqui e acolá, rezando nas estações da Via Sacra; alguns ficaram também velando em oração perto do sepulcro. Ao voltar, viram de longe, por cima do sepulcro de Maria, uma luz maravilhosa e ficaram muito comovidos, sem saber o que era.

         Vi ainda vários Apóstolos e algumas santas mulheres rezar e cantar no pequeno jardim, diante do sepulcro. Descia, porém, uma larga faixa de luz do céu até o rochedo do sepulcro e nela vi um esplendor de três círculos, de Anjos e almas, que rodeavam a aparição de Nosso Senhor e da alma gloriosa de Maria. A aparição de Jesus Cristo, com os sinais resplandecentes das chagas, pairava diante dela. Em redor da alma de Maria vi no círculo interior a luz, figuras de crianças, no segundo círculo pareciam meninos de seis anos e no círculo exterior jovens adultos. Vi-lhes distintamente os rostos; o resto vi apenas como formas luminosas. Quando esta aparição chegou até o rochedo, tornando-se cada vez mais clara, vi dali até Jerusalém celeste uma estrada de luz.

         Depois vi a alma da SS. Virgem, que seguia a aparição de Jesus, passar para a frente e entrar através da rocha no sepulcro, do qual pouco depois saiu unida ao corpo glorificado de Maria, muito mais clara e resplandecente e voltou com o Senhor e todo o glorioso séqüito, para a Jerusalém celeste. Depois desapareceu todo o esplendor e se via de novo a luz pálida do céu estrelado, que se estendia sobre a região.

         Se os Apóstolos e as santas mulheres, que rezavam diante do sepulcro, também o viram, não o sei; mas vi que todos olhavam para cima, orando cheios de admiração; outros, porém, atônitos se prostraram, tocando com o rosto a terra. Vi também alguns que voltavam para casa, levando consigo a padiola, entoando cânticos e orações no caminho da Via Sacra e demorando-se diante das estações, olharem com grande emoção e fervor para a luz que surgira acima do sepulcro.

         Assim não vi a SS. Virgem morrer e subir ao céu de modo comum; mas primeiramente se lhe tirou da terra a alma e depois também o corpo.
         Mais tarde, regressando à casa, os Apóstolos e discípulos tomaram algum alimento e depois se deitaram para dormir.

        
            Abertura do sepulcro de Maria


            Hoje, à noite (15 de agosto), permaneciam ainda os Apóstolos em oração e pranto, na sala. As mulheres já se tinham deitado. Então vi chegarem o Apóstolo Tomé e dois companheiros. Um desses tinha o nome de Jonatan e era parente da Sagrada Família. Oh! Como ficaram aflitos, ao ver que tinham chegado tarde! Tomé chorou como uma criança, quando ouviu narrar a morte de Maria. Os discípulos lavaram-lhes os pés e deram-lhes de comer. Nesse ínterim acordaram as mulheres e se levantaram e depois de terem saído do quarto, conduziram Tomé e Jonatam ao aposento onde a SS. Virgem morrera. Ali se ajoelharam os recém-chegados, regando o lugar com as lágrimas. Tomé ficou ainda muito tempo de joelhos, rezando diante do pequeno altar de Maria. Comoveu-me indizivelmente a sua tristeza.

         Os Apóstolos, que não tinham interrompido a oração, depois de acabarem, saíram todos, para dar as boas vindas aos recém-chegados. Tomando nos braços Tomé e Jonatam, levantaram-nos, dois ainda estavam de joelhos e abraçando-os, levaram-nos à sala anterior da casa, onde lhes ofereceram pãezinhos e mel; beberam também de pequenos jarros e cálices. Rezaram mais uma vez juntos e abraçaram-se.

         Depois manifestaram Tomé e Jonatam desejos de ver o sepulcro da SS. Virgem. Os Apóstolos acendram lanternas, firmadas sobre paus e todos foram pelo caminho da Via Sacra de Maria, em direção ao sepulcro. Falavam pouco; demoravam-se algum tempo diante das estações, recordando-se do caminho da cruz do Senhor e do amor compassivo da Mãe SSma., que ali pusera as pedras comemorativas e tantas vezes as regara com lágrimas.

         Chegados ao rochedo do sepulcro, ajoelharam-se-lhes todos em volta. Tomé e Jonatam, porém, correram à entrada; João seguiu-os. Dois dos discípulos afastaram um pouco os arbustos diante da entrada e eles entraram e ajoelharam-se respeitosamente diante do túmulo da Santíssima Virgem. João, porém, aproximou-se do leve caixão em forma de cesta, que sobressaia um pouco do leito sepulcral, desatou as três faixas, que lhes fechavam a tampa e colocou esta ao lado. Então fizeram convergir a luz para dentro e viram, com grande espanto e comoção, os lençóis mortuários vazios, ainda na mesma posição em que lhe tinham envolvido o corpo. Sobre o rosto e o peito estavam abertos. Os envoltórios dos braços estavam um pouco soltos, mas ainda com as dobras; o corpo glorificado de Maria, porém, não estava mais na terra.

         Admirados, de mãos erguidas, olhavam para o alto, como se o santo corpo nesse momento houvesse aparecido e João bradou para fora da gruta: “Vinde e admirai, ela não está mais aqui!”. Então entraram todos, dois a dois, na estreita gruta, viram os lençóis vazios no caixão e, saindo, ajoelharam-se todos e, olhando, com os braços estendido, para o céu, choravam e rezavam, louvando o Senhor e sua querida Mãe glorificada, que lhes era também ma boa e fiel Mãe. Louvavam-no como filhos piedosos, exaltando-o com doces palavras de amor, como o Espírito lhes inspirava. Então se lembraram bem daquela nuvem luminosa, que viram de longe, ao voltar do enterro e que descera sobre o rochedo do sepulcro e depois subira ao céu.

         João, porém, tirou respeitosamente do caixão as mortalhas da Santíssima Virgem, dobrou e enrolou-as, para as levar consigo; depois colocou novamente a tampa sobre o caixão, atando-a com as faixas, como dantes.

         Saíram da gruta, fechando de novo a entrada com os arbustos. Rezando e cantando salmos, voltaram pelo caminho da Via Sacra, para a casa de Maria.

         Fecharam completamente a entrada do sepulcro da Virgem Santíssima, chegando mais os arbustos e firmando-os com terra; alargaram também o fosso. Limparam o pequeno jardim diante do sepulcro e ornaram-no; cavaram também uma passagem para a parede posterior do sepulcro e ali abriram com cinzel uma janelazinha no rochedo, pela qual se podia ver o túmulo, onde tinha jazido o corpo da Mãe Santíssima, à qual o Salvador, morrendo na cruz, os entregara todos e sua Igreja, na pessoa de João. Oh! eram filhos fiéis, obedientes ao quarto mandamento e muito tempo viveriam na terra, guardando o seu amor.

         A maior parte dos discípulos presentes já se haviam despedido. Também os Apóstolos se separaram. Bartolomeu, Simão, Judas Tadeu, Felipe e Mateus foram os primeiros que, após uma despedida comovedora, voltaram ao campo de ação. Os restantes, fora João, que ainda ficou mais tempo, dirigiram-se juntos à Palestina, onde depois também se separaram. Estavam lá muitos discípulos; também várias mulheres viajaram com eles de Éfeso para Jerusalém.

         Parece-me que o sepulcro de Maria ainda existe debaixo da terra; há de descobrir-se um dia.

Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.

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