AS VISÕES DE ANNA CATHARINA EMMERICH:A Gloriosa Ressurreição de Jesus.

AS VISÕES DE ANNA CATHARINA EMMERICH


A Gloriosa Ressurreição de Jesus.

           
            1. As vésperas da ressurreição.


            Depois de terminado o sábado, entrou João na sala das piedosas mulheres, chorou com elas e consolou-as. Quando, após algum tempo saiu, entraram Pedro e Tiago o Maior para o mesmo fim, demorando-se também pouco tempo apenas. Retiraram-se então as santas mulheres mais uma vez para a cela, chorando ainda por algum tempo, sentadas sobre a cinza e cobertas do véu de luto.

         Enquanto a Santíssima Virgem estava sentada, em ardente oração, cheia de saudade de Jesus, vi acercar-se lhe um Anjo, que lhe disse que saísse pela portinha de Nicodemos, pois o Senhor se aproximava. Encheu-se então o coração de Maria de profunda alegria; envolvendo-se no manto, ela deixou as santas mulheres, sem dizer aonde ia. Vi-a dirigir-se apressada àquela portinha do muro da cidade pela qual tinham entrado, ao voltar do Sepulcro.

         Podiam ser cerca de 9 horas da noite, quando vi a Santíssima Virgem parar de repente o passo apressado, num lugar deserto, perto dessa portinha; olhou com radiante amor para o muro da cidade. A alma de Jesus veio voando, resplandecente, sem sinais das chagas, ao encontro de Maria, seguida de um grande número de almas dos patriarcas. Virando-se para os patriarcas e indicando Maria, disse estas palavras: “Maria, minha Mãe” e foi como se abraçasse; depois desapareceu.

         Maria, porém, caiu de joelhos e beijou a terra onde Ele pisara; os sinais dos joelhos e pés da Virgem ficaram impressos na pedra. Voltou então, cheia de indizível consolação, para junto das santas mulheres, que encontrou reunidas em redor de uma mesa, preparando ungüentos e especiarias. Não lhes disse o que lhe sucedera; mas estava confortada e consolou a todos e confirmou-as na fé.
        
         Quando Maria voltou, vi as santas mulheres em redor de uma longa mesa, de pés cruzados, como um aparador e cuja toalha pendia até o chão. Vi algumas escolherem, misturarem e arrumarem variadíssimos molhos de ervas; tinham também alguns frascos com ungüento e outros com água de nardo, como também várias flores vivas, entre as quais me lembro de ter visto uma íris listrada ou um lírio; embrulharam tudo em panos. Durante a ausência de Maria, tinham ido à cidade Madalena, Maria Cléofas, Salomé, Joana Cuza e Maria Salomé, para comprar tudo. Queriam ir na madrugada do dia seguinte ao sepulcro, para derramar e espalhar tudo sobre o corpo amortalhado do Senhor. Vi os discípulos buscarem uma parte das especiarias em casa daquela merceeira e entregarem-nas à porta da casa das santas mulheres, sem entrar lá.


            2. José de Arimatéia é posto em liberdade.


            Pouco tempo depois do encontro da Santíssima Virgem com a alma do Senhor e da sua volta para junto das mulheres santas, vi José de Arimatéia rezando no cárcere. De súbito vi o cárcere cheio de luz e ouvi chamar-lhe o nome; vi o teto em parte como que levantado do muro e uma figura resplandecente, que desceu um pano, que me fez lembrar do pano em que José envolvera o corpo de Jesus e a figura mandou-o subir pelo pano. José segurou então o pano e apoiando os pés em algumas pedras salientes do muro, subiu até duas vezes a altura de um homem, à abertura que, depois de o ter deixado passar, tornou a fechar-se. Quando José chegou em cima, desapareceu a figura. Eu mesmo não sei se foi o Senhor ou um Anjo que o libertou.

         Vi-o depois correr sobre o muro da cidade, sem ser notado, até perto do Cenáculo, que está situado perto do muro sul de Sião. Ali desceu e bateu na porta do Cenáculo. Os discípulos ali reunidos tinham fechado as portas e já se entristeciam muito pelo desaparecimento de José; ao receberem a notícia, pensaram primeiro tivesse sido lançado numa fossa.
         Quando, porém, abriram e o viram entrar, reinou a mesma alegria que mais tarde, quando Pedro, libertado do cárcere, reapareceu entre eles. José contou a aparição que tivera; alegraram-se muito e ficaram consolados; deram-lhe de comer e agradeceram a Deus. José porém, fugiu na mesma noite de Jerusalém, para a cidade natal, Arimatéia; mas recebendo depois notícia de que não havia mais perigo, voltou para Jerusalém.

         Pelo fim do Sábado vi também Caifás e outros sacerdotes em casa de Nicodemos, conversando com este e interrogando-o hipócritamente a respeito de muitas coisas; não sei mais do que se tratava. Ele, porém, ficou decidido e fiel na defesa do Senhor e os inimigos saíram então.


            3. A noite antes da ressurreição de Jesus.


            Pouco depois vi o sepulcro do Senhor. Tudo ali estava quieto e sossegado; cerca de sete guardas estavam sentados ou em pé, defronte e em redor do rochedo. Cássio raras vezes se afastara, durante todo o dia e por poucos instantes; lá estava de novo mergulhado em meditação sobre muitas coisas e em expectativa; pois receberam muitas graças e iluminações e estava interiormente esclarecido e comovido.

         Era noite e os braseiros diante da gruta sepulcral projetavam uma viva luz em redor; então me aproximei, na minha contemplação, do corpo sagrado, para o adorar: jazia ainda inalterado, envolto nos panos, rodeado de luz, entre dois Anjos, que vi continuamente, desde que foi levado à sepultura, do lado da cabeça e dos pés, em silenciosa adoração.
        
         Esses Anjos eram como figuras sacerdotais e lembravam-me vivamente os Querubins da Arca da Aliança, pela posição, com os braços cruzados sobre o peito; somente não lhes vi asas. Em geral a sepultura e o túmulo do Senhor me lembravam por diversas vezes extraordinariamente a Arca da Aliança, em várias épocas da história. Talvez que a luz e a prece dos Anjos de tenham tornado até certo ponto visíveis a Cássio e por isso ficasse em contínua contemplação diante do sepulcro fechado, como alguém que adora a SS. Sacramento.

         Durante a minha adoração, tive a impressão de que a alma do Senhor, com as almas remidas dos patriarcas, entrava pelo rochedo na gruta, fazendo-os conhecer todo o martírio do seu santo corpo. Nesse mesmo momento me parecia que todos os invólucros eram tirados; vi o corpo sagrado cheio de feridas e era como se a divindade, que lhe permanecia unida, o mostrasse às almas de maneira misteriosa, em todos os maus tratos e cruel martírio que padecera. Parecia-me inteiramente transparente e visível todo o seu interior. Podiam-lhe conhecer as feridas, dores e sofrimentos, nas partes mais íntimas. As almas estavam cheias de indizível respeito e pareciam estremecer e chorar de compaixão.

         Entrei depois numa contemplação, cujo mistério, em toda a extensão, não posso contar claramente. Vi a alma de Jesus entrar-lhe no corpo sagrado, sem lhe restituir a vida pela perfeita união e com ele sair do sepulcro; pareceu-me que os dois Anjos, que adoravam nas duas extremidades do túmulo, levaram o santo corpo martirizado para cima, nu, desfigurado e cheio de feridas, ereto, mas com os membros na posição em que estavam no túmulo.

         Vi-os subir ao céu, passando pelo rochedo que tremeu; tive uma visão de Jesus, apresentando o corpo martirizado ao trono do Pai Celestial, no meio de inúmeros coros de Anjos em adoração, do mesmo modo que as almas de muitos profetas tomaram os respectivos corpos, depois da morte de Jesus, conduzindo-os ao Templo, sem que eles vivessem verdadeiramente e tivessem de morrer de novo; pois foram depois depostos pelas almas sem separação violenta. Nessa contemplação não vi as almas dos patriarcas acompanharem o corpo do Senhor. Também agora não me lembro mais onde ficaram, até que as vi novamente reunidas à alma do Senhor.

         Notei nessa contemplação um tremor do rochedo do sepulcro; quatro dos guardas tinham ido à cidade buscar qualquer coisa, três que estavam presentes, caíram como que desmaiados. Atribuíram-no a um terremoto, não percebendo a verdadeira causa. Cássio, porém, estava muito comovido e abalado; pois viu algo do que se passou, sem ter entretanto uma clara compreensão. Mas permaneceu no posto, esperando com profundo respeito o que ia acontecer. No entanto voltaram os soldados ausentes.

         Minha contemplação tornou a dirigir-se depois às santas mulheres. Depois de terem terminado a preparação das especiarias, que foram envolvidas em panos e arrumadas para se levarem comodamente, retiraram-se novamente para as celas; não se deitaram, porém, para dormir, encostaram-se apenas nos leitos enrolados, para descansar, porque queriam ir ao sepulcro de Jesus antes de amanhecer.

         Tinham manifestado várias vezes receios a respeito dessa intenção; pois tinham medo de que os inimigos de Jesus lhe pudessem fazer mal, se saíssem. Mas a Santíssima Virgem, reanimada desde a aparição de Jesus, consolou-as e disse-lhes que descansassem um pouco e depois fossem sossegadamente ao sepulcro, que não lhes sucederia mal algum. Assim foram descansar um pouco.

         Eram, porém, cerca de onze horas quando a Santíssima Virgem, impelida pelo amor e pela saudade, não achou mais sossego; levantou-se, envolveu-se inteiramente no manto cinzento e saiu sozinha de casa. Pensei ainda: “Ah! Como podem deixar sair sozinha nestas condições a santa Mãe, tão angustiada e abatida?” Vi-a, porém, ir cheia de tristeza até à casa de Caifás  e dali até ao palácio de Pilatos, o que significava uma longa volta para dentro da cidade.

         Assim percorreu sozinha toda a via sacra de Jesus, pelas ruas desertas, demorando-se nos lugares onde o Senhor sofrera qualquer dor ou mau trato. Era como se procurasse algo que tivesse perdido. Muitas vezes se lançava por terra, apalpava com as mãos as pedras em redor, tocando depois com a mão a boca, como se tivesse tocado numa coisa sagrada, o sangue do Senhor e o beijasse respeitosamente. Estava, porém, num estado sobrenatural; pelo amor via tudo em redor de si luminoso e claro, estava toda absorta em amor e adoração. Acompanhei-a pelo caminho e senti e fiz, na medida de minhas poucas forças, tudo quanto ela sentiu e fez.

         Ela seguiu o caminho da cruz até o Monte Calvário. Quando se aproximou deste, parou de repente e vi Jesus, com o santo corpo torturado, aparecer diante da Santíssima Virgem; um Anjo ia á frente, os dois Anjos que o adoravam no sepulcro, iam ao lado, seguindo-se um grande número de almas remidas. O corpo não se movia, era como um cadáver ambulante, rodeado de luz; mas ouvi sair dele uma voz, que anunciou à Mãe Santíssima o que Ele tinha feito no limbo e que em breve ressuscitaria, com corpo vivo e glorificado e viria ao seu encontro; que o esperasse perto da pedra em que caíra, no Monte Calvário. Vi depois essa aparição se dirigir à cidade e a Santíssima Virgem, envolta no manto, prostrando-se de joelhos, rezar no local onde o Senhor a mandara esperar. Já devia ser mais de meia noite, pois Maria gastara muito tempo em seguir a via sacra.

         Vi, porém, o cortejo do Senhor percorrer também todo o caminho da cruz. todo o suplício e os padecimentos de Jesus foram mostrados às almas e os Anjos colheram, de maneira misteriosa, toda a substância sagrada que lhe fora arrancada, durante a Paixão. Vi que lhes foi mostrado também a crucifixão, a elevação da cruz, o golpe da lança no lado, a descida da cruz e a preparação para a sepultura; a Santíssima Virgem contemplou tudo em espírito e adorou-O com amor.

         Vi então, na contemplação, o corpo do Senhor jazendo novamente no túmulo e que os Anjos lhe tinham restituído, de maneira misteriosa, tudo quanto lhe fora tirado, durante o suplício. Vi-o de novo envolta na mortalha, rodeado de esplendor e os dois Anjos em adoração, nas extremidades do túmulo, do lado da cabeça e dos pés. Não posso explicar como O vi; são tantas e tão variadas coisas, tão inefáveis, que a nossa inteligência não as pode compreender segundo as leis comuns da natureza. Quando as vejo, é tudo tão claro e compreensível, mas depois de me turva a mente, de modo que não o posso claramente descrever.

         Quando o céu clareou-se a leste de um alvo rasto luminoso, vi Madalena, Maria Cléofas, Joana Cuza e Salomé, envoltas nos mantos, saírem da habitação, no Cenáculo. Levavam sob os mantos as especiarias, embrulhadas nos panos e uma delas levava também uma lanterna acesa. As especiarias constavam de flores vivas, para serem espalhadas sobre o corpo e de suco extraído de plantas, essências e óleos, que queriam derramar sobre ele. Vi as santas mulheres encaminharem-se, com muito receio, em direção à portinha de Nicodemos.


            4. A Ressurreição do Senhor.


            Vi a alma de Jesus aparecer, com grande esplendor, entre dois Anjos de figura guerreira, (os Anjos que eu via dantes tinham figura sacerdotal), rodeado de muitas outras figuras luminosas; passando por cima através do rochedo do sepulcro, desceu sobre o santo corpo, como se inclinasse para ele e com ele se fundisse. Então vi os membros se lhe moverem nos invólucros e o corpo vivo, e resplandecente do Senhor, unido à alma e à divindade, sair, ao lado das mortalhas, como se saísse da chaga do lado. Esta visão me recordou Eva, que saiu do lado de Adão. Tudo estava cheio de luz e esplendor.

         Nesse momento vi, na minha contemplação, a aparição de uma forma monstruosa, que dos infernos subiu, por baixo do túmulo. Levantou raivosamente a cauda de serpente e a cabeça de dragão contra o Senhor. Além disso, como ainda me recordo, tinha uma cabeça humana. Vi, porém, na mão do Redentor ressuscitado um belo bastão branco e sobre este uma bandeira desfraldada. O Senhor pisou a cabeça do dragão e bateu três vezes com o bastão na cauda da serpente; vi-a encolher-se cada vez mais e afinal desaparecer; a cabeça do dragão foi pisada e esmagada na terra e só a cabeça humana lhe ficou ainda. Tenho tido essa visão já por diversas vezes na contemplação da ressurreição e vi também uma serpente semelhante, espreitando à hora da conceição de Nosso Senhor.

         A forma dessa serpente lembra-me sempre a serpente do paraíso, mas era ainda mais hedionda. Penso que essa visão se referia à promissão: “A semente da mulher esmagará a cabeça da serpente”. Parecia-me um símbolo da vitória sobre a morte; pois enquanto Jesus esmagou a cabeça do dragão, não vi mais o sepulcro, mas vi o Senhor passar resplandecente através do rochedo. Tremeu a terra, um Anjo em figura de guerreiro desceu do céu ao sepulcro, como um relâmpago, levantou a pedra para o lado direito e sentou-se-lhe em cima. Foi tal o tremor de terra, que as lanternas oscilavam e as chamas saiam por todos os lados.

         A vista disso, caíram por terra os guardas, como que atordoados e jaziam como mortos, com os membros tortos. Cássio viu tudo de luz e esplendor; mas recobrando ânimo, aproximou-se resolutamente do túmulo, abriu um pouco as portas, examinou as mortalhas vazias e afastou-se, para ir relatar a Pilatos o que acontecera. Mas ainda se demorou um pouco na proximidade, esperando que sucedesse mais alguma coisa; pois vira só o terremoto, o Anjo que num instante levantara a pedra e se lhe sentara em cima, o túmulo vazio, mas não vira Jesus. Como também os guardas, foi Cássio um dos primeiros que deram notícia do sucedido aos Apóstolos.         

         No mesmo momento em que o Anjo desceu ao sepulcro e a terra tremeu, vi o Senhor aparecendo à Mãe Santíssimaperto do Monte Calvário. Estava maravilhosamente belo, sério e luminoso. A veste, que lhe envolvia o corpo como um largo manto, flutuava no ar atrás dEle quando caminhava e tinha reflexos de cor branca azulada, como fumaça vista através  da luz do sol. As chagas estavam largas e brilhavam; nas chagas das mãos se podia introduzir bem um dedo. Os lábios das chagas tinham a forma de três triângulos eqüiláteros, coincidindo no centro de um circulo. Do meio das mãos saiam raios luminosos para os dedos. As almas dos patriarcas inclinaram-se diante da Mãe de Jesus, à qual o Senhor disse, em poucas palavras, que me fugiram da memória, que tornaria a vê-Lo. Mostrou-lhe as chagas e quando ela se prostrou por terra, para beijar-lhe os pés, tomou-a pela mão e levantando-a, desapareceu.

         Vi ao longe o brilhar das lanternas ao lado do sepulcro e a leste de Jerusalém uma luz branca no horizonte – o amanhecer do dia.


            

            5. As santas mulheres no sepulcro. Aparições de Jesus.


            As santas mulheres estavam perto da pequena porta de Nicodemos, quando o Senhor ressuscitou. Nada notaram dos prodígios que nesse momento se deram, nem sabiam que fora posta uma guarda à porta do túmulo; pois na véspera, como era sábado, ninguém fora ao sepulcro e elas tinham ficado de luto, com as portas fechadas. Inquietas, diziam umas às outras: “Quem nos tirará a pedra da porta?” Pois no desejo de prestar homenagem ao corpo do Senhor, tinham se esquecido inteiramente da pedra.

         Tinham a intenção de derramar água de nardo e ungüentos sobre o corpo do Senhor e cobri-lo de flores e ervas aromáticas, pois não tinham contribuído para as especiarias usadas no embalsamamento, de cujas despesas se encarregava Nicodemos e por isso queriam agora oferecer ao corpo do Senhor e Mestre o que de mais preciso podiam encontrar.Salomé comprara a maior parte; não era a mãe de João, mas outra Salomé, uma senhora rica de Jerusalém, aparentada com S. José. Resolveram que iriam pôr as especiarias sobre a pedra, diante do túmulo e esperar até que porventura viesse um dos discípulos, que lhes abrisse as portas, no entanto continuavam caminhando para o jardim do sepulcro.

         Vi os guardas deitados em redor, como mortos e com os membros tortos. A pedra fora colocada do lado direito da gruta, de modo que se podia abrir a porta que, porém, ainda estava encostada. Vi através da porta, no leito sepulcral, os panos em que o corpo de Jesus tinha sido envolto. O pano largo, que cobria todo o corpo, estava inalterado, apenas vazio e encolhido, continha somente as ervas aromáticas. A faixa com que fora enrolado, estava ao longo do lado anterior do leito Sepulcral mas não fora desenrolada. O pano com que Maria lhe cobrira a cabeça, encontrava-se na cabeceira, à direita, na mesma posição em que lhe envolvera a cabeça, apenas o véu do rosto fora aberto.

         Vi então as mulheres se aproximarem do jardim. Vendo as lanternas da guarda e os soldados deitados em redor, assustaram-se e deixando de lado o jardim, seguiram alguns passos em direção ao Gólgota. Madalena, porém, esqueceu-se de todo o perigo e entrou apressada no jardim; Salomé seguiu-a a alguma distância. Eram as duas principalmente que tinham comprado os ungüentos. As duas outras mulheres eram mais tímidas e ficaram fora do jardim.

         Vi Madalena, deparando com os guardas, correr assustada para trás, ao lado de Salomé; depois avançaram juntas e passando timidamente por entre os soldados, que ainda estavam atordoados, entraram na gruta. Viram a pedra já afastada; as portas estavam encostadas, como provavelmente Cássio as deixara. Então abriu Madalena, com grande ânsia, uma das portas, olhou assustada para o leito sepulcral e viu todos os panos vazios e separados. Tudo estava cheio de esplendor e um Anjo sentado à direita, sobre o túmulo.

         Madalena ficou espantada; não sei se ouviu qualquer palavra do Anjo. Correu precipitadamente para fora do jardim, pela pequena porta de Nicodemos, ao encontro dos Apóstolos, reunidos na cidade. Também não sei se Maria Salomé, que não entrara na gruta, ouviu alguma palavra do Anjo; vi-a fugir do sepulcro e do jardim, muito assustada, logo depois de Madalena e juntar-se às mulheres que ficaram fora do jardim, às quais anunciou o que sucedera.

         Tudo isso foi feito com grande pressa e com o espanto de quem viu espíritos. As outras mulheres, ouvindo as notícias de Maria Salomé, assustadas e ao mesmo tempo satisfeitas, não ousaram por algum tempo entrar no jardim.

         Cássio, porém, depois de sair do sepulcro, demorara-se algum tempo nos arredores, esperando ver Jesus ou que este aparecesse talvez às mulheres, que se aproximavam; dirigiu-se depois apressadamente à porta da cidade, para levar notícias a Pilatos e passando perto das santas mulheres, contou-lhes em poucas palavras o que vira, exortando-as a que fossem verificá-lo com os próprios olhos.

         Então recobraram ânimo e entraram juntas no jardim e tendo entrado com muito medo na gruta, viram diante delas os dois Anjos do sepulcro, em vestes sacerdotais, brancas e resplandecentes. As mulheres, extremamente assustadas, estreitando-se uma à outra e cobrindo o rosto com as mãos, inclinaram-se até à terra. Um dos Anjos, porém, falou-lhes, dizendo que não se assustassem; não procurassem ali o Crucificado, pois estava vivo, tinha ressuscitado e não se achava mais entre os mortos. Mostrou-lhes também o leito vazio do sepulcro e mandou-lhes que anunciassem aos discípulos o que tinham ouvido e visto, avisando-lhes que Jesus os precederia na Galiléia; deviam lembrar-se do que lhes dissera na Galiléia: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores e crucificado e no terceiro dia ressuscitará dos mortos”.

         Então desapareceram os Anjos e as santas mulheres, com temor e tremendo, olharam para o leito sepulcral e os panos, chorando e ao mesmo tempo cheias de alegria; depois saíram, dirigindo-se à porta da cidade pela qual Jesus saíra para o suplício. Estavam ainda espantadas, não se apressavam, mas paravam de vez em quando, olhando em redor, na esperança de ver Jesus ou que Madalena voltasse.

         No entanto vi Madalena chegar ao Cenáculo; estava como que desvairada e bateu com veemência à porta. Alguns dos discípulos estavam ainda deitados, dormindo ao longo das paredes; outros já se haviam levantado e estavam conversando; Pedro e João foram abrir. Madalena disse apenas: “Tiraram o Senhor do sepulcro, não sabemos para onde o levaram”. Tendo dito isto, voltou ao jardim do sepulcro, correndo com grande pressa. Pedro e João entraram de novo em casa, disseram algumas palavras aos outros discípulos e seguiram-na depois apressadamente, mas João mais ligeiro do que Pedro.

Vi Maria Madalena entrar novamente no jardim e correr ao sepulcro, perturbada pela corrida forçada e a tristeza. Estava toda molhada de orvalho, o manto caíra-lhe da cabeça aos ombros e os cabelos tinham-se-lhe soltado. Como estava só, teve medo de entrar na gruta, mas ficou no fosso, diante da gruta; ali se inclinou, para olhar para dentro do túmulo, através da porta baixa da gruta.

Segurando o longo cabelo com as mãos, viu dois Anjos de vestes brancas, sacerdotais, sentados à cabeceira e aos pés do túmulo e ouviu ao mesmo tempo a voz de um deles: “Mulher, por quê choras?” E Madalena exclamou, cheia de tristeza, (pois não pensava senão no corpo de Jesus, que não estava mais ali): “Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram!” Dizendo isso e vendo só os panos, virou-se logo, como quem procura alguém; pensava que devia encontrá-Lo em qualquer parte e tinha um vago sentimento de sua presença e nem a aparição dos Anjos podia dissuadi-la. Parecia não se lembrar que eram Anjos; pensava só em Jesus, perguntava somente a si mesma: “Jesus não está aqui; onde estará Ele?”

         Vi-a alguns passos diante da gruta, vagando de um lado para o outro, como quem, com grande perturbação, está procurando alguém. O longo cabelo caia-lhe de ambos os lados sobre os ombros; uma vez o segurou no ombro direito, com ambas as mãos; depois o pegou de ambos os lados e jogou-o para trás, olhando sempre em redor.

         De súbito viu, a dez passos de distância, a leste do rochedo sepulcral, onde o jardim sobe para o muro da cidade, atrás de uma palmeira, nas moitas, uma figura alta, vestida de branco, à luz do crepúsculo e correndo para lá, ouviu de novo as palavras: “Mulher, por quê choras? A quem procuras?” Julgou que fosse o jardineiro e eu também lhe vi na mão uma enxada e na cabeça um grande chapéu, que se parecia com um pedaço de casca de árvore, para proteger do sol, como vi também o jardineiro na parábola que Jesus contou às mulheres, em Betânia, pouco antes da Paixão.

         A aparição não era luminosa, mas de um homem vestido de uma longa veste branca, à luz do crepúsculo. Às Palavras: “Quem procuras?” Madalena respondeu imediatamente: “Senhor, se O levaste, dize-me onde está e irei buscá-Lo”. E ao mesmo tempo olhou em redor, para ver se o achava ali perto. Então lhe disse Jesus, com a voz habitual: “Maria!”Reconhecendo-Lhe a voz e esquecendo a crucificação, morte e sepultura, Madalena virou-se imediatamente e disse-Lhe, como se Ele ainda estivesse vivo: “Raboni (Mestre)!” E caiu de joelhos, estendendo as mãos para lhe abraçar os pés. Jesus, porém, ergueu a mão para a afastar, dizendo: “Não me toques: pois ainda não subi ao meu Pai. Mas vai a meus irmãos e dize-lhes: “Ascenderei a meu Pai e a vosso Pai, a meu Deus e a vosso Deus”. E o Senhor desapareceu.

         Recebi também a explicação do motivo pelo qual Jesus disse: “Não me toques”; mas não me lembro mais muito bem. Parece-me que o disse, porque Madalena era muito impetuosa e estava dominada inteiramente pela convicção de que Ele vivia como dantes e que tudo era como outrora. Das palavras de Jesus: “Ainda não subi a meu Pai”, recebi a explicação de que ele não se apresentara ainda ao Pai depois da Ressurreição e não lhe agradecera ainda a vitória sobre a morte e a Redenção. Parecia dizer com isso que as primícias da alegria pertenciam a Deus; antes de tudo devia lembrar-se de dar graças a Deus, pelo mistério consumado da Redenção e da vitória sobre a morte; pois Madalena queria abraçar-Lhe os pés, como dantes e não pensava senão no Mestre querido e esquecera, no enlevo do amor, o grande milagre da ressurreição.

         Depois do desaparecimento do Senhor se levantou Madalena e correu mais uma vez ao sepulcro, como para se convencer de que não tinha sonhado. Então vi os dois Anjos sentados à cabeceira e aos pés do túmulo, ouviu o que tinham dito também às outras mulheres, a respeito da ressurreição, viu os panos; convencida do milagre e da visão, saiu correndo, para procurar as companheiras no caminho do Gólgota; pois, andavam ainda pelos arredores, indecisas, esperando a volta de Madalena e nutrindo o desejo de ver o Senhor em qualquer parte.

         Tudo o que se deu com Madalena, durou apenas alguns minutos; podiam ser cerca de duas horas e meia, quando lhe apareceu o Senhor. Ela correra justamente para fora do jardim, quando entrou João e logo após este, Pedro. João ficou na entrada e curvando-se, olhou pela porta meio aberta do sepulcro e viu lá dentro os panos. Então chegou Pedro e entrou na gruta; lá viu as mortalhas dobradas, nas quais estavam embrulhadas as especiarias: tudo enlaçado com faixa de pano, como as mulheres costumam enrolar tais panos para guardas; o véu do rosto, porém, estava dobrado perto da parede, do lado direito. João entrou então também na gruta e, aproximando-se do leito sepulcral, viu-o e creu na ressurreição; pois nesse momento se lhes tornou claro o que Jesus tinha dito e o que está escrito na Escritura e a que dantes tinham prestado pouco atenção. Pedro levou os panos sob o manto. Depois saíram, correndo, pela pequena porta de Nicodemos; João, porém, tomou novamente a dianteira.

         Vi com eles e também com Madalena, o sepulcro. Ambas às vezes vi os dois Anjos sentados à cabeceira e aos pés, como sempre e durante todo o tempo em que o santo corpo de Jesus esteve no sepulcro. Pareceu-me, porém, que Pedro não os viu. Quanto a João, ouvi-o dizer mais tarde os discípulos de Emaús que, olhando de fora para dentro, vira um Anjo. Talvez fosse por isso que, assustado, deixou primeiro entrar Pedro e não o escreveu no Evangelho por humildade, para não ter visto mais do que Pedro.

         Depois vi os guardas, estendidos por ali, recobrarem os sentidos e levantarem-se. Tomaram as lanças e os braseiros, que ardiam na entrada, em cima de hastes e lançavam luz na gruta, saíram assustados e perturbados do jardim e voltaram à cidade, pela porta pela qual Jesus fora conduzido à morte.

         No entanto encontrara Madalena as santas mulheres e contara-lhes que comunicara a Pedro ter visto os Anjos; as mulheres responderam-lhe que também tinham visto os Anjos. Madalena voltou apressadamente à cidade, pela porta do Calvário; as mulheres, porém, foram novamente na direção do Jardim, esperando talvez encontrar ainda lá os dois Apóstolos. Os guardas passaram-lhes perto e disseram-lhes algumas palavras.

         Quando as santas mulheres chegaram próximas ao jardim do sepulcro, veio-lhes ao encontro Jesus, com uma veste larga e branca, que lhe cobria até as mãos e disse: “Deus vos salve!” Elas estremeceram e caíram-Lhe as pés, os quais pareciam querer abraçar; mas não me lembro mais claramente de o ter visto. O Senhor disse-lhes algumas palavras, apontou com a mão em uma direção e desapareceu.

         As santas mulheres foram depressa pela Porta de Belém a Sião, para anunciar aos discípulos que tinham visto o Senhor e o que Ele lhes dissera. Estes, porém, não queriam a princípio lhes dar fé às afirmações, nem às de Madalena, tomando tudo, até à volta de Pedro e João, por imaginação das mulheres.

         João e Pedro, que se tornara muito pensativo com o que tinha visto, encontraram-se, ao voltar, com Tiago o Menor e Tadeu, que os tinham querido seguir ao sepulcro. Também esses dois estavam muito comovidos, pois o Senhor lhes aparecera perto do Cenáculo. Vi, porém, que Jesus tinha passado perto de Pedro e João: pareceu-me que Pedro O viu, pois vi-o de súbito extremamente comovido. Não sei se João também O reconheceu.

         Nas visões que se referem a esse tempo, vejo muitas vezes, em Jerusalém e em outros lugares, o Senhor e outras aparições no meio de homens, mas não noto que estes o avistem. Às vezes vejo alguns estremecerem de repente espantar-se, enquanto que outros ficam indiferentes. Parece-me que vejo o Senhor sempre, mas percebo ao mesmo tempo que naqueles dias os homens o viam só de vez em quando.

         Do mesmo modo tenho visto sempre os dois Anjos sacerdotais na gruta do sepulcro, desde a sepultura do Senhor, mas vi também que as santas mulheres às vezes os viam, outras vezes viam só um e ainda em outras ocasiões viam ambos. Os Anjos que falaram às mulheres, eram os Anjos de aparência sacerdotal. Falou apenas um deles e só um foi visto, porque a porta não estava aberta. O Anjo que desceu do céu como um relâmpago, rolou a pedra para o lado o sentou-se-lhe em cima, apareceu na figura de um guerreiro. Cássio e os guardas viram-no a princípio sentado na pedra. Os Anjos que falaram ainda depois, eram um ou dois Anjos do sepulcro. Do motivo porque tudo assim sucedeu, não me lembro mais; quando o vi, não fiquei surpresa; pois lá vemos muito simples e direito e nada parece estranho.
        

            6. Relatório da guarda do sepulcro.


            No entretanto chegara Cássio ao palácio de Pilatos, cerca de uma hora depois da ressurreição. Vi o governador deitado no leito e Cássio apresentar-se-lhe e relatar-lhe, muito comovido, como o rochedo tremera e um Anjo descera do céu, removendo a pedra e as mortalhas ficaram vazias. Jesus era com certeza o Messias e o Filho de Deus; ressuscitara e não estava mais no sepulcro. Ainda contou outras coisas que vira.

         Pilatos ouviu tudo com um oculto terror, mas não deixou perceber nada e disse a Cássio: “És um sonhador; fizeste muito mal em colocar-te junto do sepulcro do Galileu; pois os deuses dEle conquistaram poder sobre ti e fizeram-te ver todas essas visões fantásticas. Dou-te o conselho de não falar dessas coisas ao sumo Sacerdote, senão te meterás em maus lençóis”.
         Fingiu também crer que o corpo de Jesus fosse roubado pelos discípulos e que a guarda descrevesse o sucedido de modo diferente apenas para se desculpar, porque havia permitido o roubo ou porque não cumprira com o dever ou talvez porque tivesse sido enfeitiçada. Tenho Pilatos falado ainda mais tempo dessa maneira indecisa, despediu-se Cássio e o governador mandou novamente oferecer sacrifícios aos ídolos.

         Vieram ainda quatro dos soldados da guarda, dando a mesma informação a Pilatos, que os mandou a Caifás, sem lhes manifestar opinião. Vi uma parte dos soldados da guarda dirigir-se imediatamente a um vasto pátio perto do Templo, onde estavam muitos anciãos do povo. Vi estes se reunirem em conselhos e depois tomarem os soldados de parte e os induzirem, com dinheiro e ameaças, a dizerem que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus, enquanto os guardas dormiam.
        
         Como, porém, os soldados replicassem que os camaradas contariam o contrário a Pilatos, prometeram os fariseus arranjar tudo com Pilatos e persistiam em descrever o sucedido como o tinham contado ao governador. Mas já se espalhara também a notícia da fuga inexplicável de José de Arimatéia do cárcere bem fechado e como os fariseus quisessem lançar suspeitas sobre os guardas, que persistiam em proclamar a verdade, acusando-os de terem combinado com os discípulos o roubo do corpo de Jesus e ameaçando-os violentamente, se não o trouxessem de novo, responderam os guardas que não o podiam fazer, assim como os guardas do cárcere não podiam trazer o fugitivo José de Arimatéia.

         Responderam valentemente às acusações e não se deixaram induzir por nenhum suborno a guardar silêncio, a respeito dos acontecimentos; até falaram com muita franqueza do falso e odioso julgamento de sexta-feira e da interrupção das cerimônias da Páscoa; então foram presos e lançados no cárcere os outros, porém, espalharam o boato de que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus e os fariseus mandaram propagar esta mentira em todos os lugares e sinagogas do mundo, junto com outros insultos a Jesus.

         Mas esta mentira lhes foi de pouco proveito; pois após a ressurreição de Jesus, apareceram muitas almas de santos judeus defuntos e comoveram os corações dos descendentes, levando a converterem-se os que ainda eram acessíveis à graça e ao arrependimento. Vi também tais aparições apresentarem-se a muitos discípulos que, abalados na fé e desanimados, se tinham dispersado pelo país; consolaram e firmaram-nos na fé.

         A ressurreição dos corpos mortos dos sepulcros, depois da morte de Jesus, não tinha semelhança com a ressurreição do Salvador; pois o Senhor ressuscitou com o corpo glorificado e revivificado, andou na terra vivo e em pleno dia e subiu ao céu com esse mesmo corpo, diante dos olhos dos amigos; esse corpo não era mais sujeito à morte e ao sepulcro.
        
         Mas os outros ressuscitados eram apenas cadáveres ambulantes e sem movimento, dados como invólucro às almas, que de novo os depuseram no seio da terra, onde esperam a ressurreição final, como todos nós. Em verdade ressuscitaram menos do que Lázaro, que viveu verdadeiramente e mais tarde morreu segunda vez; pois aqueles foram depostos nos sepulcros, como vestimentas das almas, quando o corpo de Jesus foi sepultado.
        

            7. Ameaças dos inimigos.


            No domingo seguinte, se não me engano, vi os judeus começarem a limpar, a lavar e purificar o Templo. Encheram o chão de flores e cinza de ossos de mortos e ofereceram sacrifícios de expiação; tiraram os escombros, fecharam as aberturas com tábuas e tapetes e fizeram depois as cerimônias da Páscoa, as quais na própria festa não tinham podido completar.

         Proibiram, porém, todos os boatos e murmúrios, explicando a interrupção da festa e as destruições no Templo como conseqüência do terremoto e da presença de pessoas impuras durante o sacrifício; citaram um trecho de uma visão do profeta Ezequiel, sobre a ressurreição dos mortos, não sei mais como a aplicaram a esse fato. Demais ameaçaram com penas e excomunhão. Assim reduziram todos os silêncios, pois muitos se sentiam culpados, como cúmplices do crime. Contudo conseguiram acalmar realmente apenas a grande multidão, endurecida no pecado e já perdida; a parte melhor do povo converteu-se silenciosamente nessa ocasião e abertamente na festa de Pentecostes e mais tarde na sua terra, ao ouvir a pregação dos Apóstolos.

         Os Sumos Sacerdotes tornaram-se por isso cada dia menos arrogantes e o número dos fiéis aumentou, de modo que já nos dias do Diácono Estevão, todo o bairro de Ofel e a parte oriental de Sião não podia mais conter a multidão da comunidade de Jesus Cristo e os cristãos construíram as cabanas e tendas além da cidade, através do vale de Cedron, até Betânia.

         Vi naqueles dias o Sumo Sacerdote Anás como que possesso do demônio; puseram-no em reclusão e não apareceu mais. Caifás estava desvairado de secreto furor.
         Na quinta-feira depois da Páscoa, vi Pilatos procurar a esposa, mas em vão. Estava escondida em casa de Lázaro, em Jerusalém. Ninguém imaginava que estivesse ali, pois naquela ocasião não se encontravam mulheres no edifício, só Estevão, o discípulo que ainda não era conhecido como tal, entrava e saia de vez em quando da casa, levando-lhe comida e dando-lhe notícias e preparava-a para a conversão. Estevão era primo de Paulo. Simão de Cirene procurou depois do sábado os Apóstolos, pedindo admissão e o batismo.
        

            8. Ágape após a ressurreição de Jesus.

            (*Ágape: Refeição que os primitivos cristãos faziam em comum. Refeição entre amigos.)

            Nicodemos, preparou uma refeição para os Apóstolos, as mulheres e uma parte dos discípulos, sob as colunatas abertas, no vestíbulo do Cenáculo. Depois do meio-dia ali se reuniram dez dos Apóstolos; Tomé retraíra-se arbitrariamente, afastando-se um pouco dos outros. Tudo quanto se fez ali foi para cumprir a vontade de Jesus que na ceia pascal se sentara entre Pedro e João, revelando-lhes diversos mistérios do SS. Sacramentoe fazendo-os depois sacerdotes; ordenou-lhes também que ensinassem essas verdades aos outros, juntamente com as doutrinas anteriores a esse respeito.

         Vi primeiro Pedro e João, no meio dos outros oito Apóstolos, comunicando-lhes os mistérios que Jesus lhes confiara; explicaram-lhes também a doutrina do Senhor a respeito do modo de administrar este Sacramento e de ensiná-lo aos discípulos. Vi que, de uma maneira sobrenatural, tudo quanto Pedro ensinou, foi dito também por João. Todos os Apóstolos estavam revestidos das vestes brancas de cerimônia, sobre as quais Pedro e João haviam colocado nos ombros uma estola, cruzada no peito e segura com um gancho; os outros Apóstolos traziam uma estola sobre um ombro, a qual, passando pelo peito e as costas, cruzava debaixo do outro braço e era segura por um gancho. Pedro e João eram sacerdotes, ordenados por Jesus, os outros eram ainda diáconos.

         Terminada esta explicação, entraram na sala também as santas mulheres, em número de nove; Pedro falou-lhes e ensinou-lhes. João, Porém, foi receber na casa do despenseiro, perto do portão, dezessete dos mais provados discípulos, que estiveram mais tempo com Jesus. Entre esses estavam: Zaqueu, Natanael, Matias, Barsabás e outros. João serviu-os no lava-pés e na vestição; vestiram longas vestes brancas e cintas. Depois da explicação da doutrina, Mateus foi enviado por Pedro à Betânia, para ensinar a muitos outros discípulos, durante uma refeição semelhante, em casa de Lázaro e fazer tudo o que os Apóstolos tinham feito no Cenáculo.

         A refeição foi realmente um banquete. Rezaram em pé e comeram deitados sobre os leitos e durante a refeição Pedro e João ensinaram. No fim do banquete foi colocado em frente a Pedro um pão delgado e estriado, que ele partiu nas partes marcadas e subdividiu cada parte mais uma vez. Depois mandou passar esses bocados, em dois pratos, por ambos os lados da mesa. Passou também de mão em mão um grande cálice, do qual todos beberam. Se bem que Pedro benzesse o pão, não era contudo o SS. Sacramento, mas apenas um ágape*(refeição); Pedro disse ainda que ficassem unidos, como era um só o pão que os alimentara e o vinho que beberam. Depois se levantaram todos e cantaram salmos.

         Tiradas as mesas, as santas mulheres formaram um semicírculo, na extremidade da sala; os discípulos colocaram-se de ambos os lados e todos os Apóstolos andavam de um lado para outro, ensinando e revelando a esses discípulos mais provados o que lhes podiam comunicar sobre o SS. Sacramento. Pareceu-me ser a primeira explicação do catecismo depois da morte de Jesus. Vi também que depois apertaram as mãos uns aos outros, declarando ardentemente que queriam ter tudo em comum, dar tudo uns aos outros e ficar todos unidos.

         Então vi em todos uma grande comoção. Talvez tivessem sentido só interiormente o que vi exteriormente: pois vi-os, no meio de uma luz brilhante, fundirem-se uns aos outros e tudo formou afinal um templo de luz, em que apareceu a SS. Virgem como cume e centro de todos. Até mesmo vi que toda a luz emanava dela para os Apóstolos e destes voltava, pela SS. Virgem, ao Senhor. Era uma imagem das relações recíprocas entre os presentes.

Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.

OUTRAS APARIÇÕES DE JESUS
ATÉ A ASCENSÃO


            Jesus aparece aos dois discípulos no caminho de Emaús


            Na segunda-feira depois da Páscoa, os dois discípulos Lucas e Cléofas, que era neto do tio de Maria Cleofé, se dirigiram a Emaús. Saíram de Jerusalém por caminhos diferentes e encontraram-se novamente fora da cidade. Ambos duvidavam ainda da ressurreição de Jesus e queriam falar mais a miúdo sobre tudo quanto ouviram. O tratamento ignominioso e a crucificação do Mestre lhes eram particularmente uma pedra de escândalo.

         Pelo meio do caminho se aproximou o Senhor, vindo de um atalho. Por algum tempo os seguiu, depois se lhe juntou e perguntou-lhes de que estava falando.

         “Mas os olhos de ambos estavam como que vendados e não o conheceram”,conta S. Lucas no cap. 24 do seu Evangelho e o Mestre disse lhes: “De que estais falando pelo caminho, e porque estais tristes?” E respondendo um deles, chamando Cléofas, disse-Lhe: “És talvez o único forasteiro em Jerusalém, que não sabes o que se tem passado ali nestes últimos dias?” Disse-lhes Jesus: “O que foi?” E responderam os dois: “O que aconteceu a Jesus Nazareno, que foi um varão profeta, poderoso em obras e em palavras diante de Deus e todo o povo; e como os sumos sacerdotes e os nossos magistrados o fizeram condenar à morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que Ele fosse aquele que devia salvar Israel e agora, além de tudo, já é hoje o terceiro dia depois que sucederam estas coisas. É verdade que certas mulheres que conosco estavam, nos espantaram, pois na alvorada foram ao sepulcro e, não Lhe tendo achado o corpo, voltaram dizendo que também tinham tido uma visão de Anjos, os quais disseram que Ele está vivo. E alguns dos nossos foram ao sepulcro e acharam que era assim como tinham dito as mulheres, mas a Ele não O acharam”.Então lhes disse Jesus: “Ó gente sem inteligência! Porventura não era preciso que o Cristo sofresse estas coisas e que assim entrasse na sua glória?” E começando por Moisés e discorrendo por todos os outros profetas, explicou-lhes o que dEle estava dito em toda a Escritura”.

         Chegando perto de Emaús, o Senhor quis separar-se dos dois discípulos. “Eles, porém, conta a piedosa Emmerich, obrigaram-nO a entrar numa casa, que estava situada na segunda fileira das casas de Emaús. Não havia mulheres na casa, que me parecia ser uma casa aberta para celebração de festas; pois se via que fora nela celebrada uma festa; ainda havia restos de ornamentação. O aposento era quadrangular e limpo, a mesa estava posta e os assentos dispostos do mesmo modo que no banquete do dia de Páscoa. Um homem trouxe um favo de mel num vaso trançado, semelhante a um cestinho, um bolo grande quadrado e um pequeno pão ázimo, delgado e transparente, que foi colocado diante do Senhor, como hóspede. O homem que trouxe o bolo, parecia bem intencionado; vestia algo de semelhante a um avental e parecia ser cozinheiro ou despenseiro. Tinha cabelos pretos. Durante o ato solene não estava presente. O bolo tinha a grossura de papelão e era marcado com linhas sulcadas, que o dividiam em partes da largura de dois dedos.

         Depois de terem rezado, Jesus, recostado nos assentos, comeu primeiro com eles do bolo e do mel. Depois tomou o pãozinho estriado, cortou-o com uma curta faca branca de osso e tirou-lhe três partes ainda unidas. Este pedaço colocou sobre um pequeno prato, benzeu-o e levantando-se, elevou-o com ambas as mãos e rezou, olhando para o céu. Os dois discípulos estavam em frente, muito comovidos e como fora de si. Quando Jesus partiu o bocado, aproximaram a boca por cima da mesa e receberam da mão do Senhor o pedaço. Vi, porém, que ao levar com a mão o terceiro bocado à boca, o Senhor desapareceu. Não posso afirmar que comesse realmente o bocado. Os bocados resplandeciam, depois de Jesus os ter benzidoVi os dois discípulos ficarem ainda algum tempo como que atordoados e depois se abraçarem um ao outro, chorando”.

        
            Jesus aparece aos Apóstolos na sala do Cenáculo


            Os dois discípulos voltaram imediatamente a Jerusalém. No entretanto achavam-se os Apóstolos, com exceção de Tomé, na sala do Cenáculo, junto com muitos discípulos, entre os quais também Nicodemos e José de Arimatéia. As portas da casa e da sala estavam bem fechadas. Três vezes se reuniram para a oração, formando sob o candeeiro um círculo, aberto para o lado do Santíssimo. Todos vestiam longas vestes brancas e cintos; três dos Apóstolos, porém, estavam com vestimentas mais vistosas e entre estes três, era Pedro o primeiro. Num vestíbulo que dava para a sala, assistiram à oração a Santíssima Virgem, Maria Cleofé e Madalena.

         Apesar de Jesus já ter aparecido a vários Apóstolos, não havia ainda uma fé firme na sua ressurreição. Chegaram então os dois discípulos, anunciando com muita alegria que tinham visto o Senhor e que o reconheceram ao partir o pão.

         “Tendo-se reunido de novo para a oração, conta Anna Catharina, vi-lhes os rostos tornarem-se luminosos, pensativos e felizes e vi o Senhor aparecer na porta, que estava fechada. Vestia também uma longa veste branca, com uma simples cinta. Pareciam ter um sentimento indefinido de sua presença, até que, passando pelo meio deles, parou sob o candeeiro; ao vê-Lo, ficaram todos espantados e comovidos. O Senhor mostrou-lhes os pés e as mãos e abrindo a túnica, mostrou-lhes a chaga do lado. Falou-lhe e, como estavam muito assustados, pediu alguma coisa para comer. Vi que da boca se lhe derramava luz sobre os Apóstolos, que estavam como encantados.

         Então foi Pedro atrás de um biombo ou tapete, a uma parte separada da sala, onde era guardado o SS. Sacramento, sobre o forno pascal; havia ali também um aposento lateral, onde guardavam a mesa baixa (tinha cerca de um pé de altura), depois de terminada a refeição. Sobre essa mesa se encontrava um prato fundo, oval, coberto com uma toalha branca, o qual Pedro trouxe ao Senhor. Havia nele um pedaço de peixe e um pouco de mel; Jesus agradeceu, benzeu a comida e comeu; deu também alguns bocados aos outros, mas não a todos. Ofereceu também à Virgem Santíssima e às outras mulheres, que estavam no vestíbulo.

         Depois o vi ainda ensinar e distribuir os poderes. Os discípulos formavam-lhe em roda um tríplice círculo, no meio da qual ficaram os dez Apóstolos: Tomé não estava presente. Pareceu-me maravilhoso que parte das palavras e instruções do Mestre só os Apóstolos percebessem, digo percebessem, pois não O vi mover os lábios. Estava resplandecente, irradiava-se-Lhe luz das mãos, dos pés, do lado e da cabeça, sobre os Apóstolos, como se soprasse sobre eles e essa luz os penetrava; perceberam que podiam perdoar os pecados, que deviam batizar e curar os enfermos, impor as mãos e que podiam beber veneno, sem que lhes fizesse mal.

         Jesus explicou-lhes vários trechos da Escritura Sagrada, que se Lhe referem e ao Santíssimo Sacramento e mandou fazer uma adoração ao Santíssimo Sacramento, depois do culto do sábado. Falou também dos ossos e das relíquias dos antepassados e do respectivo culto, para lhes alcançar a intercessão. Também Abraão tinha em poder os ossos de Adão e colocava-os no altar, quando oferecia sacrifícios. Além disso, falou Jesus também do mistério da Arca da Aliança e que esse mistério seria, daí em diante, o seu Corpo e Sangue, que lhes tinha dado para sempre, esse Sacramento. Discorreu também sobre a Sagrada Paixão e ainda algumas coisas maravilhosas de Davi, as quais os discípulos ainda não sabiam. Depois lhes mandou que fossem à região de Sicar, para aí dar testemunho da ressurreição”.


            Jesus aparece novamente e converte o Apóstolo S. Tomé da descrença


            Durante a viagem a Sicar, procurou Tomé os Apóstolos, que lhe contaram a aparição do Salvador ressuscitado. Ele, porém, não quis acreditar, antes de Lhe ter tocado nas chagas. Mesmo quando Pedro falou publicamente, na escola de Thaenath-Silo, sobre a ressurreição de Jesus e a seu convite, mais de cem das pessoas presentes levantaram a mão, como testemunhas, pois tinham visto Jesus ressuscitado. Tomé ainda não chegou a crer firmemente.

         Os apóstolos e discípulos tornaram a celebrar o sábado na sala do Cenáculo, em Jerusalém. Terminando o sábado, fizeram um grande ágape e reuniram-se depois para a oração. Tomé estava também presente nessa ocasião. Depois que a SS. Virgem e Madalena entraram, fecharam-se as portas.

         Os Apóstolos oraram primeiro, ajoelhados diante do Santíssimo e cantaram salmos, em coros alternados, depois começaram a conversar.

         “Mas a pouco depois, narra a piedosa freira, se lhes tornaram os rostos maravilhosamente felizes e comovidos, pela aproximação do Senhor. Vi Jesus no pátio, resplandecente e vestido de branquíssima veste e cinta. Dirigiu-se à porta do vestíbulo, a qual se abriu diante dEle e fechou-se-Lhe após. Os discípulos, que estavam no vestíbulo, viram a porta abrir-se e retiraram-se para o lado,para dar caminho. O Senhor atravessou depressa o vestíbulo e entrando na sala, passou entre Pedro e João, que, como todos os Apóstolos, também se afastaram para o lado, enquanto o Senhor ficava no lugar de Pedro. Nesse instante parecia a sala vasta e clara, pois vi o Senhor rodeado de luz. Os Apóstolos retiraram-se apenas desse círculo de luz; parecia-me que do contrário não o teriam visto.

         Jesus disse primeiro: “A paz seja convosco”. Depois conversou algum tempo com Pedro e João e colocou-se sob o candeeiro, acercando-se um pouco mais da roda.
         Vi que Tomé, ao ver Jesus, ficou muito comovido, recuando a timidamente um pouco. Jesus, porém, tomou com a mão direita a mão direita de Tomé e segurando-a pelo dedo indicador, colocou a ponta desse dedo na chaga da mão esquerda. Depois tomou com a esquerda a outra mão de Tomé e pôs-lhe os dedos na chaga da mão direita; levou a mão direita de Tomé ao peito, sob a roupa, sem descobrir o peito, pondo-lhe o indicador e o médio na chaga do lado. Disse então algumas palavras, que não me recordo mais. Tomé, porém, exclamou: “Meu Senhor e meu Deus!” e caiu desmaiado por terra, enquanto Jesus ainda o segurava pela mão. Os que estavam perto, socorreram-no e Jesus levantou-o pela mão.

         A princípio não vi as chagas de Jesus, mas quando tomou a mão de Tomé; vi-as, não como chagas sangrentas, mas como pequenos sóis ofuscantes. Os outros discípulos ficaram muito comovidos por esta cena e estendiam as cabeças para a frente, porém, sem avançar muito, para ver o que o Senhor fazia Tomé apalpar. Só Maria viu, durante toda a presença do Senhor, sem movimento exterior, em profunda e silenciosa adoração interior; estava como extasiada. Madalena parecia um pouco mais comovida, mas não tanto exteriormente como os discípulos.

         Jesus não desapareceu imediatamente; conversou ainda um pouco e pediu também algo de comer. Vi que lhe trouxeram novamente um prato, que continha algo de semelhante a peixe, de que comeu, benzendo-o, dando um bocado primeiro a Tomé e depois o resto a alguns outros.

         Depois da conversão de Tomé, explicou Jesus ainda porque estava no meio deles, apesar de O terem abandonado e porque não ficava ao lado de alguns que lhe tinham permanecido mais fiéis. Recordou-lhes também que tinha dito a Pedro que confortasse os irmãos e o motivo por que lhe dissera. Dirigindo-se a todos, disse-lhes porque quis dar-lhes Pedro como chefe, embora este O tivesse negado, pois o rebanho precisa de um pastor. Falou também do zelo de Pedro.

         Vi que João entrou no Santuário e ao voltar, trouxe sobre o braço um manto largo, bordado a várias cores e na mão um bordão alto, fino e oco, que em cima era curvo como um cajado de pastor. Pedro ajoelhou-se diante de Jesus, que lhe deu um bocado a comer, como um pequeno bolo luminoso, como qual Pedro recebeu um poder particular. Jesus aproximou também a boca da boca e depois dos ouvidos de Pedro e infundiu-lhes uma força ou um poder. Vi, porém, que não era ainda o Espírito Santo, mas algo que o Espírito Santo, no dia de Pentecostes, devia vivificar plenamente. Impôs-lhes também as mãos e deu-lhe poder e jurisdição sobre os outros. Depois o vestiu com o manto que João, ao lado de Pedro, tinha sobre o braço e pôs-lhe o báculo na mão. Disse-lhe também que esse manto era como para guardar e recolher nele toda a força e todo o poder que lhe tinha dado, indiacando-lhe também que devia usar esse manto sempre que quisesse fazer uso do seu poder.

         Jesus falou também de um grande batismo, depois da vinda do Espírito Santo; disse que Pedro desse o poder que recebera, também aos outros, após oito dias. Ordenou ainda que alguns depusessem a veste branca e vestissem a outra, com um peitoral; outros no entanto deviam vestir as vestes brancas. Era a instituição de graus elevados da hierarquia e das ordens, em que deviam entrar.

         Depois se agruparam os discípulos, por ordem de Jesus, em sete grupos separados, dos quais cada um recebeu como chefe um Apóstolo. Tiago o Menor e Tomé ficaram ao lado de Pedro. Foi por ordem de Jesus que se agruparam. Pareciam representar sete comunidades ou sete Igrejas; o que representavam os três Apóstolos restantes não sei bem.

          Pedro, com o novo poder e dignidade, fez uma alocução a todos; parecia um novo homem, cheio de energia. Escutaram-lhe palavras, chorando e com grande emoção; consolou-os o Apóstolo e falou de muitas coisas, que Jesus sempre predissera e que agora se tinham realizado. Lembrou-lhes também que Jesus sofrera por dezoito horas o escárnio e a ignomínia do mundo inteiro.

         Durante o discurso de Pedro desapareceu Jesus. Nenhum susto nem admiração interrompeu a atenção prestada ao discurso de Pedro, que parecia dotado de nova força. Depois cantaram um salmo em ação de graças. Jesus não falara nem com a Virgem Santíssima, nem com Madalena.


            A pesca milagrosa. Jesus proclama Pedro supremo Pastor


            Quando o Senhor apareceu na sala do Cenáculo, deu também ordem a Pedro de ir, com os Apóstolos, a Tibérias pescar. Encaminharam-se, portanto, em vários grupos e por caminhos diversos, para o mar da Galiléia.

         Entraram numa casa de pesca fora de Tibérias, a qual Pedro antigamente tivera arrendado, mas já havia três anos que não pescava mais ali. Pedro entrou, com Natanael e Tomé, numa embarcação maior e João, com Tiago, João Marcos e Silas, numa barca menor. Pedro mesmo quis remar; era extraordinariamente humilde e modesto, apesar de Jesus o haver distinguido tanto, diante de todos. Cruzaram durante toda a noite o lago, à luz de archotes, lançando muitas vezes a rede, mas retiravam-na sempre vazia. Durante esse trabalho cantavam e rezavam em voz alta.

         Enquanto os apóstolos se ocupavam desse modo com a pesca, veio o Salvador, pairando, do vale de Josafá para o lago, acompanhado de muitas almas de Patriarcas, que livrara do Limbo e de outras almas remidas. Na margem do lago havia um lugar, onde se costumava fazer uma fogueira. No momento em que Jesus pensou que aí se devia prepara um peixe, apareceu imediatamente, diante das almas dos Patriarcas, um peixe, fogueira e tudo quanto era necessário.

         “As almas dos Patriarcas, explica a piedosa freira, tiveram parte na preparação do peixe e no próprio peixe, que significava a Igreja padecente: as almas do purgatório. Por essa refeição foram unidas exteriormente com a Igreja. Jesus deu aos Apóstolos, com essa refeição de peixe, a compreensão nítida da Igreja padecente e militante. Jonas no ventre do peixe simboliza também a estadia de Jesus nos Infernos”.

         Já estava amanhecendo, quando os apóstolos, fatigados pelo trabalho, queriam lançar âncora perto da praia. Estavam já vestindo as túnicas, quando viram a figura de um homem, atrás do caniçal da praia.

         Era Jesus, que exclamou: “Meus filhos, não tendes alguma coisa para comer?”Responderam: “Não”. Então disse Jesus que lançasse a rede para o lado oeste da barca de Pedro. Assim fizeram e João tinha de dirigir o seu barco para outro lado da embarcação de Pedro. Mas como sentissem o peso da rede cheia, João reconheceu Jesus e gritou para Pedro, no meio do lago silencioso: “É o Senhor”. Então vestiu Pedro imediatamente a túnica, saltou na água e nadou em direção à praia e através do caniçal, ao encontro de Jesus. Quando já estava com o mestre, chegou também João. Jesus disse a Pedro que trouxesse os peixes. Puxaram portanto as redes para a praia e vi que Pedro atirou os peixes da rede para a praia.Eram, porém, 153 peixes, de várias espécies, os quais significavam 153 novos fiéis, que se converteram em Tebes.

         Achavam-se na embarcação diversos homens, servos do pescador de Tibérias, que ficaram com as barcas e os peixes; os Apóstolos, porém, seguiram Jesus à cabana. Disse-lhes o Mestre que viessem comer. Ao chegarem, vi que as almas dos Patriarcas tinham desaparecido; os Apóstolos, porém, ficaram muito admirados, ao verem a fogueira e o peixe, que não era dos que haviam pescado e pão e bolos cozidos de mel e farinha. Recostaram-se ao lado de um madeiro grosso, que estava diante da cabana e servia de mesa. Jesus deu a cada um, sobre um pão chato, uma porção de peixe da assadeira; não vi, porém, o que o peixe diminuísse. Deu-lhes também do bolo de mel e depois se deitou à mesa e comeu. Tudo se fez em silêncio solene.

         Tomé tinha sido o terceiro dos que pressentiram na barca a presença de Jesus. Todos estavam tímidos e acanhados, pois o Mestre estava mais espiritual do que em outras ocasiões e toda a refeição e a hora tinham algo de misterioso. Ninguém se atreveu a fazer pergunta alguma; reinava santo e solene silêncio, que causou assombro a todos. Jesus parecia mais recolhido, não se lhe percebiam as chagas.

         Após a refeição, vi Jesus levantar-se, como também os discípulos, dirigindo-se à praia, onde passearam; no fim de algum tempo, parou o Divino Mestre e disse, em tom solene, a Pedro: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?” Pedro respondeu timidamente: “Sim, Senhor, sabeis que vos amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta meus cordeiros”. No mesmo instante vi uma imagem da Igreja e do Bispo supremo, ensinando e guiando os primeiros cristãos, que ainda eram fracos e vi também batizar e lavar muitos recém-convertidos, como tenros cordeiros.

         Depois continuaram passeando, às vezes parava Jesus, virando-se para os discípulos, que por seu lado também se volviam para Ele. Depois de algum tempo, o Mestre disse novamente a Pedro: “Simão, filho de Jonas, amas-me?” Pedro, muito tímido e humilde, lembrando-se de sua negação, respondeu novamente: “Sim, Senhor, sabeis que vos amo”. E Jesus disse mais uma vez, em tom solene: “Apascenta minhas ovelhas”. Nesse momento tive a visão da Igreja crescente e da perseguição e vi como o supremo Bispo reunia os cristãos dispersos, cujo número sempre aumentava, como os protegia e lhes enviava pastores e os governava.

         Depois de ter andado novamente por algum tempo, disse Jesus, pela terceira vez: “Simão, filho de Jonas, amas-me? Então vi Pedro contristado, pensando que Jesus perguntava tantas vezes por duvidar de seu amor; lembrando-se de havê-lo negado três vezes, disse: “Oh! Que amor deve ter Jesus e quanto amor carece ter um pastor, que três vezes lhe pergunta pelo amor, àquele a quem quer entregar o rebanho”. Jesus disse de novo: “Apascenta minhas ovelhas! Em verdade, em verdade te digo: quando era mais moço, cingias-te a ti próprio e ias onde querias; mas quando ficares velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e levar-te-á aonde não quererás ir. Segue-me”.

         Virou-se Jesus então para continuar o caminho e João foi com Ele; Jesus disse-lhe uma coisa que só ele ouviu. Vi, porém, que Pedro, ao vê-lo, apontou para João e perguntou ao Senhor: “Senhor, que se dará com este?” E Jesus, castigando-lhe a curiosidade, disse-lhe: “Se quero que ele fique até que eu venha, que tens com isso? Segue-me tu!” Virou-se, pois e continuou o caminho.

         Quando Jesus disse pela terceira vez: “Apascenta minhas ovelhas” e que haviam de cingi-lo e conduzi-lo, tive uma visão da Igreja já muito desenvolvida, vi Pedro em Roma, amarrado e crucificado e os tormentos dos Santos em diversos lugares.

         Vi também que Pedro teve a graça de contemplar tudo isso em espírito e conhecer o seu fim e que, olhando para João, viu que este também seguia Jesus em vários sofrimentos; pensou no mesmo momento: “Então este, a quem Jesus tanto ama, porventura não será também crucificado, como ele?” Perguntou, pois, a Jesus, que por isso o repreendeu.

         Por algum tempo acompanharam mais Jesus, que lhes disse o que haviam de fazer, desaparecendo depois diante deles. Dirigiu-se a Gergesa, a leste do lago; os Apóstolos, porém, voltaram a Tibérias”.

         A piedosa vidente viu depois ainda o Salvador e as almas no Paraíso, que descreve como ainda existente e ligado à terra, porém, inacessível. Jesus visitou ainda, em companhia delas, os campos de grandes batalhas e todas as terras onde os Apóstolos primeiro anunciariam o Evangelho, para as abençoar com sua presença.


            Jesus revela-se a quinhentos discípulos numa montanha


            De Tibérias foram os Apóstolos, por um caminho de várias horas, a um lugar onde Pedro ensinou e curou enfermos. Falou com muito entusiasmo e grande mansidão da Paixão e Ressurreição de Jesus e da pesca milagrosa. Quando os Apóstolos partiram do lugar, seguiu-os grande multidão de povo a uma montanha, da qual se podia ver todo o mar da Galiléia. Muitos discípulos e também as santas mulheres já se tinham aí reunido. A Mãe de Deus, porém, ficara em Jerusalém, percorrendo três vezes por dia a Via Sacra.

         No cume do monte havia uma escavação, em cujo centro se achava uma coluna, que servia de púlpito. Eram cinco os caminhos que conduziam ao cume da montanha; para cada atalho mandou Pedro um dos Apóstolos, para ensinar ao povo, que por causa da grande multidão que afluía, não podia ouví-lo. Pedro, estando ao pé da coluna e rodeado dos restantes Apóstolos e discípulos e de muito povo, anunciou a Paixão, a Ressurreição e as aparições do Cristo.

         “Vi, porém, narra a piedosa freira, Jesus vindo da mesma região da qual viera Pedro. Subiu o monte e as santas mulheres que estavam nesse caminho, prostraram-se diante dEle. Passando-lhes perto, dirigiu-lhes algumas palavras. Quando, porém, resplandecente e luminoso, ia passando pelo meio do povo, estremeceram muitos com medo e todos esses não perseveraram na fé. O Senhor avançou para o centro, até à coluna, onde antes estivera Pedro, que então se lhe colocou em frente. Jesus falou da necessidade de abandonar tudo e de imitá-Lo e da perseguição que teriam de sofrer. Afastaram-se, porém, cerca de duzentas pessoas presentes, ao ouvirem essas palavras.

         Depois de se terem ido embora, disse o Senhor que tinha falado ainda benignamente, para não escandalizar os fracos. Mas então falou muito claramente aos Apóstolos e discípulos dos sofrimentos e das perseguições que teriam de suportar no mundo aqueles que O seguissem e da recompensa eterna. Disse-lhes também que ficassem em Jerusalém e que só depois de lhes ter enviado o Espírito Santo, batizassem em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; antes deviam fundar uma comunidade de fiéis. Jesus dispôs ainda como se deviam distribuir pela terra e fundar comunidades mais longínquas; depois deviam reunir-se de novo e partir outra vez para terras distantes, que recebiam o batismo de sangue.

         Enquanto Jesus estava no meio deles falando, ficavam as almas dos Patriarcas em roda da assembléia, mas invisíveis para todos. Jesus, porém, desapareceu, como uma luz que se apaga e muitos se prostraram por terra, tocando com o rosto o chão. Pedro ensinou ainda em seguida e rezou.

         Foi essa a mais importante aparição de Jesus na Galiléia, onde ensinou e demonstrou a todos a sua ressurreição; as outras aparições eram menos públicas”.


            As relações de Maria Santíssima com os Apóstolos e com a Igreja. Jesus aparece à sua Santíssima Mãe.


            Os Apóstolos e vinte discípulos estavam novamente reunidos na sala do Cenáculo, em oração. Então falou João aos Apóstolos e Pedro aos discípulos, sobre as relações para com a Mãe do Senhor.

         “Vi durante essa explicação, que me parecia basear-se numa comunicação de Jesus, a aparição da Santíssima Virgem, pairando sobre eles, vestida de um manto luminoso desdobrado, que, por assim, dizer, encerrava todos. Por cima de Maria vi o céu aberto e a Santíssima Trindade, que lhe pôs uma coroa sobre a cabeça. Tive a impressão de que Maria era a cabeça verdadeira de todos aqueles fiéis, o Templo, que os abrigava. Durante essa visão não vi mais a Santíssima Virgem fora, onde estava rezando. Creio que era uma imagem do que sucedeu à Igreja, por vontade de Deus, durante essa explicação dos Apóstolos; ou era a imagem de um êxtase de Maria, durante a pregação dos Apóstolos”.

         Seguiu-se uma refeição, na qual a Santíssima Virgem estava sentada entre Pedro e João, à mesa dos Apóstolos. Depois rezou Maria, coberta com o véu, junto com os Apóstolos, na sala do Cenáculo. Abriu-se também o Santíssimo, diante do qual rezaram de joelhos.

         “Meia noite já podia ter passado, quando a Santíssima Virgem recebeu de joelhos o Santíssimo Sacramento da mão de Pedro, que trouxe os bocados sobre o pratinho do cálice e lhe pôs na boca o pedaço que ainda fora partido pelo próprio Jesus. Vi no mesmo momento o Senhor aparecer a Maria e desaparecer de novo, mas invisível para os outros. A Virgem Santíssima estava penetrada de luz e esplendor. Rezaram ainda e depois se separaram. Os Apóstolos manifestaram durante essa cerimônia ainda mais respeito para com Maria; outrora eram sempre familiares, embora respeitosos”.

         Depois de ter recebido o Santíssimo Sacramento, retirou-se Maria, com as outras mulheres, para a sua morada, em casa de João Marcos, onde ainda permaneceu mais tempo em oração. Ao amanhecer, entrou Jesus, através das portas fechadas, no quarto da Mãe Santíssima, conversando muito tempo com ela.

         “Disse-lhe que devia ajudar os Apóstolos e tudo o que lhes devia ser. Era tudo espiritual e misterioso. Deu-lhe, porém, poder sobre a Igreja, a força, a qualidade de protetora e vi que a luz do Filho de Deus se derramou na Virgem Santíssima, como se Ele mesmo a penetrasse. Não posso descrevê-lo bem. Desapareceu de novo pela porta. Ela, porém, rezou ainda e deitou-se depois, para dormir.

         Vejo a Santíssima Virgem, desde que comungou, mais vezes com os Apóstolos; são outras agora as relações que tem com eles; Pedem-lhe conselho, é como a Mãe de todos e até como um Apóstolo”.
        

            Outras aparições de Jesus.


            O número dos fiéis crescia visivelmente. Muitos, vindos de fora, eram alojados num vasto edifício em ruína, perto do Cenáculo, (o castelo de Davi); outros, mais tarde, numa casa perto da piscina de Betesda na qual ensinavam os Apóstolos. Assombrados pelos numerosos prodígios e milagres, os judeus ainda não ousavam empregar meios violentos contra a comunidade. Esforçavam-se, porém, por dissimular tudo e negar os fatos; fecharam com alvenaria a porta que ligava o monte do Templo ao bairro adjacente, de modo que a comunidade ficava isolada; mas, mesmo antes disto, nem os Apóstolos e discípulos, nem os novos aderentes iam ao Templo, pois o Santíssimo achava-se no Cenáculo.

         Catharina Emmerich viu ali diversas vezes solenes reuniões, com oração e canto de salmos diante do Santíssimo Sacramento; Jesus mesmo instruíra os Apóstolos a respeito. Numa dessas piedosas reuniões, na qual Maria tomava parte, apareceu Jesus de repente no meio deles, anunciando-lhes que viria no segundo dia depois do sábado seguinte. Antes que se refizessem da surpresa, já tinha desaparecido de novo.

         Quando depois os Apóstolos foram a Betânia, Jesus caminhou de súbito diante deles, mas desapareceu logo depois.

         Uma outra vez, quando Pedro, João, Tiago o Menor, Tomé e alguns outros Apóstolos iam, pelo meio-dia, de Betânia a Jerusalém, perto do monte das Oliveiras, apareceu-lhes Jesus de repente e conversou com eles. Mas depois continuaram o caminho, foi como se ficasse atrás, assim desaparecendo.

         Mais tarde esteve Jesus mais uma vez com eles, durante um ágape no Cenáculo. Comeu só com os Apóstolos, benzeu o pão, partiu-o e ensinou. As mulheres tomaram a refeição na ante-sala, os discípulos nos corredores laterais.

         Quanto mais se aproximava o dia da separação e ascensão de Jesus ao céu, tanto mais vezes parece ter-se mostrado aos discípulos. Assim narra a piedosa Emmerich:

         “O Senhor andava com os Apóstolos em muitos caminhos, na vizinhança de Jerusalém, de maneira que muitos judeus viram as aparições. Quando, porém, aparecia, fechavam as casas e escondiam-se. Os Apóstolos e discípulos tratavam-nO com certa timidez, pois manifestava-se-lhes muito espiritual. Jesus ensinava muito e censurava também algumas faltas dos Apóstolos. Durante a noite vi o Senhor aparecer e espalhar a bênção também em outros lugares, como por exemplo, em Belém. Em Nazaré, onde tinha muitos inimigos, apareceu a vários descrentes e principalmente à gente com que Ele e a Virgem Santíssima tiveram antes relações. Ainda em muitos outros lugares O vi aparecer. Os homens que O viram, tornaram-se muito crentes e reuniram-se, no dia de Pentecostes, aos Apóstolos e discípulos.

         Nos últimos dias se mostrava Jesus continuamente e muito natural para com os Apóstolos. Comia e rezava com eles e ensinava-lhes. Fazia com eles longos passeios, repetindo-lhes toda a doutrina. Somente durante a noite permanecia em outros lugares, sem que soubessem.


Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.

AS VISÕES DE ANNA CATHARINA EMMERICH:A Gloriosa Ressurreição de Jesus.