«Sou do Céu»: o relato de Fátima
O
santuário de Fátima e o relato das aparições foi uma ajuda para muitas
pessoas. Este é o relato das aparições e de como S. João Paulo II, S.
Josemaría e o Beato Álvaro procuraram refúgio na Virgem indo à
Capelinha.
Lúcia – a mais velha das videntes de Fátima – tinha apenas dez
anos quando Nossa Senhora apareceu pela primeira vez aos pastorinhos, em
13 de maio de 1917; os primos, Jacinta e Francisco, tinham sete e oito
anos, respetivamente. Esta aparição tinha sido precedida por outra: a de
um anjo, que em 1916 lhes tinha aparecido três vezes, no lugar chamado
Loca do Cabeço, denominando-se a si mesmo, primeiro como o Anjo da Paz, e
mais tarde como o Anjo de Portugal.
A presença do Anjo deixou uma marca muito profunda nas crianças. A primeira vez, o Anjo ajoelhou-se e inclinando-se até tocar o solo com a fronte, repetiu três vezes: «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos! Peço-Vos perdão pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam» [1].
Diz a Irmã Lúcia: «Ninguém pensou em falar desta aparição, nem recomendar segredo aos outros; o silêncio impunha-se por si mesmo. Era uma graça tão íntima, que não era fácil dizer sobre ela a mínima palavra. Daí em diante, as crianças, sempre que podiam, sem que os vissem, repetiam a oração tal como a tinham visto fazer ao Anjo».
– «De onde é Vossemecê?»
– «Sou do Céu».
Começou assim a primeira conversa entre Nossa Senhora e Lúcia.
Entre maio e outubro sucederam-se seis aparições de Nossa Senhora. Pediu-lhes que se rezasse o Terço todos os dias, e que se fizesse penitência. Este último pedido impressionou tanto os pastorinhos, que procuravam formas de fazer penitência e aproveitavam todos os pequenos sacrifícios que se lhes surgiam.
Na terceira aparição, a 13 de julho, a Virgem pediu a consagração da Rússia ao seu Coração Imaculado – aquelas crianças camponesas ignoravam o significado da palavra Rússia – e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados. «Se não se fizer isto, a Rússia propagará os seus erros pelo mundo (...), algumas nações serão aniquiladas. Portugal conservará sempre a Fé». Foi nesta aparição que Nossa Senhora indicou: «Quando rezardes o Terço, no final de cada dezena, dizei: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem».
Na última aparição, no dia 13 de outubro, a Senhora disse-lhes:
– «Sou a Virgem do Rosário. Desejo que neste lugar se levante uma capela em minha honra».
Pela sexta vez recomendou que se continuasse a rezar o Terço todos os dias.
A primeira capela que se construiu foi destruída pouco tempo depois por anarquistas, que também queimaram a azinheira sobre a qual pousou a Virgem. A Capelinha que atualmente alberga a imagem de Nossa Senhora ocupa o local da azinheira.
Como Nossa Senhora lhes tinha anunciado, na aparição de 13 de outubro teve lugar o milagre do sol, presenciado por umas setenta mil pessoas, que se tinham deslocado para a Cova da Iria, e publicado com detalhe na imprensa.
Chovia torrencialmente. De repente, a chuva parou e as nuvens, negras desde manhã, dissiparam-se. O sol apareceu no zénite como um disco de prata para o qual os olhos podiam olhar sem se encandearem. À volta do disco mate distinguia-se uma brilhante coroa. De improviso, começou a tremer, a abanar com movimentos bruscos e, finalmente, deu voltas sobre si próprio como uma roda de fogo, projetando em todas as direções feixes de luz cuja cor mudava muitas vezes.
Nesse mesmo mês começava a revolução bolchevique na Rússia.
Capela de Nossa Senhora de Fátima na paróquia de Santo Eugénio (Roma). Ao centro, uma estátua da Virgem esculpida por Leopoldo de Almeida. Pintados por Martins Barata encontram-se por baixo de Nossa Senhora, os videntes de Fátima, e à sua volta, anjos, devotos da Virgem e vários santos portugueses.
Uma devoção multissecular e uma mensagem universal
A devoção a Nossa Senhora tem nestas terras antecedentes multisseculares. Desde os finais do século X, as regiões entre os rios Douro e Vouga aparecem com o nome de Terra de Santa Maria, denominação que mais tarde se estende a todo o Portugal. Desde tempos remotos, multiplicam-se as advocações de Nossa Senhora.
A 13 de agosto de 1385, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, mais tarde S. Nuno de Santa Maria, tinha invocado solenemente a proteção de Maria nas paragens de Fátima, que ficaram desde então sob a especial guarda de Nossa Senhora. A partir de 13 de maio de 1917, esse lugar está indissoluvelmente unido à Virgem do Rosário, como lugar de oração e penitência.
A mensagem de Fátima contém um aspeto de exigência cristã universal: é necessário desagravar o Senhor por todos os pecados cometidos, fazer penitência, rezar o Terço, difundir a devoção ao Coração Imaculado de Maria e rezar muito pelo Papa. Também incluiu algumas revelações particulares da Virgem:
– «A guerra terminará em breve mas, se não deixarem de ofender a Deus, no pontificado de Pio XI, começará outra pior».
– «Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados».
– «Os bons serão martirizados e o Santo Padre terá muito que sofrer; várias nações serão aniquiladas».
Com as aparições da Virgem cresceu visivelmente a devoção popular a Nossa Senhora. Durante o mês de maio, os caminhos de Portugal convergem para Fátima; entre maio e outubro, a afluência à Cova da Iria nos dias 12 e 13 de cada mês atinge proporções enormes; as estradas enchem-se de peregrinos, não só portugueses, mas de todas as partes do mundo.
Jacinta e Francisco, tal como a Virgem lhes tinha anunciado, foram para o Céu pouco depois das aparições. A Lúcia, seguindo o desejo expresso da Virgem, aprendeu a ler e a escrever e em 1926 ingressou na Congregação das Doroteias, na cidade do Porto. Mais tarde, entraria no Carmelo de Coimbra.
Como Santa Maria tinha prognosticado, começou a Segunda Guerra Mundial, mais violenta do que a primeira. Portugal, seguramente graças à Virgem, ficou à margem da contenda. A 31 de outubro de 1942, o Papa Pio XII consagrou o mundo ao Coração Imaculado de Maria.
S. Josemaria em Fátima
Em 1945, no próprio ano do fim da guerra, em Tui, S. Josemaria Escrivá de Balaguer encontrou-se com a irmã Lúcia pela primeira vez:
– «Irmã Lúcia, foi a sua saudação, se a irmã, que recebeu tantas graças de Deus, e eu, que também recebo tantas graças de Deus, não somos fiéis, arranjámo-la bonita! Podemos não ir para o Céu!»
–«Também eu pensei nisso muitas vezes», foi a resposta humilde da vidente.
Em 1945 o fundador do Opus Dei regressou a Portugal outras duas vezes: em junho e em setembro. No dia 5 de fevereiro de 1946, precisamente um ano depois da sua primeira viagem, chegaram os primeiros fiéis do Opus Dei a Coimbra, cidade onde foi colocado o primeiro sacrário da Obra nesse país. S. Josemaria voltou a Portugal em outubro de 1948; residiu uns dias em Coimbra e no dia 15 dirigiu-se a Fátima para rezar na Capelinha. Voltaria em março de 1949... Ao longo dos anos, S. Josemaria foi 13 vezes a este lugar.
Por exemplo, em 1951, no meio de contradições para os apostolados do Opus Dei, S. Josemaria percorreu vários santuários marianos. Em janeiro foi a Fátima e regressou de novo em outubro, depois do primeiro Congresso Geral da Obra; no dia 19 desse mês, renovou na Capelinha a consagração ao Coração Dulcíssimo de Maria, que tinha feito no Loreto, no dia 15 de agosto desse mesmo ano. Dali enviou um postal aos seus filhos e filhas que já estavam em diversos países do mundo com a jaculatória: Cor Mariæ dulcissimum, iter para tutum! (Coração Dulcíssimo de Maria, prepara um caminho seguro) que repetia desde há meses atrás. Como sempre que vinha a Portugal, visitou a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra.
Em 9 de maio de 1967, nas vésperas da peregrinação do Papa Paulo VI ao Santuário de Fátima, por ocasião do 50º aniversário das aparições, foi rezar diante da Virgem. Ali admirou as manifestações de penitência de tantos grupos que caminhavam ao longo da estrada, debaixo de chuva, em direção à Cova da Iria. No regresso, comentaria:
– «Este país está-se a renovar na fé em Jesus Cristo e na sua Mãe bendita. Comoveram-me essas multidões que vi nos caminhos: homens, mulheres e crianças, indo pelas estradas para Fátima, em penitência. Escapava-se-me a mão para os abençoar e dizia-lhes: Deus vos abençoe, pelo amor que tendes à Sua Mãe»[2].
No outono de 1968 e na primavera de 1969, S. Josemaria percorreu diversos santuários marianos de Itália, Espanha, França, Suíça e no dia 14 de abril de 1970, chegou de novo a Fátima. Recordando aquela ocasião, comentaria mais tarde:
– «Eu vou muito a Fátima e a outros Santuários marianos da Europa e da América, porque tenho a alegria de amar Santa Maria e a esta terra de Santa Maria que é Portugal. Pois o melhor piropo que me fizeram, foi feito por um filho meu português que me viu a rezar o rosário em Fátima. Escreveu-me e dizia: "Padre, deu-me muita alegria vê-lo rezar o rosário, porque beija as medalhas como as velhinhas". Viste? Fiquei contente porque me disseram que parecia uma velhinha, uma dessas avozinhas maravilhosas, cheias de piedade, de sentido sobrenatural, que sabem que esta vida não tem demasiada importância e estão já a amar a outra»[3].
– «Padre, posso fazer-lhe uma pergunta impertinente? Qual é a jaculatória que o Padre está agora a repetir com mais frequência?»
– «Os outros não ouvem, porque eles não são tão impertinentes. Olha, minha filha, repito à Virgem muitas vezes ao dia, com tons diferentes – uns de pedido de ajuda, outros de agradecimento, sempre de Amor: Mãe, minha Mãe! Digo-o a Nossa Senhora de Fátima»[4].
A 2 de novembro de 1972, enquanto rezava o Rosário com profundo recolhimento em Fátima, viu-se acompanhado por várias centenas de pessoas, que se uniam à sua oração. Foi a última vez que esteve no lugar das aparições.
A devoção do Beato Álvaro a Nossa Senhora de Fátima
A 13 de maio de 1979, durante uma tertúlia em Roma, contou o Beato Álvaro:
– «O nosso Fundador atravessou Portugal em muitas ocasiões e sempre, ainda que tivesse que se desviar da direção que levava, procurava passar por Fátima. Quando era mais jovem e viajava com frequência pela noite – depois deixou de o fazer – chegávamos às vezes a Fátima à volta da meia-noite – e ali, junto da Capelinha, ajoelhávamos e rezávamos as Preces»[5].
E em 1985, estando no Santuário, comentou:
– «Fátima é um tesouro para toda a Igreja. Não é um luxo, porque está tudo feito com muita dignidade e sem ostentação. Mas é um tesouro: aqui os corações e as almas aumentam, aqui toca-se a Igreja, sente-se a presença da Santíssima Virgem, é algo que não se pode explicar, mas aqui nota-se que a oração de Nossa Senhora é muito eficaz»[6].
A queda do muro
A 13 de maio de 1981, o Papa João Paulo II sofreu um grave atentado na Praça de S. Pedro. Nessa mesma data, um ano depois, foi a Portugal para agradecer à Virgem a sua proteção e renovou a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.
– «Este mundo dos homens e das nações também eu o tenho diante dos olhos, hoje no momento em que desejo renovar a entrega e a consagração feita pelo meu predecessor na Sé de Pedro: o mundo do Segundo Milénio que está quase a terminar, o mundo contemporâneo, o nosso mundo de hoje»[7].
No domingo, 25 de março de 1984, pouco antes de terminar o Ano Jubilar da Redenção, S. João Paulo II decidiu renovar de novo a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Paralelamente à consagração do mundo a Nossa Senhora, na Praça de São Pedro, realizou-se o Jubileu das Famílias, com uma Missa celebrada pelo Papa e presidida pela imagem da Virgem de Fátima, colocada à esquerda do altar. O Santo Padre ofereceu ao Santuário de Fátima a bala que lhe tinham extraído do corpo durante a intervenção cirúrgica a que foi submetido depois do atentado. Foi colocada na coroa da Virgem, no meio de pérolas e pedras preciosas.
Em 1978, tentou-se de novo a viagem. A imagem passou pela Hungria, sobrevoou a Checoslováquia e esteve na Polónia, no Santuário de Nossa Senhora de Czestochowa. A 8 de maio, véspera do trigésimo terceiro aniversário do tratado que tinha determinado o isolamento da parte oriental de Berlim, chegou junto da cortina de ferro. Nesse mesmo ano, foi chamado à cátedra de Pedro, em Roma, um Papa vindo do Leste Europeu.
Passaram os anos e, no dia 9 de novembro de 1989, caiu o muro que desde agosto de 1961 tinha causado tanto sofrimento. Na sua carta de janeiro de 1990, o Beato Álvaro falou desses acontecimentos:
- «Tudo tem a sua hora. Já vedes o que está a suceder nos países da Europa oriental. Regimes que tinham pretendido fechar ferreamente as suas portas a Deus, hoje parecem abrir-se à liberdade e, em consequência, à ação evangelizadora. São acontecimentos em que se toca a Providência de Deus e o amor maternal de nossa Mãe a Virgem»[8].
A 13 de agosto desse ano foi inaugurado diante da Capelinha um Monumento da Paz, constituído por um pedaço do muro de Berlim. Anteriormente, tinha sido oferecido ao Papa um terço feito de pedaços de cimento desse muro. O terço ficou no Santuário, para perpetuar a recordação daquelas mudanças histórias na Europa de leste.
Posteriormente, Fátima voltou a ser cenário de acontecimentos importantes: a 13 de maio de 2000, S. João Paulo II beatificou ali Francisco e Jacinta e renovou a sua gratidão para com a Virgem pela proteção que lhe tinha dispensado durante o seu pontificado. No final dessa mesma cerimónia, foi tornado público a terceira parte do segredo revelado pela Virgem aos pastorinhos, durante a aparição de 13 de julho de 1917. A instâncias do Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia tinha-o relatado por escrito em Tui, em 3 de janeiro de 1944:
- «vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos numa luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas num espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus.»[10].
No comentário teológico que acompanhou a publicação deste texto, o Cardeal Ratzinger interpretava que a figura do Bispo vestido de branco a subir para a Cruz era uma representação simbólica dos Papas que guiaram a Igreja durante o século XX, uma época de mártires. E, referindo-se a S. João Paulo II, perguntava: «Não podia o Santo Padre quando, depois do atentado de 13 de maio de 1981, fez que lhe levassem o texto da terceira parte do “segredo”, reconhecer nele o seu próprio destino? Tinha estado muito perto das portas da morte e ele próprio explicou ter-se salvo, com as seguintes palavras: “... foi uma mão materna que guiou a trajetória da bala e o Papa agonizante parou no umbral da morte” (13 de maio de 1994). Que uma “mão materna” tenha desviado a bala mortal mostra uma vez mais que não existe um destino imutável, que a fé e a oração são poderosas, que podem influir na história e que, no final, a oração é mais forte do que as balas, a fé mais poderosa do que as divisões»[11].
A 13 de fevereiro de 2005, a Irmã Lúcia faleceu no Carmelo de Coimbra, depois de uma vida longa dedicada a difundir a mensagem de Fátima. Os seus restos mortais repousam agora, junto aos de Francisco e Jacinta, na Basílica do Santuário. Poucas semanas mais tarde, a 2 de abril desse mesmo ano, o Senhor chamou a Si S. João Paulo II.
Fátima, altar do mundo
Fátima, altar do mundo, é uma expressão corrente em Portugal. Em Fátima concorrem todos os caminhos do mundo. Ali, como S. Josemaria – o primeiro peregrino a este santuário que subiu aos altares – vão também hoje rezar à Virgem a mente e o coração de tantos cristãos. D. Javier Echevarría, durante uma das suas estadas em Fátima, animava a pormo-nos sob a proteção maternal de Maria Santíssima em todas as circunstâncias da vida:
«Mãe, que bem se está junto de ti! Que serenidade se sente na alma pensando que tu nos conheces, que tu nos entendes, que tu nos ajudas e que tu vais apresentar diante de Deus as nossas necessidades muitíssimo melhor do que o possamos fazer cada um de nós! Recorremos a ti que és a Omnipotência Suplicante»[12].
E. Gil
[1] Barthas, C. La Virgen de Fátima, Rialp, 12ª ed., 2004. Todas as citações relativas à narração das aparições foram recolhidas desta fonte.
[2] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 10-V-1967
[3] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 4-XI-1972.
[4] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 31-X-1972.
[5] Beato Álvaro, Tertúlia com alguns fiéis do Opus Dei, 13-V-1979.
[6] Beato Álvaro, Tertúlia com alguns fiéis do Opus Dei, 15-XI-1985.
[7] S. João Paulo II, Consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, 13-V-1982.
[8] Beato Álvaro, Carta pastoral, 1-II-1994.
[9] S. João Paulo II, Discurso aos Cardeais no V consistório extraordinário, 13-VI-1994.
[10] Congregação para a Doutrina da Fé, A Mensagem de Fátima, 26-VI-2000.
[11] Ibid.
[12] Javier Echevarría, Homilia, 13-V-1995.
A presença do Anjo deixou uma marca muito profunda nas crianças. A primeira vez, o Anjo ajoelhou-se e inclinando-se até tocar o solo com a fronte, repetiu três vezes: «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos! Peço-Vos perdão pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam» [1].
Diz a Irmã Lúcia: «Ninguém pensou em falar desta aparição, nem recomendar segredo aos outros; o silêncio impunha-se por si mesmo. Era uma graça tão íntima, que não era fácil dizer sobre ela a mínima palavra. Daí em diante, as crianças, sempre que podiam, sem que os vissem, repetiam a oração tal como a tinham visto fazer ao Anjo».
No centro de uma grande auréola de luz que os envolveu, viram uma formosa Senhora, mais brilhante do que o sol.O ano de 1917 foi especial. A Europa estava em guerra. No domingo, 13 de maio, num lugar escondido da Serra d’Aire, no centro de Portugal, três crianças saíam com os seus rebanhos, depois de terem assistido à Santa Missa. Dirigiram-se para os pastos da Cova da Iria. Levaram o rebanho para a parte alta da propriedade, no cimo da colina. Ali, sem perderem de vista as ovelhas, começaram a brincar aos pedreiros, um dos seus passatempos preferidos. Dessa vez, tratava-se de levantar uma cerca protetora à volta de uma linda mata de urze branca, da qual os seus pais poderiam fazer vassouras. Era meio-dia. De repente, diante deles, e sobre uma carrasqueira, no centro de uma grande auréola de luz que os envolveu, viram uma linda Senhora, mais brilhante do que o sol.
– «De onde é Vossemecê?»
– «Sou do Céu».
Começou assim a primeira conversa entre Nossa Senhora e Lúcia.
Entre maio e outubro sucederam-se seis aparições de Nossa Senhora. Pediu-lhes que se rezasse o Terço todos os dias, e que se fizesse penitência. Este último pedido impressionou tanto os pastorinhos, que procuravam formas de fazer penitência e aproveitavam todos os pequenos sacrifícios que se lhes surgiam.
Na terceira aparição, a 13 de julho, a Virgem pediu a consagração da Rússia ao seu Coração Imaculado – aquelas crianças camponesas ignoravam o significado da palavra Rússia – e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados. «Se não se fizer isto, a Rússia propagará os seus erros pelo mundo (...), algumas nações serão aniquiladas. Portugal conservará sempre a Fé». Foi nesta aparição que Nossa Senhora indicou: «Quando rezardes o Terço, no final de cada dezena, dizei: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem».
Na última aparição, no dia 13 de outubro, a Senhora disse-lhes:
– «Sou a Virgem do Rosário. Desejo que neste lugar se levante uma capela em minha honra».
Pela sexta vez recomendou que se continuasse a rezar o Terço todos os dias.
A primeira capela que se construiu foi destruída pouco tempo depois por anarquistas, que também queimaram a azinheira sobre a qual pousou a Virgem. A Capelinha que atualmente alberga a imagem de Nossa Senhora ocupa o local da azinheira.
Como Nossa Senhora lhes tinha anunciado, na aparição de 13 de outubro teve lugar o milagre do sol, presenciado por umas setenta mil pessoas, que se tinham deslocado para a Cova da Iria, e publicado com detalhe na imprensa.
Chovia torrencialmente. De repente, a chuva parou e as nuvens, negras desde manhã, dissiparam-se. O sol apareceu no zénite como um disco de prata para o qual os olhos podiam olhar sem se encandearem. À volta do disco mate distinguia-se uma brilhante coroa. De improviso, começou a tremer, a abanar com movimentos bruscos e, finalmente, deu voltas sobre si próprio como uma roda de fogo, projetando em todas as direções feixes de luz cuja cor mudava muitas vezes.
Nesse mesmo mês começava a revolução bolchevique na Rússia.
Capela de Nossa Senhora de Fátima na paróquia de Santo Eugénio (Roma). Ao centro, uma estátua da Virgem esculpida por Leopoldo de Almeida. Pintados por Martins Barata encontram-se por baixo de Nossa Senhora, os videntes de Fátima, e à sua volta, anjos, devotos da Virgem e vários santos portugueses.
Uma devoção multissecular e uma mensagem universal
A devoção a Nossa Senhora tem nestas terras antecedentes multisseculares. Desde os finais do século X, as regiões entre os rios Douro e Vouga aparecem com o nome de Terra de Santa Maria, denominação que mais tarde se estende a todo o Portugal. Desde tempos remotos, multiplicam-se as advocações de Nossa Senhora.
A 13 de agosto de 1385, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, mais tarde S. Nuno de Santa Maria, tinha invocado solenemente a proteção de Maria nas paragens de Fátima, que ficaram desde então sob a especial guarda de Nossa Senhora. A partir de 13 de maio de 1917, esse lugar está indissoluvelmente unido à Virgem do Rosário, como lugar de oração e penitência.
A mensagem de Fátima contém um aspeto de exigência cristã universal: é necessário desagravar o Senhor por todos os pecados cometidos, fazer penitência, rezar o Terço, difundir a devoção ao Coração Imaculado de Maria e rezar muito pelo Papa. Também incluiu algumas revelações particulares da Virgem:
– «A guerra terminará em breve mas, se não deixarem de ofender a Deus, no pontificado de Pio XI, começará outra pior».
– «Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora dos primeiros sábados».
– «Os bons serão martirizados e o Santo Padre terá muito que sofrer; várias nações serão aniquiladas».
Jacinta e Francisco, tal como a Nossa Senhora lhes tinha anunciado, foram para o Céu pouco depois das aparições.Os três pastorinhos tiveram a visão do inferno: «Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Submersos nesse fogo, os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que saíam delas próprias, juntamente com nuvens de fumo que se espalhavam para todos os lados, parecidas ao cair das chispas nos grandes incêndios, sem equilíbrio nem peso, entre gritos de dor e gemidos de desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demónios distinguiam-se pelas suas formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros».
Com as aparições da Virgem cresceu visivelmente a devoção popular a Nossa Senhora. Durante o mês de maio, os caminhos de Portugal convergem para Fátima; entre maio e outubro, a afluência à Cova da Iria nos dias 12 e 13 de cada mês atinge proporções enormes; as estradas enchem-se de peregrinos, não só portugueses, mas de todas as partes do mundo.
Jacinta e Francisco, tal como a Virgem lhes tinha anunciado, foram para o Céu pouco depois das aparições. A Lúcia, seguindo o desejo expresso da Virgem, aprendeu a ler e a escrever e em 1926 ingressou na Congregação das Doroteias, na cidade do Porto. Mais tarde, entraria no Carmelo de Coimbra.
Como Santa Maria tinha prognosticado, começou a Segunda Guerra Mundial, mais violenta do que a primeira. Portugal, seguramente graças à Virgem, ficou à margem da contenda. A 31 de outubro de 1942, o Papa Pio XII consagrou o mundo ao Coração Imaculado de Maria.
S. Josemaria em Fátima
Em 1945, no próprio ano do fim da guerra, em Tui, S. Josemaria Escrivá de Balaguer encontrou-se com a irmã Lúcia pela primeira vez:
– «Irmã Lúcia, foi a sua saudação, se a irmã, que recebeu tantas graças de Deus, e eu, que também recebo tantas graças de Deus, não somos fiéis, arranjámo-la bonita! Podemos não ir para o Céu!»
–«Também eu pensei nisso muitas vezes», foi a resposta humilde da vidente.
A 6 de fevereiro de 1945, S. Josemaria visitou Olímpia de Jesus, a mãe de Jacinta e Francisco.
Em 1945 o fundador do Opus Dei regressou a Portugal outras duas vezes: em junho e em setembro. No dia 5 de fevereiro de 1946, precisamente um ano depois da sua primeira viagem, chegaram os primeiros fiéis do Opus Dei a Coimbra, cidade onde foi colocado o primeiro sacrário da Obra nesse país. S. Josemaria voltou a Portugal em outubro de 1948; residiu uns dias em Coimbra e no dia 15 dirigiu-se a Fátima para rezar na Capelinha. Voltaria em março de 1949... Ao longo dos anos, S. Josemaria foi 13 vezes a este lugar.
Por exemplo, em 1951, no meio de contradições para os apostolados do Opus Dei, S. Josemaria percorreu vários santuários marianos. Em janeiro foi a Fátima e regressou de novo em outubro, depois do primeiro Congresso Geral da Obra; no dia 19 desse mês, renovou na Capelinha a consagração ao Coração Dulcíssimo de Maria, que tinha feito no Loreto, no dia 15 de agosto desse mesmo ano. Dali enviou um postal aos seus filhos e filhas que já estavam em diversos países do mundo com a jaculatória: Cor Mariæ dulcissimum, iter para tutum! (Coração Dulcíssimo de Maria, prepara um caminho seguro) que repetia desde há meses atrás. Como sempre que vinha a Portugal, visitou a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra.
Em 9 de maio de 1967, nas vésperas da peregrinação do Papa Paulo VI ao Santuário de Fátima, por ocasião do 50º aniversário das aparições, foi rezar diante da Virgem. Ali admirou as manifestações de penitência de tantos grupos que caminhavam ao longo da estrada, debaixo de chuva, em direção à Cova da Iria. No regresso, comentaria:
– «Este país está-se a renovar na fé em Jesus Cristo e na sua Mãe bendita. Comoveram-me essas multidões que vi nos caminhos: homens, mulheres e crianças, indo pelas estradas para Fátima, em penitência. Escapava-se-me a mão para os abençoar e dizia-lhes: Deus vos abençoe, pelo amor que tendes à Sua Mãe»[2].
No outono de 1968 e na primavera de 1969, S. Josemaria percorreu diversos santuários marianos de Itália, Espanha, França, Suíça e no dia 14 de abril de 1970, chegou de novo a Fátima. Recordando aquela ocasião, comentaria mais tarde:
– «Eu vou muito a Fátima e a outros Santuários marianos da Europa e da América, porque tenho a alegria de amar Santa Maria e a esta terra de Santa Maria que é Portugal. Pois o melhor piropo que me fizeram, foi feito por um filho meu português que me viu a rezar o rosário em Fátima. Escreveu-me e dizia: "Padre, deu-me muita alegria vê-lo rezar o rosário, porque beija as medalhas como as velhinhas". Viste? Fiquei contente porque me disseram que parecia uma velhinha, uma dessas avozinhas maravilhosas, cheias de piedade, de sentido sobrenatural, que sabem que esta vida não tem demasiada importância e estão já a amar a outra»[3].
«Olha, minha filha, repito à Virgem muitas vezes ao dia, com tons diferentes (...): Mãe, minha Mãe! Digo isto a Nossa Senhora de Fátima» (S. Josemaria)Em novembro de 1972, durante a sua estadia em Portugal por ocasião da sua catequese pela península Ibérica, numa tertúlia perguntaram-me:
– «Padre, posso fazer-lhe uma pergunta impertinente? Qual é a jaculatória que o Padre está agora a repetir com mais frequência?»
– «Os outros não ouvem, porque eles não são tão impertinentes. Olha, minha filha, repito à Virgem muitas vezes ao dia, com tons diferentes – uns de pedido de ajuda, outros de agradecimento, sempre de Amor: Mãe, minha Mãe! Digo-o a Nossa Senhora de Fátima»[4].
A 2 de novembro de 1972, enquanto rezava o Rosário com profundo recolhimento em Fátima, viu-se acompanhado por várias centenas de pessoas, que se uniam à sua oração. Foi a última vez que esteve no lugar das aparições.
A devoção do Beato Álvaro a Nossa Senhora de Fátima
A 13 de maio de 1979, durante uma tertúlia em Roma, contou o Beato Álvaro:
– «O nosso Fundador atravessou Portugal em muitas ocasiões e sempre, ainda que tivesse que se desviar da direção que levava, procurava passar por Fátima. Quando era mais jovem e viajava com frequência pela noite – depois deixou de o fazer – chegávamos às vezes a Fátima à volta da meia-noite – e ali, junto da Capelinha, ajoelhávamos e rezávamos as Preces»[5].
E em 1985, estando no Santuário, comentou:
– «Fátima é um tesouro para toda a Igreja. Não é um luxo, porque está tudo feito com muita dignidade e sem ostentação. Mas é um tesouro: aqui os corações e as almas aumentam, aqui toca-se a Igreja, sente-se a presença da Santíssima Virgem, é algo que não se pode explicar, mas aqui nota-se que a oração de Nossa Senhora é muito eficaz»[6].
S. Josemaria e o Beato Álvaro rezam com alguns fiéis do Opus Dei no Santuário de Fátima (2 novembro 1972).
A queda do muro
A 13 de maio de 1981, o Papa João Paulo II sofreu um grave atentado na Praça de S. Pedro. Nessa mesma data, um ano depois, foi a Portugal para agradecer à Virgem a sua proteção e renovou a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.
– «Este mundo dos homens e das nações também eu o tenho diante dos olhos, hoje no momento em que desejo renovar a entrega e a consagração feita pelo meu predecessor na Sé de Pedro: o mundo do Segundo Milénio que está quase a terminar, o mundo contemporâneo, o nosso mundo de hoje»[7].
No domingo, 25 de março de 1984, pouco antes de terminar o Ano Jubilar da Redenção, S. João Paulo II decidiu renovar de novo a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Paralelamente à consagração do mundo a Nossa Senhora, na Praça de São Pedro, realizou-se o Jubileu das Famílias, com uma Missa celebrada pelo Papa e presidida pela imagem da Virgem de Fátima, colocada à esquerda do altar. O Santo Padre ofereceu ao Santuário de Fátima a bala que lhe tinham extraído do corpo durante a intervenção cirúrgica a que foi submetido depois do atentado. Foi colocada na coroa da Virgem, no meio de pérolas e pedras preciosas.
Ao longo do século XX os católicos da Europa recorreram especialmente à Virgem de Fátima para lhe pedir a paz e a reconciliação no continente.Em outubro de 1945, poucos meses depois de terminar a segunda Guerra Mundial, um pároco de Berlim conseguiu que a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima percorresse algumas capitais do Leste da Europa. A imagem iniciou o seu périplo no dia 13 de maio de 1947, mas, devido a patrulhas que proibiam que se aproximasse da zona comunista, viu-se obrigada a regressar.
Em 1978, tentou-se de novo a viagem. A imagem passou pela Hungria, sobrevoou a Checoslováquia e esteve na Polónia, no Santuário de Nossa Senhora de Czestochowa. A 8 de maio, véspera do trigésimo terceiro aniversário do tratado que tinha determinado o isolamento da parte oriental de Berlim, chegou junto da cortina de ferro. Nesse mesmo ano, foi chamado à cátedra de Pedro, em Roma, um Papa vindo do Leste Europeu.
Passaram os anos e, no dia 9 de novembro de 1989, caiu o muro que desde agosto de 1961 tinha causado tanto sofrimento. Na sua carta de janeiro de 1990, o Beato Álvaro falou desses acontecimentos:
- «Tudo tem a sua hora. Já vedes o que está a suceder nos países da Europa oriental. Regimes que tinham pretendido fechar ferreamente as suas portas a Deus, hoje parecem abrir-se à liberdade e, em consequência, à ação evangelizadora. São acontecimentos em que se toca a Providência de Deus e o amor maternal de nossa Mãe a Virgem»[8].
«A mim pessoalmente foi-me dado compreender, de modo particular, a mensagem de Nossa Senhora de Fátima» (S. João Paulo II)Quatro anos mais tarde, em 13 de junho de 1994, durante uma cerimónia para preparação do grande Jubileu do Ano 2000, diante do Colégio Cardinalício, dizia S. João Paulo II: «A mim pessoalmente foi-me dado compreender, de modo particular, a mensagem de Nossa Senhora de Fátima: a primeira vez, no dia 13 de maio de 1981, no momento do atentado à vida do Papa; depois, no final dos anos oitenta, por ocasião da derrota do comunismo nos países do bloco soviético. Penso que se trata de uma experiência bastante transparente para todos. Temos confiança em que a Virgem Santa, que caminha diante do Povo de Deus peregrino através da história, nos ajudará a superar as dificuldades que, depois de 1989, não deixaram de nenhum modo de estar presentes nas nações da Europa e de outros continentes»[9].
A 13 de agosto desse ano foi inaugurado diante da Capelinha um Monumento da Paz, constituído por um pedaço do muro de Berlim. Anteriormente, tinha sido oferecido ao Papa um terço feito de pedaços de cimento desse muro. O terço ficou no Santuário, para perpetuar a recordação daquelas mudanças histórias na Europa de leste.
Posteriormente, Fátima voltou a ser cenário de acontecimentos importantes: a 13 de maio de 2000, S. João Paulo II beatificou ali Francisco e Jacinta e renovou a sua gratidão para com a Virgem pela proteção que lhe tinha dispensado durante o seu pontificado. No final dessa mesma cerimónia, foi tornado público a terceira parte do segredo revelado pela Virgem aos pastorinhos, durante a aparição de 13 de julho de 1917. A instâncias do Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia tinha-o relatado por escrito em Tui, em 3 de janeiro de 1944:
- «vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos numa luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas num espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus.»[10].
No comentário teológico que acompanhou a publicação deste texto, o Cardeal Ratzinger interpretava que a figura do Bispo vestido de branco a subir para a Cruz era uma representação simbólica dos Papas que guiaram a Igreja durante o século XX, uma época de mártires. E, referindo-se a S. João Paulo II, perguntava: «Não podia o Santo Padre quando, depois do atentado de 13 de maio de 1981, fez que lhe levassem o texto da terceira parte do “segredo”, reconhecer nele o seu próprio destino? Tinha estado muito perto das portas da morte e ele próprio explicou ter-se salvo, com as seguintes palavras: “... foi uma mão materna que guiou a trajetória da bala e o Papa agonizante parou no umbral da morte” (13 de maio de 1994). Que uma “mão materna” tenha desviado a bala mortal mostra uma vez mais que não existe um destino imutável, que a fé e a oração são poderosas, que podem influir na história e que, no final, a oração é mais forte do que as balas, a fé mais poderosa do que as divisões»[11].
A 13 de fevereiro de 2005, a Irmã Lúcia faleceu no Carmelo de Coimbra, depois de uma vida longa dedicada a difundir a mensagem de Fátima. Os seus restos mortais repousam agora, junto aos de Francisco e Jacinta, na Basílica do Santuário. Poucas semanas mais tarde, a 2 de abril desse mesmo ano, o Senhor chamou a Si S. João Paulo II.
Fátima, altar do mundo
Fátima, altar do mundo, é uma expressão corrente em Portugal. Em Fátima concorrem todos os caminhos do mundo. Ali, como S. Josemaria – o primeiro peregrino a este santuário que subiu aos altares – vão também hoje rezar à Virgem a mente e o coração de tantos cristãos. D. Javier Echevarría, durante uma das suas estadas em Fátima, animava a pormo-nos sob a proteção maternal de Maria Santíssima em todas as circunstâncias da vida:
«Mãe, que bem se está junto de ti! Que serenidade se sente na alma pensando que tu nos conheces, que tu nos entendes, que tu nos ajudas e que tu vais apresentar diante de Deus as nossas necessidades muitíssimo melhor do que o possamos fazer cada um de nós! Recorremos a ti que és a Omnipotência Suplicante»[12].
E. Gil
[1] Barthas, C. La Virgen de Fátima, Rialp, 12ª ed., 2004. Todas as citações relativas à narração das aparições foram recolhidas desta fonte.
[2] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 10-V-1967
[3] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 4-XI-1972.
[4] S. Josemaria, Apontamentos recolhidos numa tertúlia, 31-X-1972.
[5] Beato Álvaro, Tertúlia com alguns fiéis do Opus Dei, 13-V-1979.
[6] Beato Álvaro, Tertúlia com alguns fiéis do Opus Dei, 15-XI-1985.
[7] S. João Paulo II, Consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, 13-V-1982.
[8] Beato Álvaro, Carta pastoral, 1-II-1994.
[9] S. João Paulo II, Discurso aos Cardeais no V consistório extraordinário, 13-VI-1994.
[10] Congregação para a Doutrina da Fé, A Mensagem de Fátima, 26-VI-2000.
[11] Ibid.
[12] Javier Echevarría, Homilia, 13-V-1995.